É bastante comum a afirmação de que o governo brasileiro é gastador. É também frequente a infeliz comparação entre o orçamento público e o orçamento da casa da “Dona Lúcia”, como se a dinâmica e as implicações do gasto público fossem as mesmas do orçamento familiar.
Estes fatos apontam não só para um desconhecimento a respeito da dinâmica do déficit público e suas implicações macroeconômicas, mas, principalmente, para a falta de informação sobre a situação das contas públicas brasileiras em perspectiva internacionalmente comparada.
Há, basicamente, duas formas de avaliar quantitativamente o volume do que um governo gasta em relação ao que se recebe. A primeira é o balanço primário, calculado como a diferença entre as receitas totais e as despesas não financeiras, isto é, excluindo-se o pagamento de juros sobre a dívida pública das despesas gerais do governo. A segunda é o balanço nominal, que inclui na conta os juros da dívida pública.
Na maior parte dos países, os gastos primários são maiores do que as receitas do setor público, o que implica em déficit primário. Este não é o caso do governo brasileiro, como pode ser visto no gráfico abaixo. Dentre os países estudados, o Brasil possui o terceiro maior superávit primário em relação ao PIB.
Quando incluímos o pagamento de juros, a situação muda de figura. Devido às elevadas taxas de juros, o governo brasileiro paga em torno de 5% do PIB de juros sobre a dívida pública – percentual muito maior do que a média internacional, ainda que a nossa dívida pública seja relativamente baixa. Mesmo incluindo esta rubrica, o déficit nominal do governo brasileiro está muito próximo à média internacional.
Diante disso, fica evidente que o governo brasileiro não é gastador. Na verdade, o Brasil ainda é um dos poucos países que produzem superávit primário.
Por outro lado, está claro que os juros estreitam (e muito) a margem de manobra para que o governo possa gastar de forma mais fértil, pagando menos juros e aumentando os investimentos para melhoria de serviços públicos prestados à população.
Portanto, está claro que os gastos públicos estão bem controlados, mas é premente a necessidade de reduzir os juros para melhorar sua composição.
Isso não parece tão claro no debate de política macroeconômica que se vê na maior parte das análises, que recorrentemente preconizam uma combinação de aumento de juros e ajuste fiscal.
Nas suas entrelinhas, ou nas suas consequências, isso quase sempre significa aumentar a parcela de pagamento de juros (maior déficit nominal) e reduzir os investimentos de maior impacto para a população (maior superávit primário). É realmente isso que queremos?
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