Passado o período de perplexidade com o rumo conservador imprimido à nova política econômica do Governo Dilma, as atenções dos analistas econômicos, do Congresso Nacional, do próprio governo e da sociedade em geral se encontram voltadas para os resultados que poderão ser obtidos com a proposta de ajuste fiscal. Com ele se espera, sem qualquer suporte teórico ou empírico, criar as condições necessárias para o reencontro do país com o crescimento econômico.
Até o momento, a proposta do ajuste apresentada pelo governo no início do ano continua patinando no Congresso e caminha vendo emagrecer, a cada dia e a cada rodada de negociação e votação de seus principais pontos, a fatia de recursos com que se contava para garantir o atingimento da meta de um superávit primário do setor público, em 2015, de R$ 66,3 bilhões, o correspondente a 1,2% do PIB.
Um nível nada espetacular em relação aos megassuperávits obtidos poucos anos atrás, mas considerável levando em conta que, em 2014, foi gerado um déficit de 0,6% do PIB, o que representaria um ajuste global no ano de 1,8% do PIB.
Do pacote inicial com o qual o governo pretendia economizar R$ 18 bilhões, cortando benefícios trabalhistas e previdenciários, não lhe restou outra saída, para garantir a aprovação das medidas provisórias que encaminhou ao Congresso, senão a de abrir mão de R$ 4 bilhões com as mudanças nelas introduzidas em resposta à oposição ao seu conteúdo, visando a atenuar as perdas que representariam para seus beneficiários.
Além disso, o ganho que se esperava neste ano com a mudança da política de desoneração da folha de salários, de R$ 5,3 bilhões, com a elevação das alíquotas de impostos cobradas sobre 56 setores que com ela foram beneficiados, não devem mais ocorrer nessa dimensão.
Isso porque a proposta teve de ser reenviada ao Congresso na forma de um projeto de lei, cuja apreciação demanda mais tempo, além de não serem poucas as resistências que existem ao aumento considerável, na proposta original do governo, de mais de 100% das alíquotas incidentes sobre o faturamento destes setores.
Não bastasse isso, a expectativa de obtenção de uma receita tributária adicional de mais de R$ 20 bilhões que seria propiciada pelo aumento de impostos (IPI, IOF, principalmente), incluindo o retorno da cobrança da CIDE, pode ser frustrada pelo avanço da recessão: em termos reais, ou seja, descontada a inflação, as receitas administradas pela Receita Federal despencaram 2,03% no primeiro semestre, caindo de R$ 309,3 para cerca de 303 bilhões.
Equivalente a uma perda mensal de R$ 2 bilhões, a qual, anualizada, representaria 133% dos recursos que se esperava economizar com os cortes de gastos. E isso com a recessão, que se descortina, sem ter ainda chegado com a força que se espera.
Até o primeiro trimestre do ano, os resultados alcançados nas contas públicas, neste conceito, não são animadores: a economia de recursos do setor público consolidado chegou a R$ 19 bilhões, representando 1,37% do PIB (retração de 26% em relação ao mesmo período de 2014), mas quem mais contribuiu para este resultado foram os governos regionais (estados e municípios), que registraram um superávit primário de R$ 14,6 bilhões no período (77% do total).
Já a poupança do governo central, para quem se projeta a maior contribuição neste esforço, não foi além de R$ 4,48 bilhões. Não sem razão, alguns analistas têm projetado um superávit primário do setor público no ano não superior a 0,8% do PIB, considerando que este, se alcançado, já representaria uma grande vitória para o governo.
Valendo-se do atraso ocorrido na aprovação pelo Congresso do orçamento de 2015 em quase três meses, o governo conseguiu represar, diante das limitações de gastos que tal situação acarreta, despesas apreciáveis no primeiro trimestre em áreas sociais nobres, como as da educação e saúde, e na de infraestrutura, onde os investimentos conheceram uma retração de 31% no primeiro bimestre.
Nem isso foi suficiente para se colher um melhor resultado ante a queda apreciável das receitas, provocada pela desaceleração econômica em curso e pelas renúncias tributárias.
Diante disso, não parece restar, ao governo, senão avançar na ampliação do corte do orçamento cuja programação está em vias de ser anunciado. De um contingenciamento inicialmente estimado em menos de R$ 60 bilhões, este número subiu para R$ 70 bilhões e não será nenhuma surpresa se alcançar R$ 80 bilhões, o que faria o governo voltar ao patamar de gastos de 2013.
Adicionalmente, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, tem ameaçado o Congresso com uma nova rodada de aumento de impostos, caso as medidas restantes do ajuste a serem votadas continuem a ser esquartejadas pelos parlamentares.
Ambas as medidas significam, pelo seu conteúdo, mais lenha na fogueira da recessão e dificuldades adicionais para que o ajuste pretendido seja alcançado. De qualquer forma, mesmo que isso se torne possível, será inútil para os objetivos pretendidos de “arrumar a casa” para uma nova etapa de crescimento econômico.
Enquanto o ministro da Fazenda continua empenhado em realizar, a todo custo, um ajuste de 1,2% do PIB, que pode ter seus resultados anulados, do ponto de vista da relação dívida/PIB, que é a que realmente importa, caso a economia se retraia 1%, o que é mais do que provável, o Banco Central, com a persistente elevação dos juros, visando a combater sem sucesso a inflação, continua se esforçando para fraudar este objetivo, ao amplificar o desajuste das contas públicas, com o aumento do déficit nominal e da dívida pública.
No primeiro trimestre deste ano, o déficit nominal atingiu R$ 124,8 bilhões (contra R$ 33 bilhões do mesmo período de 2014), acumulando, nos últimos doze meses, o montante de R$ 435,7 bilhões (ou 7,81% do PIB).
Ou seja, enquanto se busca, de um lado, produzir um superávit primário de R$ 66,3 bilhões, o aumento do déficit nominal no primeiro trimestre chegou a R$ 91,8 bilhões. Com isso, a dívida líquida do setor público só não conheceu aumento porque a desvalorização de 20,8% acumulada no ano respondeu por uma redução de cerca de R$ 180 bilhões em seu estoque. Mas a dívida bruta, no conceito do Banco Central, aumentou 1,4 ponto percentual do PIB, passando de 61% para 62,4%.
Com este ajuste esquizofrênico, não será nenhuma novidade se a política econômica, além de produzir a “paz dos cemitérios”, situação em que não há mais vida econômica e social pulsante, conduzir o país para um quadro de crescentes desequilíbrios financeiros, jogando-o, sem forças, nos braços das agourentas agências de rating.
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