O Fundo Soberano (FSERJ) é uma resposta à dependência econômica do estado do Rio em relação às receitas de petróleo. A ideia é promover sustentabilidade fiscal e desenvolvimento econômico de longo prazo, por exemplo financiando projetos estratégicos em educação, saúde, ciência, tecnologia e infraestrutura
Artigo produzido para a coletânea Opina Rio, coordenada por Bruno Leonardo Barth Sobral, e divulgada com exclusividade pelo BD o Futuro
Os Fundos Soberanos de Riqueza (FSR) surgem como importantes instrumentos financeiros na gestão de recursos públicos, sendo uma resposta estratégica de diversos países para administrar superávits e receitas provenientes de exportações, especialmente de commodities como petróleo e gás.
A origem desses fundos remonta ao século XIX, com o Caisse des Dépôts et Consignations (CDC) na França, e se consolidou globalmente no início do século XXI, impulsionada pelo aumento dos preços do petróleo e superávits comerciais de várias nações (2) (3) .
No Brasil, a implementação de fundos soberanos ocorreu em diferentes níveis, com destaque para a criação do Fundo Soberano Brasileiro (FSB) em 2008, que visava a apoiar projetos estratégicos e mitigar flutuações econômicas, diferenciando-se de outros FSR globais por não depender predominantemente de receitas de commodities (4).
No contexto do estado do Rio de Janeiro, a criação do Fundo Soberano (FSERJ) foi uma resposta à dependência econômica do estado em relação às receitas de petróleo, buscando promover a sustentabilidade fiscal e o desenvolvimento econômico de longo prazo (5).
A literatura destaca o papel variado dos FSR, abrangendo desde a estabilização econômica e poupança intergeracional até o fomento ao desenvolvimento econômico e social (6) (7) (8). No entanto, a volatilidade dos preços do petróleo e a consequente instabilidade das receitas de royalties impõem desafios significativos para os estados que dependem desses recursos, como é o caso do Rio de Janeiro. Nesse sentido, a criação do FSERJ não apenas busca mitigar esses riscos, mas também visa a diversificar a economia e financiar projetos estratégicos em áreas cruciais como educação, saúde, ciência, tecnologia e infraestrutura (9).
A proposta de Fundos de Riqueza Regional (FRR), focados no desenvolvimento local ou regional, amplia as possibilidades de aplicação desses fundos, direcionando recursos para iniciativas que beneficiem diretamente as comunidades locais (10).
Este estudo objetiva analisar o impacto dos Fundos Soberanos de Riqueza (FSR) sobre o Produto Interno Bruto (PIB) per capita dos municípios do estado do Rio de Janeiro que recebem royalties de petróleo. A pesquisa explora a hipótese de que a presença de um FSR contribui para o crescimento econômico mais robusto e sustentável desses municípios.
Para tal, utilizou-se uma metodologia de dados em painel, abrangendo o período de 2015 a 2023, que permite uma análise mais robusta das heterogeneidades entre os municípios ao longo do tempo. As variáveis consideradas incluem o PIB per capita, uma dummy que indica a presença de FSR nos municípios, além de variáveis de controle como o percentual da população com acesso à água encanada e esgoto sanitário, número de médicos atuantes no Sistema Único de Saúde – SUS por 100 mil habitantes, Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), e os royalties recebidos pelo município.
A análise busca evidenciar a eficácia dos FSR como instrumentos de política pública na promoção do desenvolvimento econômico local, destacando a importância de uma gestão eficiente e de um quadro regulatório sólido para maximizar os benefícios desses fundos.
A análise econométrica foi realizada por meio de modelos de regressão em painel, incluindo modelos de efeitos fixos e aleatórios, para avaliar a relação entre as variáveis explicativas e o PIB per capita dos municípios. O teste de Hausman foi utilizado para determinar a adequação entre os modelos, resultando na escolha do modelo de efeitos fixos como o mais apropriado para a análise, devido à sua capacidade de captar a heterogeneidade específica dos municípios que possuem FSR.
Os resultados indicaram que a presença de Fundos Soberanos de Riqueza (FSR) nos municípios do estado do Rio de Janeiro está positivamente correlacionada com o aumento do Produto Interno Bruto (PIB) per capita. Especificamente, o coeficiente da dummy que identifica os municípios com FSR foi positivo e estatisticamente significativo a um nível de 0,05% (p < 0.001), sugerindo que, em média, os municípios com FSR apresentam um PIB per capita consideravelmente maior do que aqueles que não possuem tais fundos.
Entretanto, algumas das variáveis de controle, como o percentual da população com acesso à água encanada e esgoto sanitário, o número de médicos atuando no Sistema Único de Saúde, e o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, não mostraram significância estatística no modelo.
Esses achados sugerem que, apesar de serem importantes para o bem-estar social, esses fatores específicos não foram determinantes para o crescimento econômico, conforme medido pelo PIB per capita, nos municípios fluminenses durante o período analisado. Isso pode indicar que os efeitos dos FSR e dos royalties têm um impacto econômico mais direto e imediato, enquanto os benefícios de infraestrutura e serviços públicos podem se manifestar em outras formas ou ao longo de prazos mais extensos.
Os resultados são corroborados por diversos estudos que sugerem que a adoção e a gestão eficaz dos FSR são cruciais para maximizar os benefícios econômicos dos Estados que os implementam (11) (12) (13).
No entanto, ressalta-se que para sustentar este impacto positivo em longo prazo, é essencial construir um quadro institucional robusto que evite a utilização ineficiente dos recursos, bem como promover políticas complementares que garantam que os benefícios do crescimento econômico se reflitam em melhorias nas condições de vida da população. Assim, enquanto os FSR se mostram eficazes na promoção do crescimento econômico, sua implementação deve ser parte de uma estratégia mais ampla de desenvolvimento regional, que também aborde as necessidades sociais e de infraestrutura básica dos municípios.
O estudo conclui que os Fundos Soberanos de Riqueza (FSR) têm um impacto positivo e significativo no crescimento econômico dos municípios do estado do Rio de Janeiro que recebem royalties de petróleo, evidenciado pelo aumento do PIB per capita nessas regiões. Assim, a principal contribuição do estudo reside na demonstração empírica de que a presença e a gestão eficaz desses fundos podem promover um desenvolvimento econômico mais robusto e sustentável, especialmente em contextos de alta dependência de receitas voláteis.
No entanto, se reconhecem algumas limitações, como o período de análise relativamente curto de 2015 a 2023, que pode não capturar completamente os efeitos de longo prazo dos FSR, além de possíveis influências externas não controladas, como a pandemia da COVID-19.
Como implicações práticas, o estudo recomenda que os municípios que recebem royalties considerem a criação e o fortalecimento de FSR como uma estratégia central para garantir a sustentabilidade econômica em longo prazo, mas destaca a importância de complementar esses fundos com políticas públicas que garantam a distribuição equitativa dos benefícios econômicos e melhorias nas condições de vida da população.
Título original: Análise do Impacto dos Fundos Soberanos de Riqueza no Desenvolvimento Socioeconômico dos Municípios do Rio De Janeiro
Rachel Alves da Silva é mestranda em Economia Regional e Desenvolvimento (PPGER/UFRRJ).
Joyce Assis de Oliveira é mestranda em Economia Regional e Desenvolvimento (PPGER/UFRRJ).
Everlam Elias Montibeler é doutor em Economia Aplicada pela Universidade Complutense de Madrid (UCM). Professor associado do Departamento de Ciências Econômicas (UFRRJ) e do Programa de Pós-Graduação em Economia Regional e Desenvolvimento (PPGER/UFRRJ).
Eduardo Bassin é economista, mestre em Economia, pesquisador do Instituto de Estudos de Fundos Soberanos (IEFS)
Crédito da foto da foto da página inicial: Tânia Rêgo/Agência Brasil.
Notas
(1) Agradecimento aos membros do LabCidades pelo apoio no artigo e a UNIG pela bolsa de IC.
(2) Hildebrand, P. 2007. The challenge of Sovereign Wealth Funds..
(3) Dewenter K. L; Han X.; Malatesta P. H. (2010). Firm values and sovereign wealth fund Investments. Journal of Financial Economics.
(4) Machado E Silva I. M.; Medeiros Costa, H. K. (2019). Brazilian Social Funds: The lessons learned from the Norway fund experience.
(5) Bassin, E.; Prates, T. M.; Montibeler, E. E. (2022). Fundo soberano de riqueza do Estado do Rio de Janeiro como instrumento para alavancar o desenvolvimento econômico. Revista Economia Política do Desenvolvimento, v. 13, p. 1-19.
(6) Bernstein S.; Lerner J.; Schoar A. (2013). The Investment Strategies of Sovereign Wealth Funds. Journal of Economic Perspectives. vol. 27, no. 2, Spring 2013. (pp. 219–38)
(7) Kotter J.; Lel U. (2011). Friends or foes? Target selection decisions of sovereign wealth funds and their consequences Econpapers.
(8) Bortolotti B.; Fotak V.; Megginson W. L. (2015). The Sovereign Wealth Fund Discount: Evidence from Public Equity Investments. Baffi Center
(9) Bassin, E.; Prates, T. M.; Montibeler, E. E. (2022). Fundo soberano de riqueza do Estado do Rio de Janeiro como instrumento para alavancar o desenvolvimento econômico. Revista Economia Política do Desenvolvimento, v. 13, p. 1-19.
(10) Bassin, E. (2023a). Fundo Soberano de Riqueza: Uma Avaliação do Modelo Fluminense. Dissertação (Mestrado em Economia) – Instituto de Ciências Sociais Aplicadas, UFRRJ. Rio de Janeiro, p.113. 2023.
(11) Ghecham, M. A. (2020). Further attempt to explain the oil curse mechanism using a debt overhang concept. Journal of Economic Studies, 48(4), 852-868.
(12) Sharma J.; Chandani A. (2022). Sovereign Wealth Fund and Economic Indicators: An Exploratory Study. Issue 24; November 2022; p.825-834; DOI: 10.18137/cardiometry.2022.24.825834.
(13) Afuso E.; Istiak, K. M..; Sharland, A. (2022). Sovereign wealth funds and economic growth. Journal of Economic Studies.
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