A pretensa necessidade de o País adotar algum tipo de ajuste fiscal passou a ser o tema dominante do debate econômico, colocado por alguns analistas como condição necessária (e algumas vezes suficiente) para a retomada do crescimento no longo prazo.
Dentro deste debate, contribuições críticas têm sido realizadas argumentando que a utilização de impostos indiretos e regressivos tem impacto negativo sobre a atividade, o consumo, a inflação e a distribuição de renda, com efeitos apenas duvidosos sobre o nível de arrecadação.
Apesar da discussão sobre a forma e o tamanho do ajuste fiscal permanecer como foco, é interessante compreender o que significaria, hipoteticamente, a adoção do “pacote fiscal” proposto pelo ministro Joaquim Levy na forma em que se apresenta.
Este breve texto busca traçar três cenários básicos para o caso de aprovação do pacote fiscal atual: um positivo (o “bom”), um negativo (o “mau”) e um de fracasso total (o “feio”), suas possibilidades e resultados.
O cenário “bom”: O ajuste dá certo e o Brasil volta a crescer em 2015
O cenário positivo, que é defendido por integrantes do governo e alguns analistas de mercado, é aquele em que o ajuste fiscal será capaz de reduzir o déficit público e a inflação, além de recuperar a confiança e os investimentos, fazendo com que o País retome o crescimento ainda em 2015.
A confirmação deste cenário, baseado no que ficou conhecido como “contração fiscal expansionista”, depende de alguns pressupostos teóricos questionáveis, além de uma série de fatores que se contrapõem à realidade atual do Brasil e da economia internacional.
Em primeiro lugar, para ter o sucesso esperado, o ajuste fiscal proposto por Levy deveria ser capaz de realmente reduzir o déficit público no conceito primário e nominal. Na realidade, ambas as metas apresentam grande dificuldade de se cumprirem, devido à queda acentuada esperada nas receitas públicas, a rigidez dos gastos e a elevação da conta de juros em 2015.
Quanto à inflação, a ideia de que haverá uma rápida reversão do processo inflacionário a partir de meados de 2015, decorrente do fim dos impactos secundários do aumento das tarifas públicas e da desvalorização cambial, desconsidera que até lá o acumulado da inflação dificilmente voltará para dentro da meta. Além disso, 2015 ainda deve projetar inflação em 2016, tendo em vista a elevada indexação presente em nossa economia.
A hipótese sobre a retomada da confiança do empresariado e dos investimentos nos obriga a desconsiderar ao menos três fatores presentes na realidade econômica atual: o cenário internacional, que limita a retomada de investimentos pela via das exportações; o cenário cambial, que ao desvalorizar o real aumenta (no curto prazo) os custos de produção; e a profundidade da recessão esperada no curto prazo, que, ao reduzir a renda e o emprego reduzirá também a expectativa de demanda doméstica.
O cenário “mau”: o ajuste fracassa e o Brasil encerra 2015 com recessão e alta inflação
O cenário negativo, vislumbrado por boa parte dos analistas de mercado e dos economistas heterodoxos (por razões diferentes), é aquele em que o ajuste fiscal não consegue reduzir o déficit público no montante esperado, além de abrir caminho para um cenário de inflação elevada em 2015.
Desta forma, a confiança empresarial tenderia a não retornar, colocando o País dentro de um quadro de recessão que poderá derrubar o PIB entre 1% e 2%.
O mercado de trabalho é a variável chave do ajuste: ao mesmo tempo apontada como componente deflacionário no médio prazo, também acaba servindo como componente recessivo no curto prazo.
A confiança do empresário só aumentaria entre 2016 e 2017, quando os efeitos inflacionários e recessivos do ajuste já tiverem realizado seu processo de destruição dos postos de trabalho, possibilitando ao empresariado investir em um quadro de salários baixos, inflação controlada e câmbio desvalorizado. Nesta hipótese, a retomada da demanda externa joga papel central, já que o mercado interno estaria bastante prejudicado pela recessão.
O cenário “feio”: Perda do grau de investimento, recessão profunda e crise social/política.
O cenário “feio” é aquele em que a economia brasileira entra em profunda recessão ainda em 2015, fruto do absoluto fracasso do ajuste fiscal, da perda do grau de investimento e da conjugação de crises setoriais.
Neste cenário, o ajuste fiscal é absolutamente incapaz de recuperar as finanças públicas, dado a perda de arrecadação causada pela profunda e duradoura recessão, em particular se a crise atual da Petrobras, do setor de energia (seca) e construção civil prosseguir.
A inflação, por fim, ao invés de reverter sua trajetória altista no meio do ano, pode permanecer elevada e se aproximar dos dois dígitos ao final de 2015, devido à dinâmica errática da taxa de câmbio e a indexação inflacionária.
Os motivos para eventual perda da classificação de risco podem ser variados, já que os critérios de avaliação destas desacreditadas agências são pouco claros e influenciados política e ideologicamente.
Parece não haver motivos para este rebaixamento hoje, dada a capacidade de o Brasil honrar seus compromissos internos ou externos. Mas a permanência das crises setoriais, em conjunto com as expectativas recessivas devido ao aumento dos juros e ao ajuste fiscal, pode criar um cenário de deterioração dos fundamentos econômicos que nos coloque na mira das agências internacionais.
Conclusões
Os três cenários, apesar de possíveis, apresentam possibilidades diferentes de se tornarem realidade. O cenário “bom” e o cenário “feio” dependem de uma série de eventos e pressupostos que reduzem a possibilidade de ocorrerem, sendo o cenário “mau” o mais provável dentre os três.
Do ponto de vista do governo, os três cenários exigem resultados ruins no curto prazo e no mínimo incertos no médio/longo prazo. A possibilidade de reformular a estratégia econômica (ou ao menos adaptá-la às demandas sociais) deveria ser considerada imediatamente.
O aprisionamento do governo Dilma na estratégia atual só poderá ser rompido pela força dos trabalhadores, movimentos sociais e das esquerdas, que pressionam o governo a retomar e aperfeiçoar sua estratégia de desenvolvimento econômico e social. A ausência destas forças ou a recusa do governo em alterar sua estratégia atual traz à tona a possibilidade de ampliação da crise política e social no futuro. Mais do que nunca, é preciso adaptar a estratégia às demandas da realidade social, não apenas às demandas dos mercados.
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