Publicado originalmente no blog do José Luis Oreiro
Entre 1980 e 2014 a economia brasileira cresceu a um ritmo médio de 2,81% a.a, segundo dados do IPEADATA (série PIB – preços de mercado – var. real anual – (% a.a.) – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Sistema de Contas Nacionais (IBGE/SCN Anual) – SCN10_PIBG10). A Grande recessão iniciada no segundo semestre de 2014 (a respeito das causas da grande recessão brasileira ver aqui) produziu uma queda acumulada de 6,70% no período 2014-2016. Formalmente a economia brasileira sai da recessão em 2017, ano que apresentou um crescimento de 1,32% do PIB, valor 53% inferior à tendência de longo prazo para o período 1980-2014. Em 2018 o crescimento foi de 1,31%, repetindo assim o desempenho de 2017, e ficando novamente abaixo da tendência de longo prazo.
Esse não é o comportamento esperado para economias que saem de um processo recessivo. A teoria econômica convencional exposta na imensa maioria dos livros texto de macroeconomia vê as recessões como períodos nos quais a economia opera abaixo da sua tendência de longo-prazo. Nesse contexto, as flutuações cíclicas são vistas como movimentos de amplitude e periodicidade variável (flutuações irregulares) em torno de uma tendência de longo prazo que é independente desse movimento oscilatório.
Dessa forma, as recessões têm um efeito apenas temporário sobre o nível de atividade econômica, pois uma vez terminada a recessão a economia deverá crescer, por algum tempo, acima da tendência de longo prazo de maneira a retornar ao nível que estaria caso a recessão não tivesse ocorrido (Ver figura 1). Isso significa que os efeitos de uma recessão sobre o nível de atividade econômica são inteiramente dissipados no médio prazo, não restando nenhum vestígio dos efeitos da mesma no sistema econômico.
O fato é que, no caso brasileiro, mesmo após o fim da grande recessão, a economia se encontra crescendo muito abaixo de sua tendência de longo prazo, fazendo com que o nível de atividade no final de 2018 fosse quase 20% menor do que o prevalecente caso a economia tivesse retornado – como seria de se esperar – à sua trajetória de longo prazo, uma vez terminados os efeitos da grande recessão (Ver figura 2).
O PIB brasileiro a preços de mercado no final de 2018 era de R$ 6,88 trilhões. Se a economia brasileira tivesse retornado à sua trajetória de longo prazo no final de 2018, o PIB a preços de mercado seria de R$ 8,6 trilhões, ou seja, um valor R$ 1,72 trilhão mais elevado! Esse acréscimo no PIB teria gerado um aumento da receita da União, Estados e Municípios de R$ 550 bilhões, valor mais do que suficiente não só para zerar o déficit primário do setor público, como também para gerar um expressivo superávit primário.
Está claro que dada a magnitude da recessão ocorrida no período 2014-2016 não seria possível recuperar a tendência de longo prazo num período de apenas dois anos. Considerando uma taxa de crescimento de 4% a.a. a partir de 2017, o PIB só retornaria ao nível da tendência de longo prazo em 2033. Se a taxa de crescimento pós-crise fosse de 5% a.a. a recuperação ocorreria em 2026.
Embora o crescimento do PIB em 2019 ainda não tenha sido divulgado, as expectativas do mercado situam o mesmo em torno de 1 a 1,2%, valor ligeiramente abaixo do observado no período 2017-2018. Confirmando-se o terceiro ano consecutivo de crescimento abaixo da tendência de longo prazo, não há como escapar da conclusão de que a grande recessão de 2014 a 2016 produziu uma redução da tendência de crescimento da economia brasileira. A questão relevante é saber qual o motivo.
Os economistas liberais dirão que a redução da tendência de crescimento de longo prazo se deveu aos erros da política econômica do PT e à implantação da famigerada “nova matriz macroeconômica”, seja lá o que isso signifique. Outros ainda dirão que é devido ao excesso de intervenção do Estado na economia, esquecendo, contudo, que o período 1980-2014, usado no cálculo da tendência de longo prazo, engloba a década de 1980 – pródiga em intervenção Estatal na economia – e os anos dourados da administração petista, os dois mandatos do Presidente Lula, os quais certamente puxaram a média para cima.
Para lidar com esse problema da redução da tendência de crescimento, os economistas liberais defendem uma agenda aparentemente inesgotável de reformas: teto dos gastos, reforma trabalhista, reforma de previdência, nova reforma trabalhista, reforma administrativa, PEC emergencial etc. O fato é que estamos no quarto ano da “nova era” da gestão liberal (iniciada com o impeachment da Presidente Dilma Rousseff) e o crescimento econômico continua pífio. A equipe econômica do governo promete acelerar o crescimento em 2020 para incríveis (modo ironia ligado) 2,5% a.a, querendo fazer parecer para a opinião pública de que se trata de um grande feito de engenharia econômica. Não é. Mesmo que esse valor seja obtido em 2020, e sobre isso pairam muitas dúvidas no ar, ainda assim será menor do que a média do período 1980-2014 e, portanto, insuficiente para eliminar o “hiato de crescimento” originado a partir de 2014.
Na minha visão, a redução do potencial de crescimento de longo prazo é um fenômeno que vem ocorrendo desde meados da década passada – e, portanto, dentro do intervalo temporal das administrações petistas – em função da desindustrialização crescente da economia brasileira; fenômeno esse que foi tardiamente percebido pelas administrações petistas e enfrentado de forma tíbia e inconsistente no primeiro mandato da Presidente Dilma Rousseff (a esse respeito ver aqui ).
A crise de 2014-2016 piorou esse quadro pois (i) fez com que as empresas brasileiras suspendessem seus planos de ampliação e modernização da capacidade produtiva, o que aumentou a defasagem tecnológica da indústria brasileira; (ii) propiciou a adoção de uma agenda de consolidação fiscal baseada na contração do investimento público e do crédito do BNDES, amplificando assim os efeitos da queda do investimento privado em 2014 sobre a demanda agregada, com efeitos negativos também no lado da oferta da economia devido aos efeitos de transbordamento positivos do investimento público sobre a rentabilidade das empresas do setor privado.
A redução do potencial de crescimento fica comprovada quando olhamos para a situação do déficit em conta corrente do balanço de pagamentos. Em 2019, o déficit em conta corrente fechou em 2,76% do PIB apesar de a economia brasileira estar crescendo a um ritmo pouco maior do que 1% a.a desde 2017. Esses números mostram claramente que uma aceleração significativa do crescimento da economia brasileira – por exemplo, para a sua tendência de longo prazo de 2,88% – deverá produzir um aumento insustentável no déficit em conta corrente, o qual poderá facilmente passar de 4% do PIB. Nessas condições, a restrição externa (ver aqui) irá impor um crescimento medíocre para a economia brasileira nos próximos anos.
Se o crescimento da economia brasileira permanecer num patamar medíocre, então nenhum ajuste fiscal será capaz de “arrumar as contas do governo”. O Brasil irá entrar num jogo perde-perde no qual o Ministério da Economia irá lançar propostas atrás de propostas de emenda constitucional com o objetivo de (sic) acabar com os “privilégios do funcionalismo público”; haja vista que se trata do único segmento da sociedade ainda protegido contra o empobrecimento geral do país, resultante dos efeitos de longo prazo da crise de 2014-2016. Já que não é possível aumentar a renda dos que trabalham no setor privado – devido à crescente uberização da economia, filha bastarda da desindustrialização – a solução dos economistas liberais é empobrecer os servidores públicos para assim (sic) diminuir a desigualdade na distribuição de renda no Brasil. E assim nosso país caminha a passos largos para sair da “Armadilha da Renda Média” para cair, talvez para sempre, na “Armadilha da Pobreza”.
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