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O impeachment de Dilma: um golpe aos Tratados Internacionais

Na última segunda-feira (09/05), o secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Almagro, e o presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos, Roberto Caldas, reuniram-se com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, para debater com preocupação o processo de impeachment vivido pela presidenta Dilma Rousseff. Almagro e Caldas declararam preocupação com o cenário político brasileiro, principalmente pela fragilidade das “causas” apontadas para destituir uma presidenta democraticamente eleita.

Em audiência pública, no mesmo dia, na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), Almagro e Caldas criticaram de forma clara a ausência de base jurídica e a antecipação de votos dos congressistas que maculam o processo de impeachment de Dilma.

Almagro fez questão de ressaltar aos senadores presentes que o entendimento da OEA, desde abril do corrente ano, é de que o processo em curso contra a presidente não apresenta “qualquer juízo de indício de crimes de responsabilidade, quanto mais de certeza”.

Disse ainda que, no presidencialismo, vigora entre os cidadãos e o presidente um contrato. Tal relação contratual deve ser respeitada, com a máxima certeza jurídica que sustenta a democracia, para permitir o cumprimento do mandato da presidenta.

Caldas, presidente da CIDH, deixou claro que apesar de existir o instituto do impeachment nos países presidencialistas, seu rito deve ser respeitado e norteado pelos pilares do Estado de Direito. Nesse rito, deputados e senadores exercem o cargo de juízes e passam ao papel de julgadores de uma nação, pois poderão impedir quem chegou ao mandato pelo voto direto. Sendo assim, os parlamentares precisam se revestir dos mesmos requisitos de juízes, respeitando a imparcialidade e ouvindo as defesas, até a construção de sua opinião.

Entende que tal situação foi desrespeitada e assustou muito o mundo jurídico internacional, vez que parlamentares anunciaram previamente os votos. Não se pode quebrar a imparcialidade até o final do julgamento. Manifestar opinião é uma forma de prejulgar, e quem assim o faz, está terminantemente proibido de votar. “Quem anuncia voto não pode julgar”.

Nessa conjuntura, o processo de impeachment ora em marcha infringe não apenas o artigo 85 da Constituição Federal, mas também uma série de documentos e/ou tratados internacionais ratificados pelo Brasil, entre os quais, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos ou Pacto de San José da Costa Rica de 1969 (1), em especial seus dispositivos ligados a garantias judiciais tais como: a) o artigo 8.2,  relativo à presunção de inocência a  toda pessoa acusada de delito “enquanto não se comprove legalmente a sua culpa”; b) o artigo 25, relacionado à proteção judicial, conferindo a toda pessoa o direito a recursos efetivos capazes de protegê-la “contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela constituição”; c) e  o artigo 29 que garante a aplicação das disposições do direito interno que venham a assegurar ou a ampliar os níveis de proteção aos direitos fundamentais amparados pelo Pacto de San José.

Nesse sentido, a jurisprudência do sistema interamericano de direitos humanos tem ampliado o alcance dos dispositivos da Convenção Americana relativos a garantias judiciais, fazendo com que sejam aplicados não só a processos  judiciais em si, mas também  aos processos administrativos, ou a processos jurídico-políticos, tais como os processos de impeachment.

É o que se verifica em dois casos emblemáticos: a) Caso Tribunal Constitucional v. Peru, em que a Corte Interamericana, em decorrência de violações ao devido processo legal (art. 8°) e às garantias judiciais (art. 25), determinou a anulação de processo político-administrativo que culminou na destituição de três magistrados da Suprema Corte Peruana (2) ; b) e a Petição 3513-13, em que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos analisa flagrantes violações ao direito à ampla defesa praticadas pelas Casas do Congresso Nacional do Paraguai, quando da destituição do Presidente da República Fernando Lugo, em um processo sumaríssimo, com pouco mais de 24 horas de duração e que concedeu ao mandatário cerca de duas horas para apresentação de sua defesa contra acusações vagas que variavam desde “governar de maneira imprópria, negligente e irresponsável” a  promoção de “constante confrontação e luta de classes sociais” (3).

Não por acaso, o Presidente da Corte Interamericana, Sr. Roberto Caldas, em declarações à imprensa realçou a importância dos Estados-Membros da OEA em cumprirem os dispositivos da Carta Democrática Interamericana de 2001 relacionados à proteção da democracia representativa (artigos 1° a 3°, por exemplo) (4).

Idêntica preocupação foi externada pelo Secretário Geral da OEA, Sr. Luis Almagro, que em pronunciamento oficial ressaltou que “em um regime presidencialista, como o brasileiro – prevalente na grande maioria dos países do nosso hemisfério – não pode funcionar como se fosse um sistema parlamentar, onde a destituição do primeiro mandatário se dá imediatamente, bastando uma mudança na correlação das forças políticas na coligação governamental” (5).

Também em nota oficial, o Secretário Geral da Unasul, Sr. Ernesto Pizano, externou preocupação com a autorização de abertura do processo de impeachment pela Câmara dos Deputados do Brasil, em 17/04/2016, sem que qualquer debate substantivo sobre supostos crimes praticados pela Presidente da República tivesse sido protagonizado pelos parlamentares (6).

A ruptura da ordem democrática pelo Brasil por meio de um golpe de Estado travestido por um processo de impeachment também implica na violação do Protocolo de Ushuaia sobre Compromisso Democrático no Mercosul, Bolívia e Chile, de 1998 (7). Desta forma, poderão os Estados-partes, após consultas ao Estado afetado, mediante consenso, autorizar sanções ao país, que poderão implicar na suspensão do país do Mercosul (artigos 3° a 6°) e em consequente agravamento da crise econômica.

Ainda que a suspensão do país ao Mercosul não venha a ocorrer – afinal tal decisão demandaria um difícil consenso dos demais Estados-partes –  os sinais dados por governos da América do Sul indicam a considerável possibilidade do não reconhecimento de um governo brasileiro oriundo  de um golpe “branco”, o que geraria prejuízos consideráveis às relações internacionais (8).

No entanto, um efeito ainda mais devastador estaria por vir haja vista que o mau uso do impeachment justamente no Brasil, país que por razões históricas, territoriais e político-econômicas, é reconhecidamente o país mais influente da América Latina, sinaliza danos ainda maiores: a abertura ou a intensificação de um ciclo de instabilidade que poderá se alastrar pelos demais países do continente (9).

Se a adoção de tal instituto, por si só, já evidencia intensa crise institucional, a sua aplicação apenas e tão somente por motivações políticas evidencia um golpe de Estado “branco”, revestido de um pálido verniz de legalidade, que poderá servir de tenebroso modelo para estados de exceção por toda a América Latina.

Notas:

(1) Ratificada pelo Brasil em 25/09/1992 e aprovado pelo Decreto Legislativo n° 678, de 06/11/1992, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, por força do art. 5°, § 2°, da Constituição Federal, goza de nível supralegal de proteção no ordenamento jurídico brasileiro. Ver: RE 466-343-SP. STF, 2ª Turma, HC 90.172/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, j. 05.06.2007. GOMES, Luiz Flávio; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Comentários à Convenção Americana sobre Direitos Humanos: Pacto de San José da Costa Rica, 3ª ed. rev.,atual e ampl. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2010, p. 77.

(2)  Ver: Corte IDH, Caso del Tribunal Constitucional Vs. Perú Sentencia de 31 de enero de 2001 (Fondo, Reparaciones y Costas), par. 130.

(3)  Disponível em:  http://www.mre.gov.py/v2/Noticia/3346/respuesta-del-estado-paraguayo-a-la-peticion-de-lugo-fue-entregada-hoy-a-la-cidh-en-washington , último acesso em 27/04/2016.

(4) “Está na carta democrática americana dispositivo que fala da democracia representativa. O seu afastamento (da Presidente Dilma Rousseff) há de ser feito, claro, dentro da legalidade e da estrita letra da lei”. Roberto Caldas, em entrevista publicada em 05/04/2016. Disponível em: http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2016/04/05/presidente-da-corte-interamericana-diz-que-povos-olham-com-medo-para-o-brasil.htm, último acesso em 27/04/2016.

(5)  Ver: http://www.oas.org/pt/centro_midia/nota_imprensa.asp?sCodigo=P-044/16, último acesso em 27/04/2016.

(6)  “La decisión adoptada ayer por la Cámara de Diputados de Brasil  (…) sin que haya existido indicio o discusión de fondo durante el debate sobre supuestos delitos, constituye un motivo de seria preocupación para la región. La elección democrática y mayoritaria de Dilma Rousseff como Presidenta Constitucional,  no puede ser derogada en un juicio político por una mayoría parlamentaria a menos que exista una prueba que la vincule de manera directa y dolosa con la Comisión de un delito común,  hecho que hasta el momento no ha sucedido.”  Disponível em: http://www.unasursg.org/es/node/658,  último acesso em 27/04/2016.

(7)  Ratificado pelo Brasil em 17/01/2002 e aprovado pelo Decreto Legislativo n° 4210, de 24/04/2002.

(8) Ver: http://g1.globo.com/mundo/noticia/2016/03/uruguai-bolivia-venezuela-e-equador-manifestam-apoio-dilma-e-lula.html, último acesso em 27/04/2016.

(9)Entre 1992 e 2015, sete presidentes democraticamente eleitos na América Latina sofreram impeachment. Além de Collor e Pérez, houve Abdalá Bucaram (1997) e Lucio Gutiérrez (2005) no Equador , Raúl Cubas Grau (1999) e Fernando Lugo (2012) no Paraguai, e Otto Pérez Molina na Guatemala (2015)”. Aníbal Pérez-Linãn, em entrevista publicada em 25/041/2016. Disponível em: http://jornalggn.com.br/tag/blogs/anibal-perez-linan , último acesso em 27/04/2016. Ver também: Ver: PÉREZ-LIÑÁN, Aníbal. Presidential impeachment and the new political instability in Latina America. Cambridge University Press, 2010.

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