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O fracasso do industrialismo e suas lições

Em seus primeiros meses de seu primeiro mandato, a presidenta Dilma preparava um conjunto de iniciativas que prometiam criar as condições para a retomada da centralidade da indústria no crescimento econômico brasileiro. Amplamente defendida pelos economistas desenvolvimentistas, a suposta retomada do industrialismo seria uma espécie de primum mobile de Dilma I e uma condição necessária para a consolidação de um ciclo de crescimento de longo prazo.

As condições para tal, à época, pareciam conspirar para o sucesso da estratégia industrialista: observava-se uma combinação de alto crescimento econômico associado à melhora na distribuição de renda, a baixos níveis de desemprego e à consolidação de um conjunto de conquistas sociais e civilizatórias personificado, pela leitura economicista do fenômeno, na emergência de uma suposta nova classe média.

Este cenário, combinado à persistente e intensa valorização do Real nos anos anteriores e à progressiva deterioração do balanço comercial manufatureiro, contribuía para a percepção de que a potencialização do crescimento de longo prazo da economia brasileira a partir de então exigiria, tal qual sugere Schumpeter, um novo salto qualitativo. Assim, dever-se-ia agregar ao padrão de crescimento forjado nos governos Lula o eixo industrialista.

Entretanto, apesar da pauta industrialista ser tradicionalmente associada a interpretações desenvolvimentistas acerca das restrições de longo prazo ao crescimento econômico, uma parcela não desprezível das ações do industrialismo Dilmista fundamentou-se no diagnóstico proposto por economistas de orientação liberal de que o entrave ao crescimento industrial brasileiro derivaria do elevado Custo Brasil.

Segundo esta tese, o Custo Brasil, ao reduzir a competitividade dos produtos locais em um cenário de globalização, restringiria a rentabilidade e o potencial de investimento da indústria local. Deste modo, a recuperação do potencial de crescimento de longo prazo do setor exigiria um conjunto de ações que tivesse como cerne a redução dos custos de produção e comercialização locais.

É neste contexto que se situa um amplo conjunto de medidas que tinham como objetivo reduzir o Custo Brasil, como a desoneração da folha de pagamentos, a redução relativamente generalizada das alíquotas do IPI e do custo do crédito via diminuição dos spreads dos bancos públicos, a tentativa de redução do custo da energia elétrica, o protelamento do reajuste das tarifas públicas e dos derivados de petróleo, entre outros.

Em paralelo a estas medidas, a pauta industrialista de Dilma I foi complementada por ações como a busca para se assegurar a desvalorização da moeda local, por uma tentativa (ainda que efêmera) de redução da Selic e pela manutenção de elevados volumes de crédito concedidos a juros subsidiados pelo BNDES.

Apesar deste esforço, o que se observou foi um fracasso no sentido de se engendrar um novo ciclo de crescimento associado a saltos qualitativos na indústria de transformação. Esse fracasso do industrialismo, por sua vez, deve ser interpretado em diversas dimensões.

Na dimensão produtiva, este artigo defende que as limitações da pauta industrializante decorrem da mudança do padrão de organização e acumulação da indústria local, que dá origem ao fenômeno, proposto em trabalhos recentes já publicados neste site, da “Doença Brasileira”.

Essa seria caracterizada por um cenário em que se observam reconfigurações estruturais na indústria em direção à especialização regressiva e à desindustrialização em paralelo ao surgimento de estratégias que garantem a acumulação do capital investido na esfera industrial. Tal acumulação, por sua vez, estaria associada à emergência de estratégias crescentemente desvinculadas do desempenho estritamente produtivo.

Por outro lado, na dimensão orçamentária, o conjunto de ações listadas anteriormente implicou uma elevada renúncia fiscal (em mais de R$ 104 bilhões em 2014 apenas no que diz respeito aos incentivos às atividades produtivas, segundo a Receita Federal). Esta, em um cenário de desaceleração da economia e conseguinte redução do ritmo de crescimento da arrecadação tributária, se configurou em um importante elemento para a deterioração das contas públicas no período recente.

Na dimensão política, tais medidas foram interpretadas pela classe empresarial como derivadas de um excesso de dirigismo do Estado, insuficientes para o incremento da competitividade da indústria local e para a posterior retomada do investimento manufatureiro. Isso porque, dentre diversos outros motivos, ocorreram paralelamente à continuidade da política de aumento dos salários reais constantemente acima do crescimento da produtividade, fato este que estaria reduzindo a capacidade de acumulação industrial local.

Entre os economistas de orientação liberal, o industrialismo Dilmista teria sido responsável por produzir uma distorção na alocação intersetorial de recursos na economia. Essa distorção teria sido construída artificialmente por meio de um conceito de política industrial ultrapassado e estaria associada a um processo de distorção dos preços relativos, ao favorecimento a campeões nacionais ineficientes e artificialmente criados, e ao aumento do protecionismo. Esse tripé, parafraseando Eugênio Gudin, por meio de uma ‘conspiração dos ineficientes’, seria uma das causas estruturais da aceleração inflacionária recente.

Já para os economistas de orientação desenvolvimentista, as limitações de se construir um novo padrão de crescimento a partir da retomada da proeminência do investimento ancorado na diversificação produtiva derivariam da timidez das iniciativas da política industrial local em um cenário de acirramento das pressões competitivas internacionais decorrentes da insuficiência de demanda na tríade EUA, Europa e Japão e da agressividade da ‘fábrica asiática’.

Adicionalmente, tais medidas teriam seus efeitos minimizados em virtude de uma combinação de preços macroeconômicos (juros e câmbio) desfavoráveis ao investimento produtivo.

Neste cenário de percepção generalizada do fracasso do industrialismo em Dilma I, admitindo-se que a sustentabilidade de um ciclo de crescimento de longo prazo na economia brasileira não pode prescindir de fomentar um padrão de investimento que esteja intimamente associado a saltos qualitativos na indústria de transformação que incrementem a produtividade manufatureira e a transmitam para os demais setores economia, algumas limitações inerentes ao esforço industrialista periférico colocam-se novamente em pauta. Da releitura destas limitações, emergem algumas lições:

1 – Reforça-se a percepção de que apenas medidas no sentido de se sinalizar um potencial horizonte de incremento da rentabilidade do setor industrial não necessariamente são capazes, per se, de induzir o investimento industrial associado à diversificação produtiva e ao incremento da produtividade;

2 – Dada a configuração do capital em um cenário de “Doença Brasileira”, não há uma aderência automática e unívoca da classe empresarial a medidas produtivistas, uma vez que parcela não desprezível da rentabilidade das empresas industriais locais está associada às operações de tesouraria e a estratégias de integração importadora nas redes globais de produção;

3 – Em virtude do acirramento das pressões competitivas globais e da consolidação do paradigma da empresa em rede, o conjunto tímido de esforços adotados desde Lula I mostrou-se insuficiente para viabilizar uma estratégia de catching up. Tal insuficiência é potencializada na medida em que se observa a relativa ausência de agentes empresariais nacionais (públicos ou privados) em setores fundamentais da 3ª Revolução Industrial e a conseguinte menor ênfase relativa atribuída pelas políticas industriais a estes setores.

4 – Por fim, destaca-se que, ao se agregar os condicionantes apresentados pela vigência do fenômeno da “Doença Brasileira” às três lições anteriores, uma eventual retomada do desenvolvimentismo produtivista teria como condição sine qua non, porém não suficiente, a vigência de um regime cambial caracterizado por taxas de câmbio internacionalmente competitivas e estáveis.

Neste cenário, fica patente o papel central do investimento público como indutor da ação empresarial, seja direta ou indiretamente, principalmente no que se refere aos esforços que tenham como objetivo transformar qualitativamente a estrutura produtiva doméstica e assim engendrar um ciclo de crescimento econômico de longo prazo.

Crédito da foto da página inicial: Panatomix/Creative Commons

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