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O Brasil não pode parar?

Em meio ao caos que se instaurou no mundo nos últimos tempos, fiquei pensando em como contribuir enquanto economista e professora de economia. O sentimento que define uma jovem economista, mestra em desenvolvimento econômico, doutoranda em economia e em começo de carreira acadêmica, pode ser definido ao ler o tuíte do também economista e professor de economia, Fabio Terra: “ensino aos alunos que quando a economia se torna mais importante do que a vida humana, a humanidade acabou. Temos meios para lidar com a crise econômica desde já. Não temos como voltar da morte”. Tudo isso porque, nos últimos dias, com o aumento do número de casos da COVID-19 no Brasil, um dilema se instaurou em nosso país: O Brasil não pode parar?

De um lado, o presidente Jair Bolsonaro e alguns ministros partem em defesa do fim do isolamento social como meio de manter a estabilidade de emprego e sobrevivência das empresas, contrariando a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS). Para essa “corrente”, a melhor solução seria o isolamento vertical e a manutenção da capacidade produtiva. No entanto, isso culmina em uma reflexão: será mesmo que a suspensão do isolamento salvaria a economia do caos? A resposta é não. A única garantia dessa medida é o aumento dos contaminados e dos mortos no país.

Isso não daria certo, principalmente, devido a dois motivos. Em primeiro lugar, como afirmou Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central, em entrevista ao jornal O Globo[1], essa medida não levaria os brasileiros a consumirem. Esse argumento faz todo sentido quando pensamos que os consumidores, temendo o futuro e assustados diante do cenário de incertezas que envolve uma pandemia, retêm moeda e deixam de consumir.

Além disso, o volume de atividades produtivas depende da expectativa dos empresários em relação à demanda e se não há movimento da demanda, não há garantia da manutenção dos empregos. Dessa forma, mesmo com o fim do isolamento, a expectativa será de uma demanda desfavorável e o resultado, desemprego em massa.

O segundo ponto a ser discutido é o do isolamento vertical. Citado pelo presidente da República como uma possível solução, o termo sugere o isolamento daqueles com sintomas de gripe/resfriado e do chamado grupo de risco, os indivíduos acima de 60 anos. No entanto, o “isolamento vertical” também considera parte do grupo de risco pessoas com diabetes, hipertensão, doenças cardíacas e pulmonares. Esse pressuposto parte da ideia de que o restante de indivíduos continuaria saindo de casa e não teria grandes consequências à saúde caso se infectasse com o coronavírus, consistindo assim, em um “contágio controlado”. No entanto, podemos elencar alguns argumentos[2] que mostram a ineficiência dessa medida:

1)Em 16 de março de 2020, um grupo do Imperial College London, na Inglaterra, publicou um estudo[3] sobre medidas não-farmacológicas para redução da mortalidade por COVID-19 e chegou à conclusão de que reduzindo o “pico da curva” haveria necessidade do dobro de leitos de UTI para pacientes em estado crítico no Reino Unido.

2)Como seria possível isolar apenas algumas pessoas? Como fazer isso na periferia brasileira? Como fazer isso diante a realidade social do Brasil? Jovens e demais pessoas, ao voltarem do trabalho, trariam a doença para suas casas.

3)Grande parcela da população brasileira com diabetes, hipertensão, asmas e problemas pulmonares nunca fizeram o diagnóstico.

4)Seria necessário testes em massa na população como ocorreu na Coreia do Sul, país com recursos tecnológicos e financeiros para realização do teste em todas as pessoas. No Brasil, no entanto, não temos testes suficientes.

Posto isso, podemos agora apresentar o outro lado da discussão. Desse outro lado temos governadores, ministros, presidente da Câmara, presidente do Senado, autoridades médicas e grande parte dos economistas que defendem como prioridade nesse momento de pandemia uma redução da curva de contágio em todo o Brasil e o funcionamento parcial das empresas chamadas essenciais.

Essa outra “corrente” defende que se essa medida for ignorada e houver retomada das atividades por completo, teremos um aumento do contágio e por consequência o aumento de internações em massa (com leitos insuficientes), que ocasionarão o aumento de custos do governo federal via SUS, o caos econômico e um vírus circulando por mais tempo na sociedade. O ponto crucial é entender que a crise econômica é efeito da pandemia e não do isolamento social.

É contraditório que o governo decrete “estado de calamidade pública” e não se responsabilize pelos efeitos do fim do isolamento social. A decretação do “estado de calamidade pública” consiste em um artifício para ser usado em situações de emergência que envolve a liberação de recursos e presume o rompimento do teto de gastos (gasto máximo que o governo pode ter com base no orçamento do ano anterior, corrigido pela inflação).

Seu efeito é exclusivamente fiscal, já que prevê a possibilidade de não cumprir a meta. Dessa forma, poderíamos agir para combater os males da mortalidade econômica, pois nesse momento as metas fiscais e a dívida pública são irrelevantes, através de políticas que Mônica de Bolle chamou de extraordinárias em sua coluna no jornal O Estado de São Paulo, publicada em 18 de março de 2020[4]. O receituário de De Bolle propõe o seguinte:

“(…)suplemento emergencial imediato do benefício do Bolsa Família em pelo menos 50%; a instituição de uma renda básica universal mensal no valor de R$ 500 para os 36 milhões do Cadastro Único que não recebem Bolsa Família – esses são os grupos mais vulneráveis; a abertura de R$ 50 bilhões em créditos extraordinários para a saúde, com a possibilidade de aumentar esse montante; acelerar e dar maior flexibilidade à aprovação do seguro-desemprego; disponibilizar recursos emergenciais para os setores mais afetados pela crise no valor de pelo menos R$ 30 bilhões; abertura de linhas de crédito do BNDES para micro, pequenas e médias empresas. Por fim, recomendo um programa de investimento público em infraestrutura para sustentar a economia no médio/longo prazo com a utilização de recursos do BNDES.”

Ainda segundo a economista e professora da Universidade Johns Hopkins em Washington, Estados Unidos, essas medidas “somariam cerca de R$ 310 bilhões ao longo de 12 meses, ou uns 4% do PIB”, o que “é metade dos cerca de 8% do PIB que gastávamos com os juros altos de 14% há poucos anos”. Vale frisar que essa segunda “corrente” não deixa de pensar em soluções para a mortalidade econômica das empresas e nem desamparar o micro e pequeno empresário. Além de disponibilizar recursos emergenciais, cogita-se que o governo ministre em conjunto uma postergação do recolhimento dos impostos como foi decidido pelas nações do G7.

Portanto, o que podemos concluir é que ambas as medidas são onerosas. No entanto,os impactos na saúde podem ser amenizados através do isolamento social e os impactos econômicos via ações do governo.

O isolamento social visa a minimizar perdas humanas, ou seja, é uma questão humanitária. Como bem afirmou De Bolle na Revista Época[5], “os estragos econômicos das medidas sanitárias, nós, economistas, sabemos resolver” posto que “já reconstruímos economias após guerra e depressões econômicas”. Dessa forma, “não há escolha a ser feita, pois a vida é soberana” e “primeiro a vida, depois a economia”.

Crédito da foto da página inicial: Rovena Rosa/Agência Brasil

 

[2] Matéria da Revista Saúde da Editora Abril, publicada em 27/03/2020 por André Biernath. Disponível em: https://saude.abril.com.br/medicina/o-que-e-isolamento-vertical/

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