A minirreforma eleitoral de 2015 foi realizada em meio a grande instabilidade política e visou à transição para um modelo com menor peso das corporações na vida política do país.
Neste artigo, procuro discutir o impacto das novas regras político-partidárias, de 2015 e 2017, sobre concentração de poder pelo seleto clube de ultrarricos, diretamente associados aos interesses financeiros internacionais.
Recursos públicos para partidos políticos
O Fundo de Assistência Financeira aos Partidos Políticos foi criado em 1965 como instrumento público para o financiamento da atividade político-partidária. Com a criação do Fundo objetivou-se garantir autonomia financeira aos partidos, permitindo-se espaço para diversidade de ideias na política. O Fundo é composto em cada ano-exercício a partir de dotações orçamentárias da União, multas e penalidades eleitorais, recursos financeiros legais e doações privadas.
A divisão entre partes iguais de 5% do Fundo entre os partidos deveria permitir sobrevivência dos menores. Os demais 95% são distribuídos de maneira proporcional, de acordo com o número de cadeiras que cada partido obteve, nas eleições mais recentes para a Câmara dos Deputados. Na Tabela 1, verifica-se a evolução dos recursos do Fundo.
A Lei dos Partidos Políticos (9.096/95) obrigou os partidos a gastarem percentual mínimo na criação e na manutenção de instituto de pesquisa de opinião próprio. Assim como fixou limite máximo para gastos de pessoal, de maneira a evitar formação de “currais eleitorais”.
Recursos privados para partidos políticos
Até 2014 as firmas podiam doar até 2% do faturamento bruto anual para financiamento de campanhas eleitorais. Já para as pessoas físicas, o limite correspondia a até 10% do rendimento bruto do ano anterior.
Após a mudança nas regras eleitorais em 2015 e 2017, tornou-se proibida qualquer doação empresarial. O pressuposto para a proibição foi de que a crise política de 2015/2018 decorreu de caixa dois em campanhas eleitorais.
Dado que do grande capital é esperado buscar novas formas de financiamento de campanhas, colocou-se então para o grupo de muito ricos com interesses no país o desafio de mobilização de recursos para seus representantes políticos.
Uma das primeiras manifestações ocorreu em São Paulo, ao longo do mês de setembro, de acordo com o jornalista Lauro Jardim em nota em O Globo de 27.09.2017:
Um grupo de empresários e personalidades está montando um “fundo cívico” para angariar recursos para tentar eleger entre 70 e 100 deputados federais nas eleições de 2018.
A ideia é que sejam candidatos afinados com algumas premissas, como a defesa da responsabilidade fiscal, da ética e da sustentabilidade. E não estejam filiados a apenas um partido, mas em vários.
O lançamento dessa ideia será em São Paulo na semana que vem.
Quem organiza é Eduardo Mofarej (Tarpon), Nizan Guanaes, Arminio Fraga e Luciano Huck, entre outros. [Jardim (set2017)].
Aliás, esta não foi a primeira vez que o apresentador de televisão se aventurou como empresário-político. Intitulada “Olhar Social”, nota do mesmo jornalista em O Globo em 26.06.2017 reverberou o sucesso do apresentador em meio à banca.
Em meio a vários economistas palestrantes, Luciano Huck falou sobre desigualdade para 4 000 pessoas num evento da XP Corretora, na sexta-feira passada em São Paulo. Levou ao palco um avô e um menino de Fortaleza (CE), que tocam um projeto social para 200 crianças, e disse que o Brasil só avançará quando todos tiverem um “olhar social”. Foi muito aplaudido. Mas ninguém falou em eleições por ali… [Jardim (ago2017)]
A estratégia parece digna do seleto clube de banqueiros, pessoas físicas mais ricas do Brasil, com fortunas que, juntas, somam cerca de US$ 100 bilhões (Tabela 2).
A estratégia parece ir além da ocupação da Câmara dos Deputados. Inclui planos para formação de “elite organizacional e política” brasileira doutrinada nos EUA (sistema Elève). Por trás dos ataques à J&S e à UERJ encontra-se muito provavelmente o interesse destes banqueiros ultrarricos.
Esse clube parece ter planos para tornar seus membros os novos donos do Brasil. Ao menos isso explicaria os ataques aos representantes da velha oligarquia latifundiária na conjuntura. Explica igualmente os ataques das organizações Globo ao vice-presidente Michel Temer [artigos publicados no Brasil Debate (30/03/2017, 20/02/2017, 03/11/2016)]
A coordenação por parte dos interesses financeiros não é nem difícil nem complicada. Basta sacudir a flâmula liberal, todos entendem o sinal. A composição de “comitê de campanha” pelos muito ricos é esperada de combinar ingredientes de mídia corporativa.
Papel da mídia corporativa
A veiculação de propaganda gratuita por parte dos partidos políticos também sofreu sensível alteração com a Lei nº 13.165/2015. Até 2015 os partidos políticos dispunham de programa em cadeia nacional e de outro em cadeia estadual em cada semestre, com duração de 20 minutos cada. Os partidos dispunham ainda de 40 minutos, por semestre, para inserções de 30 segundos ou um minuto.
Após a minirreforma de 2015, se garantiu aos partidos realização de programa a cada semestre com duração de até 10 minutos, para os partidos que tenham eleito até quatro Deputados Federais. Concedeu-se 20 minutos para os partidos que tenham eleito cinco ou mais Deputados Federais. Garantiu-se 20 minutos para os partidos que tenham eleito até nove Deputados Federais e 40 minutos para aqueles que tenham eleito dez ou mais deputados federais.
Ou seja, conforme observado na distribuição dos recursos do Fundo Partidário, a Câmara dos Deputados parece arena escolhida para disputa de recursos públicos entre os partidos políticos.
Por outro lado, o emprego de recursos privados se encontra limitado no que se refere à propaganda eleitoral. As novas regras eleitorais preveem que o TSE divulgue limites de gastos calculados com descontos fixos em relação aos maiores gastos observados para a mesma classe na eleição anterior. A expectativa, portanto, é de que as doações privadas se tornem cada vez mais baratas, promovendo-se “eficiência”.
No entanto, a negociação do custo de R$/mil dos “espaços publicitários” pode esconder favorecimentos corporativos por parte da mídia tradicional, o que alteraria significativamente a efetividade dos limites estabelecidos.
A escolha dos candidatos pelos partidos
Os recursos individuais serão públicos e direcionados aos partidos políticos. Não parece possível a qualquer grupo “escolher candidatos” sem que se exerça influência econômica sobre a vida dos partidos. Na democracia, os candidatos são selecionados em eleições entre os membros filiados. A filiação deveria se construir em torno de ideias e não de poder econômico.
Após a minirreforma de 2015, o número de candidatos de cada partido não pode ultrapassar o dobro do número de vagas a serem preenchidas. Então, por exemplo, para a Câmara dos Deputados, cada partido pode ter, teoricamente, até 1.026 candidatos! Isso abre espaço para que “candidatos” sejam construídos sem grande representação política interna aos partidos. Abre espaço para que os ultrarricos indiquem seus próprios candidatos.
Conclusões finais
Torna-se evidente que os grupos econômicos se reorganizam na conjuntura para exercer influência na montagem do Estado brasileiro em 2018.
A alteração de regras de financiamento de campanhas incentiva o surgimento de candidaturas de empresários com relações com a mídia corporativa e a banca internacional.
Há por detrás de iniciativas aparentemente bem intencionadas (Huck, Marina etc) o projeto de deslocamento da oligarquia tradicional brasileira, alçando-se os ultrarricos a condição de novos Donos do Brasil.
A sociedade organizada deve urgentemente definir estratégias para coleta de recursos privados, principalmente no exterior, onde observadores percebem o grau de organização política e econômica do país. Penso que um dos caminhos seria levantar a bandeira de resistência brasileira ao golpe midiático-jurídico-financeiro como luta internacional.
Crédito da foto da página inicial: Wilson Dias/Agência Brasil
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