Na economia existe um conceito muito importante para tomada de decisão chamado custo de oportunidade. Ele é usado para mensurar a perda econômica ao renunciar uma posição por outra. O exemplo muito usual nos cursos de economia refere-se à alocação dos recursos entre atividades produtivas e não produtivas. Um investidor pode aplicar seus recursos monetários na esfera real da economia na compra de insumos, contratação de mão de obra, ampliação da produção e abertura de empresas; ou pode investir na esfera fictícia ou financeira da economia na aquisição de papeis financeiros como títulos da dívida pública, de empresas privadas e ou cotas de participação acionária. Tudo isso implica um custo de oportunidade para os ganhos futuros do investidor.
Supondo que o cálculo de retorno do investidor seja de um ano e o mesmo tenha optado pela alocação no sistema financeiro com rentabilidade de 15% do capital investido; seu custo de oportunidade será o que ele perdeu ao deixar de aplicar na esfera produtiva. Se naquele ano a esfera produtiva gerou retornos médios de 20%, o seu custo de oportunidade nesse exemplo foi de 5%. Ou seja, ao renunciar à posição de aplicar na esfera produtiva do país, ele deixou de ganhar 5% ao ano.
O mesmo raciocínio pode ser aplicado ao povo brasileiro. Passada a eleição, qual será o custo de oportunidade na escolha do presidente? Óbvio, o mandato ainda não terminou e os resultados podem ser vistos apenas numa perspectiva mais ampla, mas com possibilidade concreta de comparação.
A primeira comparação é o PIB, se comparado com os primeiros anos das outras gestões, mesmo a golpista do Temer, o bolsonarismo vai muito mal, dado o alto nível de promessas e as expectativas do mercado, com vitória marcada por mentiras das famosas fake news.
Mas antes de entrarmos nos anos mais recentes é preciso lembrar que, após a sabotagem conduzida pelo líder do partido derrotado nas eleições presidenciais de 2014, o senador Aécio Neves (PSDB), em conluio com o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, (PMDB – atual MDB), hoje preso por corrupção, a gestão presidencial de Dilma Rousseff (PT) ficou engessada, resultando numa crise econômica de raízes políticas. O que refletiu nas taxas de crescimento negativas do PIB nos anos de 2015 e 2016.
Sancionado o Golpe de 2016, com a última votação no Senado Federal em 31 de agosto de 2016, o Congresso desbloqueou as medidas de ação econômica para o vice-presidente, Michel Temer, o que garantiu o retorno do funcionamento do Estado. Entretanto, como o objetivo do Golpe estava assentado no assaltado à República, a margem de crescimento foi limitada em torno de 1,3%.
Depois do fatídico processo de inflexão democrática, o Brasil nunca mais foi o mesmo. Diversas reformas antissociais foram aprovadas como necessárias para retomada do crescimento de um passado glorioso, cujos anos remontam ao período petista. Para tanto, aprovaram a Emenda Constitucional n° 95 que congelou os gastos públicos por 20 anos; a Reforma Trabalhista que legalizou o trabalho precário; e, mais recentemente, a Reforma da Previdência que penalizou os trabalhadores mais pobres.
Como visto, nada disso gerou a propalada retomada econômica. De fato, o processo criou um estado permanente de debilidade econômica do país que se prolongou com a chegada do bolsonarismo ao poder. De lá pra cá, como resultado, todas as variáveis econômicas e sociais parecem se deteriorar cada vez mais com a persistência do modelo conservador neoliberal do governo. A taxa de desemprego, por exemplo, sofreu uma pequena queda devido ao crescimento do trabalho precário, quando os trabalhadores passaram a ter condições piores de ocupação.
Essa percepção vinha sendo acompanhada com certa paciência, mas o custo de oportunidade dessa opção ficou clara com a chegada do coronavírus. A pandemia acelerou o processo de percepção popular sobre inépcia do modelo golpista autoritário.
Nesse particular, a comparação é inevitável: quando o mundo foi acometido pela Influenza A do vírus H1N1, em meados de março de 2009, com início do foco no continente norte-americano, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva se reuniu cinco meses depois com os principais líderes do continente da América Latina para traçar uma estratégia conjunta para o combate ao vírus (trecho logo abaixo).
Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, por ocasião da 37ª Cúpula do Mercosul, sobre a gripe Influenza A (H1N1) – Assunção, 24 de julho de 2009
Criado: 24 de Julho de 2009 – 11h23.
Lugo, é apenas para dar sequência à proposta da Cristina. Nós todos vamos estar no dia 10 de agosto na posse do Rafael Correa, no Equador, e vamos participar da reunião da Unasul.
Eu penso que seria importante, se a companheira Michelle Bachelet concordar, a gente fazer na véspera, no dia anterior, uma reunião de todos os ministros da Saúde da Unasul, podendo convidar da América Central, convidar o México, convidar todos. E convidar alguns laboratórios e convidar a Organização Mundial da Saúde, para que a gente possa fazer uma grande discussão no dia 10 de agosto, no dia 11 ou no dia 9 de agosto, em Quito, quando vamos participar da posse do Rafael Correa e da reunião da Unasul.
Faltam poucos dias, mas a gente deveria convocar uma reunião para a gente decidir essa história da vacina, porque não é possível que com uma pandemia dessas, a questão financeira e a questão de patente tenham prioridade.
Então, eu penso que a gente poderia, definitivamente, convocar uma reunião. Michelle Bachelet convocar essa reunião, como sugestão.
Em contraposição e em situação temporal similar, hoje o então presidente em exercício, passados quase cinco meses desde o início do primeiro do coronavírus na China, no dia 17 novembro de 2019, fez algo inimaginável. Primeiro, desde o início disse que se tratava de uma “histeria” vendida pelos meios de comunicação, mantendo o seu comportamento de constante enfrentamento pessoal perante a qualquer opinião contrária ao seu discurso, com isto, sem transmitir qualquer mensagem, informação ou atitude que pudesse acalmar população.
Segundo, negligenciou as recomendações médicas de isolamento, diante da suspeita de estar contaminado com coronavírus, e participou pessoalmente das manifestações pró-fechamento do STF e Congresso no dia 15 de março de 2020. Por fim, Bolsonaro deixou de participar da reunião com os líderes sul-americanos para resolver questões continentais de enfrentamento do coronavírus, no dia 16 de março de 2020.
O custo de oportunidade dessa postura deve custar algumas vidas que, somado ao excessivo arrocho financeiro das políticas públicas promovidas desde o início do Golpe, podem alcançar níveis alarmantes jamais vistos. Só a Emenda Constitucional n° 95, que entrou em vigor em 2017, já retirou cerca R$ 20 bilhões de reais do SUS, debilitando o poder de resposta do sistema diante do vírus.
Se a democracia em 2016 fosse preservada ou o candidato progressista em 2018 fosse escolhido, a história com certeza teria sido outra. Basta lembrar que o candidato da oposição, em 2014, saiu fortalecido do pleito, e se tivesse esperado o tempo democrático, talvez, aumentasse suas chances para 2018. Ademais a opção alocativa eleitoral não escolhida no pleito de 2018 já gozava de alta credibilidade internacional[1] e experiência pública na gestão da maior capital da América Latina, atributos ausentes na opção escolhida. Assim, propostas como estas que reduziram o gasto per capital em saúde dificilmente seriam aprovadas ou promovidas no atropelo, como assim foram, pois o processo democrático seria mantido, mesmo com a oposição no poder, e o candidato não eleito em 2018 não sancionaria tais medidas.
A análise do “se” é muito especulativa, porém ela não deixa de ser uma visão alternativa à realidade presente. No contexto da pandemia, tudo que deveria ser minimamente preservado ou fortalecido para garantir um poder de reação ao vírus, foi sendo retirado aos poucos, refletindo uma clara inflexão do processo. O caso dos gastos previstos com Vigilância Sanitária, tão essencial nesses momentos de calamidade pública, é sintomático disso. Os gastos pararam de crescer exatamente na gestão golpista de 2017, e sofreram quedas no montante a cada ano posterior.
O coronavírus mostrou algo muito maior do que apenas o custo de oportunidade econômica para uma tomada de decisão, ele mostrou que a vida em sociedade é muito maior do que orçamento equilibrado para pagamento de juros, ajustes fiscais e câmbio valorizado. Embora importantes, a sociedade humana não pode ser um acessório do sistema econômico. A vida importa mais do que o negócio capitalista, mesmo ciente da sua forte prisão sistêmica.
Nos primeiros casos de coronavírus, foi emblemática a recusa de hospitais privados[2] de receber pacientes com planos de saúde devido à contaminação com o vírus e, por isso, como esperado, todos foram encaminhados para o SUS.
Saúde para todos é uma visão para além da ótica econômica do gasto, um sistema público de saúde representa uma solidariedade social, onde alguns contribuem mais do que outros para que todos possam ter acesso digno a um bem essencial de uma civilização. A roda econômica deve girar para proporcionar esse bem-estar social e não o contrário.
De tal modo que, mais uma vez na história, o mito do mercado autorregulável foi posto à prova, o fracasso da utopia do mercado será concretizado à medida que as forças sociais presentes no Estado Democrático de Direito se mostrarem cada vez mais indispensáveis para sobrevivência da população.
Ao que tudo indica a verdadeira conta econômica e social do Golpe de 2016 chegou.
[1] Disponível em: https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2020/03/09/e-inadmissivel-diz-secretario-do-ministerio-da-saude-sobre-transferencia-de-paciente-com-coronavirus-a-rede-publica-do-df.ghtml.
[2] Haddad vence ‘desafio de prefeitos’ e SP ganha US$ 5 milhões para projeto. Disponível em: https://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/haddad-vence-desafio-de-prefeitos-e-sp-ganha-us-5-milhoes-para-projeto.ghtml.
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