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O destino de Pedro Torres e as eleições de 2016

“Pedro ondecê vai eu também vou, Mas tudo acaba onde começou.” (Meu amigo Pedro – Raúl Seixas)

Usarei PedroTorres como nome fictício de um professor universitário já sexagenário. Sua trajetória política não deixa dúvidas em relação aos seus ideais: lutou contra a ditadura de 1964, viu amigos presos, colegas desaparecidos, conheceu forçosamente o mundo através do exílio e voltou ao Brasil para recuperar seus direitos políticos quando participou da fundação do PT.

Meu encontro com ele em um debate pode sintetizar em boa medida o inconformismo de parte das figuras de esquerda com a conjuntura política. Suas posições beiravam a ação desenfreada de uma metralhadora que busca o alvo aleatoriamente. Então, qualquer esquerda que tenha se postado na linha de frente de 2016 tornava-se objeto de sua crítica.

É compreensível sua atitude – como de muitos outros que em público ou em particular se dedicam ao exame político de 2016. Em parte, há uma verdade nessas reverberações: as esquerdas estão fragilizadas e acuadas. O avanço da direita não é apenas no campo eleitoral, atinge também o projeto social e salta aos olhos a disseminação de preconceitos.

Embora meu debatedor inconformado não poupasse nenhum segmento da esquerda política, o diagnóstico de sua crítica centrava-se no PT: na falta de compromissos ideológicos do Partido, seu pragmatismo cego, suas alianças espúrias, sua rendição ao capital, a cooptação dos seus quadros, enfim, uma lista de erros consideráveis apontados a partir do processo político partidário e eleitoral.

Não há duvidas de que houve erros – em vários sentidos, em todos os campos. Mas não exclusividade petista. O campo da esquerda todo foi estremecido pelo golpe midiático jurídico. A responsabilidade do PT enquanto Partido é difícil de mensurar se pensarmos 2016 como uma resposta maior que as eleições – a crise é do projeto. O apagão de hoje é parecido com os fenômenos psicológicos que atingem os atletas quando não esperam um revés no placar e desmoronam sem saber reagir com o resultado adverso: as esquerdas sofreram uma derrota institucional que depôs a presidente e, nas eleições subsequentes, é convertida em poucos partidos nanicos.

Para além de qualquer argumentação em relação a essa queda, é preciso esclarecer que o PT é um partido político que, como outros à direita e à esquerda, tem como objetivo ganhar eleições.

Alguns dos partidos no Brasil ainda defendem posições ideológicas, princípios políticos e sociais, mas quanto mais avançamos na história política, mais se reforça que as ideologias são meios pelos quais apresentar-se ao eleitor e não fundamentos da existência partidária. Se um dia as ideologias eram a razão da existência dos diferentes partidos, hoje significam menos (há quem diga que não conta ou não contará em breve – não é o caso do meu amigo Pedro).

Um tema a discutir é a questão ideológica interna ao PT, mas não é o caso tratar das duas coisas. Eleição e ideologia se misturam de um modo muito específico. Se queremos entender a derrota eleitoral e a expulsão da presidência, vamos tratar das falhas eleitorais e estratégicas da disputa pelo governo que não estão diretamente relacionadas à crise das ideologias.

Nosso amigo Pedro Torres não cobrava exatamente vitórias eleitorais do PT em 2016. Cobrava ideologia. E isso talvez nos confunda. Entre a crise de deposição da Dilma e as eleições de 2016, queria uma atitude combativa. Queria um partido aguerrido e não acuado. Considerava o PT muito mais que um partido disposto a ganhar eleições. Suas preocupações com o combate na sociedade se sobrepunham ao cenário eleitoral, como se o resultado das urnas fosse apenas um sintoma de que estávamos perdendo a sociedade. O problema de todas essas suposições é acreditar que um dia estávamos ganhamos a sociedade e não apenas as eleições.

A principal preocupação de um partido político é a ascensão ao poder. É pra isso que são criados. Obviamente há os partidos que se prestam a tomar o poder de assalto – são os revolucionários. Supostamente, nas democracias, os partidos ganham as eleições. Mas aos partidos à esquerda do espectro político não basta ganhar eleições – sua preocupação é também construir uma nova identidade para transformar a sociedade. Aí entra a tática e a estratégia. Eleições podem ser parte da estratégia de transformação, parte da tática, ou, nem uma coisa, nem outra.

O fundamental ao PT e aos partidos de esquerda não deveria ser as eleições, mas a transformação da sociedade. Eleições são apenas um dos meios possíveis para essa transformação. Neste caso entram outros personagens na luta de classes: sindicatos, movimentos sociais e outras associações políticas. Digamos que a responsabilidade pela transformação da sociedade é uma responsabilidade compartilhada e que nisso, sim, houve retrocessos enormes.

O PT vai ou não vai representar ainda os anseios de esquerda que pedem transformações? Essa é a pergunta essencial e difícil de responder no curto prazo. Mas, também é difícil cobrar que o PT seja porta voz dos anseios de todas as esquerdas antes de ser o mecanismo de disputa eleitoral.

Esse artigo talvez seja uma resposta ao meu amigo Pedro. Não por não poder respondê-lo diretamente, mas porque encontro muitos Pedros Torres nas redes sociais, nos jornais, nos debates e nas análises. É possível e justo cobrar do PT que ele apresente resultados eleitorais. O Partido tem esse propósito. Mas, o que se mostrou inviável é que o partido organize as esquerdas a partir do governo. Ao ganhar eleições, o PT deixa de organizar as esquerdas e passa a governar a sociedade tal qual ela existe a partir das suas contradições. Conseguiu ou não aproximar seu governo dos anseios das esquerdas? O fez em alguns casos e deixou de fazer em outros. Mas falhou em governar e orientar a sociedade rumo a transformações estruturais.

O PT mudou o Brasil. Não é uma tese difícil de defender. Seu papel na oposição até 2002 e seus governos são expressão disso. Mas também é preciso acrescentar nessa conta que o Brasil mudou o PT. Não foi possível ser governo e ser líder das esquerdas. A pergunta que devolvo ao meu amigo Pedro Torres não é se o PT consegue ou não se rearticular e ganhar eleições, mas se, enquanto fonte catalisadora das esquerdas que foi, consegue se recolocar como referência aos tantos jovens que, ainda como Pedro, lutam por outro amanhecer.

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