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O ajuste e a realidade da política industrial

Dada a irrefutável disposição do governo em levar adiante o ajuste fiscal, cifras como as anunciadas pelo Brasil Maior e Inova Brasil parecem lembranças de um passado remoto, mesmo que este não tenha ocorrido. Atualmente, tais horizontes em termo de política industrial parecem quimeras diante da realidade do ajuste já em curso. Deste modo, restabelecer a realidade diante do horizonte de planejamento da política industrial parece um primeiro passo importante para que o ajuste fiscal não faça terra arrasada da indústria brasileira.

O artigo propõe duas frentes de política industrial a partir da divisão das estratégias de ajuste e diversificação que foram seguidas pelas empresas líderes. A lógica é que, neste caso, a política industrial aproveite o impulso dado pelas estratégias de ajuste e reforce algumas lógicas de reestruturação, tirando o maior proveito delas em termos da possibilidade de ganhos para a sociedade como um todo.

Para além disto, deve-se reconhecer que o ajuste de muitas grandes empresas nacionais seguiram a lógica do ajuste competitivo que as principais empresas seguiram mundialmente em muitos setores, que se caracteriza basicamente por um processo de desverticalização nacional de suas linhas de produção. Em paralelo, deve-se pensar na estruturação de algumas cadeias produtivas com imenso potencial no caso brasileiro.

A seção seguinte procura recuperar brevemente a trajetória geral de alguns indicadores importantes sobre as empresas nacionais, em paralelo com as estratégias de ajuste das grandes empresas, principalmente no pós-crise. A segunda seção propõe algumas alternativas pontuais de política industrial.

1.Trajetórias empresariais no pós-crise

Quando comparado o quadro geral da indústria no período anterior à crise com o período posterior, pelo menos três coisas parecem claras: a queda dos indicadores de rentabilidade, a redução do ritmo de crescimento das grandes empresas e o rápido crescimento do coeficiente de importação de alguns setores no período posterior a 2009.

Nesse sentido, os indicadores após a crise deixam transparecer um cenário em que dado o menor ritmo de crescimento do mercado interno, com menor rentabilidade e aumento da pressão dos custos, diversos setores da indústria de transformação reagiram, substituindo fornecedores nacionais por estrangeiros e/ou reduzindo as linhas de produção.

A intensidade do ajuste parece contrastar com a rápida deterioração dos indicadores de rentabilidade no período posterior à crise. Apesar de o ciclo de crescimento de 2004 até a crise ter sido liderado pela indústria extrativa, todos os setores apresentaram, de modo geral, índices elevados de rentabilidade, com alguns setores sendo bastante influenciados pelo comportamento da taxa de câmbio.


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Outro contraste interessante é justamente a diferença do ritmo de crescimento patrimonial das grandes empresas no antes e depois da crise. Embora hajam ocorrido alguns casos de desempenho negativo durante o período, a maioria das empresas analisadas atravessou o período em situação sólida contabilmente.

Apesar da estagnação da taxa de crescimento após 2011, as grandes empresas brasileiras passaram por pelo menos dois períodos de melhoria nos indicadores de endividamento, 2004 até a crise, e na recuperação após a crise até 2010. Possivelmente, o primeiro em razão do crescimento econômico do período, e o segundo por um esforço defensivo em razão do cenário pós-crise.


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Ainda que seja indiscutível a deterioração das expectativas do empresariado no período posterior a 2002, a mudança dos índices de desempenho das empresas indica a alteração de um quadro de alta rentabilidade que marcou o período de crescimento anterior à crise. A queda geral desses indicadores, provavelmente, está mais relacionada às contradições de um modelo de crescimento baseado no mercado interno e na tendência de um câmbio valorizado, que aprofunda cada vez mais o processo de substituição de insumos nacionais por importados nas cadeias produtivas locais e reduz os efeitos de encadeamento.

Entretanto há algumas mudanças qualitativas importantes. Em paralelo houve o fortalecimento das empresas líderes acompanhando o processo de concentração setorial, com mudanças significativas em suas estratégias, áreas de negócios e formas de financiamento. Grosso modo, pode-se dizer que as grandes empresas a partir da crise aceleraram seus processos de ajuste às condições de concorrência internacional e a tendência persistente de câmbio valorizado durante todo o período.

Essa trajetória de ajuste foi marcante em alguns setores, cujo aumento do coeficiente de importações foi significativo após a crise. Este foi particularmente o caso das cadeias produtivas de vestuário, material de transporte e máquinas e equipamentos. Nestes casos, chama atenção não só o volume da importação de bens intermediários, como sua taxa de crescimento no pós-crise. Somam-se a estes setores outros já tradicionalmente com elevados coeficientes de importação.


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Chama a atenção também o fato de boa parte destas cadeias possuírem elos importantes dentro da indústria nacional, base de conhecimento já estabelecida, um mercado nacional de tamanho considerável e, em alguns casos, o setor público e empresas estatais como importantes demandantes.

Em outros setores, sobretudo as cadeias produtivas de bens de consumo semiduráveis, o movimento das empresas líderes foi no sentido da especialização comercial, com a ampliação do investimento em ativos comerciais e no fortalecimento de marcas próprias, associado à redução da produção doméstica e ao aumento do conteúdo importado.

Logo, a distinção das possibilidades de articulação da política industrial em relação às cadeias produtivas e o imediatismo que se coloca diante do cenário de esvaziamento das cadeias produtivas no pós-crise pedem a definição de uma lista de ações que tenham efeito rápido, ainda que limitado.

2.Breves propostas sobre a política industrial

Com foco nas possibilidades que existem em relação aos setores em que a situação é mais delicada, pode-se propor algumas linhas gerais de política:

– Ampliação das políticas de conteúdo local, com maior ênfase no apoio a capacitação dos fornecedores e sua inserção em atividades de maior conteúdo tecnológico. Uma parcela concentrada dos investimentos privados previstos está relacionada justamente a setores em que o setor público exerce uma importante fonte de demanda. O que requer um conjunto de políticas específicas para as cadeias produtivas em formação ou expansão no Brasil, particularmente indústria de defesa, óleo e gás, transportes ferroviários e energias renováveis. Além do reconhecimento do SUS como uma importante fonte de criação de reserva de mercado para a indústria nacional de equipamentos médicos e hospitalares;

– Ampliação das políticas de apoio à exportação das grandes empresas dos setores de semiduráveis e internacionalização das marcas, em que os coeficientes de importação obtiveram o maior crescimento e dado o diferencial de custos de certos insumos estrangeiros dificilmente esta tendência será revertida. Isto permitiria ao menos compensar a internacionalização da cadeia de fornecedores ampliando a corrente de comércio destes setores.

Acesse a íntegra da Revista Política Social e Desenvolvimento AQUI.

Crédito da foto da página inicial: EBC

NOTAS

Foram selecionadas as maiores 170 empresas de capital nacional e estrangeiro e excluídas 20 empresas cujas séries de dados estavam incompletas, restando um painel de 150 grandes empresas. Na composição dos indicadores, foi adotado o critério de excluir 10% dos dados com maior discrepância, devido à heterogeneidade dos desempenhos.

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