Sem enfrentar e sem condições para resolver os problemas estruturais da economia brasileira, o ajuste fiscal, do ministro Joaquim Levy, caminha, a passos céleres, para virar pó, poucos meses depois de anunciado como indispensável para resgatar a confiança dos investidores – internos e externos – na política econômica e recolocar o país na trajetória do crescimento econômico mais sustentado.
Reticente à redução da meta de um superávit primário de 1,1%, em 2015, o ministro parece estar se conformando com a obtenção de uma economia de recursos de 0,8%, embora alimentando a esperança de que essa possa ser mais elevada com a aprovação de novas medidas tributárias que ainda estuda e pretende encaminhar para o Congresso.
A área política do governo, por sua vez, preocupada com os estragos que têm sido feitos pelo ajuste nos tecidos econômico e social e nos índices de popularidade e de confiança na presidente Dilma, continua pressionando por uma meta menos ambiciosa, de 0,6%, enquanto o Congresso ensaia apresentar e aprovar um projeto, restringindo-a a 0,4%, apenas 36% do objetivo originalmente estabelecido. E, mesmo assim, sem encontrar quem esteja disposto a apostar que essa será atingida.
Em qualquer dos últimos casos, a credibilidade da política econômica será inevitavelmente pelo menos arranhada por não entregar o que prometeu e, mais grave, o país seriamente ameaçado de ter rebaixado sua nota de crédito junto às agências de rating, com riscos de perder o grau de investimento e ver os seus principais indicadores econômicos continuarem em progressiva deterioração.
Não poderia ser diferente. Com uma equação que agride o bom senso em termos de teoria econômica de apostar no aumento dos impostos indiretos, altamente dependentes da atividade econômica, jogando a economia em um processo recessivo, com pesados cortes de gastos, a política econômica tem representado um verdadeiro “tiro no pé”, derrubando as receitas públicas.
Fechado o primeiro semestre do ano, a arrecadação federal não foi além de R$ 607,2 bilhões, o pior resultado dos últimos quatro anos, representando uma queda, em termos reais (descontada a inflação) de 2,87% em relação ao mesmo período de 2014.
Como o governo contava com uma expansão real de 5,3% das receitas, devido à recomposição das alíquotas do IPI, do aumento do IOF, da CSLL, da cobrança do PIS e da COFINS sobre produtos importados e do retorno da CIDE-combustíveis, este resultado é decepcionante para os objetivos do ajuste e, pela marcha do processo recessivo, nada no horizonte indica que poderá ser revertido.
Por outro lado, por constituir uma negação das promessas de campanha, não ter sido negociado e por não apontar uma saída para a crise, o ajuste encontrou também, no campo político, um Congresso ressentido com o Executivo.
Isso por este ter desafiado seus líderes nas eleições para a sua presidência e ter-se mantido à distância com a inclusão de seus nomes no processo de investigação sobre corrupção no País, levando-os a se rebelarem, em retaliação, contra as medidas do ajuste, esquartejando, de um lado, as propostas apresentadas, e aprovando, de outro, projetos de aumento dos gastos públicos, sempre em nome do “compromisso com o social e a sociedade”.
Com isso, os R$ 18 bilhões que se pretendia economizar ainda este ano com as mudanças nos benefícios trabalhistas e previdenciários (salário-desemprego, abono salarial, pensão por morte e auxílio-doença) foram reduzidos, segundo cálculos do governo, a pouco mais de R$ 7 bilhões.
O projeto de aumento das alíquotas dos impostos sobre o faturamento de 56 setores desonerados da folha de pagamento, com que se esperava aumentar a receita em R$ 5,3 bilhões neste ano, ainda não teve sua votação concluída. E, mesmo que isso aconteça, o governo não conta mais com uma receita superior a R$ 1 bilhão, considerando que o Congresso excluiu alguns setores deste aumento ou diminuiu as alíquotas para outros.
Por último, o contingenciamento do orçamento de R$ 69,9 bilhões que complementaria o ajuste global, promovendo duros cortes nos gastos com investimentos públicos e políticas sociais, vem sendo minado com o potencial aumento de outros gastos pelo Congresso.
De fato, tendo esquartejado o ajuste, o Congresso abriu um “saco de bondades” para alguns setores da sociedade, visando a aumentar a instabilidade do Executivo: entre outras medidas, eliminou o fator previdenciário, substituindo-o pela fórmula 85/95 para aposentadoria, o que obrigou o governo a aprovar a fórmula progressiva de 90/100 a ser atingida até 2022, visando a estancar, no curto prazo, o crescimento do déficit da Previdência; estendeu aos aposentados a correção dos benefícios, independentemente de seus valores, pelos mesmos critérios previstos para a do salário mínimo; aprovou o reajuste de 59%, em média, para o funcionalismo do Judiciário. Não são medidas a favor, mas altamente contrárias ao ajuste deste e dos próximos anos, caso sejam mantidas.
Mesmo ainda sem o impacto dessas medidas, os resultados das contas públicas até maio não são animadores: a economia de recursos do setor público consolidado chegou a R$ 25,6 bilhões, mas quem mais contribuiu para esse ganho foram os governos regionais (estados e municípios), que registraram um superávit de R$ 19,3 bilhões (75% do total), num período em que costumam apresentar melhor desempenho fiscal devido à cobrança do IPVA e do IPTU, o que não ocorre, a não ser residualmente, no restante do ano.
Já a poupança do governo central, para quem o ajuste projeta uma contribuição de R$ 55,3 bilhões, não foi além de R$ 6,3 bilhões, o que representa apenas 11,5% da meta prevista. Como no segundo semestre do ano a pressão de gastos tende a ser maior, não se pode contar com um milagre capaz de melhorar este quadro, mesmo porque a recessão continua se aprofundando.
Tanto isso é verdade que, no acumulado de 12 meses, as contas públicas continuam ostentando um déficit primário de R$ 38,5 bilhões (0,68% do PIB), muito distantes da meta estabelecida para o superávit primário de R$ 66,3 bilhões.
Como as demais variáveis da economia continuam em progressiva deterioração, com a inflação insistindo em caminhar para a casa dos dois dígitos, o déficit externo atingindo 4,39% do PIB em maio, o déficit nominal do setor o nível de 7,81%, assim como o desemprego avançando rapidamente, o insucesso do ajuste solitário apenas indica que pesadas tormentas e instabilidades se avizinham do País.
Tudo isso devido à crença e a uma desatinada busca pela recomposição do tripé macroeconômico que vai barrando as reais possibilidades de o Brasil buscar melhores caminhos para vencer suas dificuldades.
Crédito da foto da página inicial: Evaristo Sá/AFP
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