O capitalismo é uma máquina de produção de riqueza e de pobreza. Produz tecnologias a serviço da humanidade – daí deriva seu pretenso caráter de “promotor do progresso” –, mas enquanto produz abundância e ostentação para alguns, produz, complementarmente, escassez e miséria para outros.
O que parece contraditório nada mais é do que o próprio modus operandi do sistema. No mesmo ato de geração de riqueza, o capitalismo funciona produzindo e reproduzindo pobreza. E é exatamente por isso que essa pobreza é inaceitável, pois não resulta de acidentes naturais ou falta de recursos. É uma pobreza produzida e reproduzida incessantemente, nas periferias das grandes cidades e na periferia do mundo.
Isso nos leva a uma constatação muito forte, mas esclarecedora: a erradicação da pobreza, no capitalismo, não será jamais definitiva. E o momento atual escancara essa constatação, já que, no coração dos países tidos como desenvolvidos, o capitalismo está novamente criando pobreza.
Na Europa Ocidental, referência do Estado de Bem-Estar, o capitalismo, em pleno século 21, produz de novo pobreza em massa e in loco – porque alhures ele nunca deixou de produzir. É evidente que essa pobreza não acomete a todos – isso também faz parte do modo de funcionamento capitalista –, mas, na periferia da zona euro, verdadeiras multidões são arremessadas a uma condição de elevada vulnerabilidade econômica e social.
E a causa não é uma guerra, nem tampouco uma catástrofe natural, mas apenas e tão somente uma crise econômica. Uma crise profunda, mas, ainda assim, uma crise construída pelo próprio capitalismo.
Estando a crise em curso, resta lidar com ela, minimizando seus efeitos. A própria palavra “crise” vem do grego e significa “transformação”, podendo inclusive assumir alguns aspectos positivos. O importante, então, seriam os rumos dessa transformação. E quais são eles? Esses rumos vêm sendo determinados pela chamada Troika, que congrega membros do FMI, do Banco Central Europeu e da Comissão Europeia.
Para solucionar a crise, essa tríade escolheu como remédio simples e nada inédito a imposição da austeridade fiscal, condicionando todo tipo de auxílio financeiro à “disciplina orçamentária” dos diversos governos nacionais. Afinal, a queda nos gastos públicos tornaria mais viável o pagamento das dívidas. E dívidas são dívidas.
Tem início, então, a crônica de uma tragédia anunciada. O caso da Grécia é o mais eloquente e os efeitos da crise cum austeridade são simplesmente devastadores. O PIB grego é hoje 30% menor do que era antes da crise. A taxa de desemprego mais do que triplicou de 2008 até agora, alcançando a marca de 27,5%. Entre os jovens com menos de 25 anos, essa taxa atinge inacreditáveis 55,3%!
Em função disso, muitos gregos estão saindo do país, em busca de trabalho e dignidade. Funcionários públicos foram demitidos ou tiveram seus salários rebaixados. Idosos aposentados sofreram cortes nos seus rendimentos. Famílias sem condições de pagar suas contas tiveram a eletricidade cortada ou foram despejadas de suas casas. Problemas de saúde pública se alastram e até mesmo a malária, que estava erradicada do território grego, reapareceu. Fome e desnutrição voltaram a ser uma realidade. A mortalidade infantil se elevou.
Falta de recursos? Não. Isso é simplesmente a pobreza sendo re-produzida pelo próprio capitalismo. Nada diferente do que já ocorre na imensa maioria dos países do mundo, especialmente na África, Ásia e América Latina. Mas chama a atenção porque mostra que a erradicação definitiva da pobreza, no capitalismo, é uma falácia. No que depende da lógica de funcionamento do capitalismo, a perenidade de um padrão de vida digno para o conjunto da população é inconcebível.
E se essa erradicação da pobreza, dentro do capitalismo, não será nunca definitiva, como empenhar esforços para mantê-la minimamente perene? A própria Grécia dá a resposta: por meio das lutas sociais. O contexto grego revela, infelizmente, a força do capitalismo produzindo pobreza; e revela, felizmente, a força do povo reagindo a esse rebaixamento no seu padrão de vida.
Não sabemos o que virá, mas a vitória do Syriza como brado da rejeição à austeridade a qualquer preço dá ao menos a esperança de que essas transformações assumam uma nova direção.
E no Brasil? O país é diferente e o contexto também, mas o remédio empurrado goela abaixo é o mesmo: a austeridade fiscal. E o risco inquestionável é que nos enredemos em um marasmo prolongado e que se retroalimenta, como aquele vivido hoje pela zona do euro, laboratório vivo e atual dos efeitos deletérios de uma política de austeridade em uma economia já combalida.
Se essa dinâmica perversa ameaça o padrão de vida da população até mesmo na Europa, que diremos dos países periféricos? A melhoria verificada nos últimos anos no padrão de vida de parte importante da população brasileira não está de forma alguma assegurada. Ao contrário, está em xeque. Eficiente por excelência, o capitalismo rapidamente destrói as conquistas sociais pretéritas, sejam as mais antigas e amplas, como as europeias, sejam as mais recentes e restritas, como as brasileiras. E a única maneira de manter, aprofundar e ampliar conquistas é por meio do enfrentamento social.
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