Em setembro de 2015 o governo do Estado de São Paulo anunciou um plano de reorganização da rede pública (leia mais aqui ). Estudantes, pais e professores afetados pelo plano reagiram, alegando falta de diálogo, ausência de justificativas pedagógicas e solicitando a suspensão da reorganização.
A postura do governo e da imprensa provocou um movimento surpreendente de ocupação de muitas escolas na capital e no interior do estado, tendo como bandeira o lema “Não fechem a minha escola”.
A ação dos alunos produziu uma comoção social, pois, pela primeira vez no século, o movimento “Não fechem a minha escola” se distanciava da imagem construída pelos meios de comunicação de massas, que apresentam a escola pública como uma instituição sucateada, violenta, frequentada por alunos desinteressados e desmotivados, oriundos de famílias problemáticas.
O movimento de ocupação das escolas pode ser tomado como uma experiência de reflexão teórica da prática. Neste sentido, o trabalho do pensamento é o de perseguir concomitantemente uma teoria do social entendida como previsão e orientação para a construção de uma ordem social igualitária e defesa da ação revolucionária que repõe continuamente novas estratégias e táticas de luta não previstas na teoria (LUXEMBURG, 1985).
No mês de dezembro, visitamos três escolas ocupadas da cidade de Campinas e desenvolvemos atividades, participamos de rodas de conversa com alunos, professores e funcionários e, com termo de livre e esclarecido consentimento, colhemos alguns depoimentos que tornamos público neste ensaio.
Durante o processo da ocupação, a educação como um direito de todos e dever do Estado ganhou a cena pública quando o movimento levou as cadeiras da sala de aula para a Avenida Paulista. Lá, na res publica, os jovens assistiram a uma aula cujo propósito era a defesa da escola pública. Eles efetivaram, diante do Estado e da sociedade, o direito à educação, como preconiza o Artigo 205 da Constituição de 1988, que garante a educação como “direito de todos”.
O discurso midiático sobre o desgaste da relação professor-aluno, o desinteresse dos alunos e a não importância com a escola pública aparece como um espelho invertido e toma o centro das reflexões no espaço urbano. Os jovens fizeram a ocupa-ação interagir com toda a população no espaço público da cidade.
Ouvir esses jovens provoca incômodos, inquietações e desencadeia uma exigência: o que fazer com essas falas? São os jovens ocupantes que melhor podem aquilatar suas experiências. Os alunos relatam o motivo da ocupação:
“Eu estudo aqui há quatro anos […] fiz praticamente todos os meus amigos aqui, acho meio injusto tirarem isso de mim, é uma coisa que vai para o resto da vida […]. E também ia superlotar a outra escola […] tem uma lei que não permite a superlotação”.
1ª Lição: A escola é um espaço da construção coletiva; ao contrário da ação individual, as amizades lá construídas são suporte para a vida. As possibilidades de mudança no mundo social vinculam-se às dimensões feitas no coletivo. Outro jovem mostra os desdobramentos da ocupação nas relações entre eles:
“Muita gente que eu não tinha amizade, já briguei várias vezes e conversando acabou virando amigo”. “Aí a gente conseguiu conviver mais”.
A convivência em torno de um objetivo comum teve que contar como exercício da linguagem. Assim, a ocupação foi um espaço onde o diálogo deslizou e nasceu como forma de encaminhar os desafios. Adimensão do viver com o outro resultou no exercício da linguagem, do diálogo, da conversa.
Para sair das panelinhas, do estranhamento e emudecimento, novas percepções de si e do outro surgiram. O sentimento de pertencimento grupal os fortaleceu. A ocupação circunscreveu a relevância e a defesa da proposição comum:
“Aqui a gente vai fazer o que a gente veio para fazer, a gente não veio para ficar brincando”.
2ª Lição: Em nome de um objetivo comum, foi possível renunciar às dissonâncias particulares. O objetivo da ocupação ─ “Não fechem a minha escola” ─ foi maior que as desavenças interpessoais. Assim, os alunos enfrentaram os conflitos e saíram fortalecidos, para não deixar o coletivo se quebrar. As aprendizagens da prática da ocupação contribuíram para o exercício dos papéis sociais:
“Você sabe que tem responsabilidades. Vai sair? Tem pessoas para ficar no seu lugar? Você sabe que horário volta? Você precisa ter a responsabilidade para não deixar as outras pessoas na mão.”
De modo estratégico, os alunos ocupantes driblaram a imprensa e escolheram como e com quem se comunicar:
“A gente meio que se fez de idiota pra imprensa: ─ não, não tem nada, tá tudo bem. A imprensa veio pra pressionar”.
3ª Lição: A escola ganhou novos arranjos e a sala de aula foi dilatada, incorporando outros espaços e recursos disponíveis:
“Agora, eu aprendi a cuidar da escola, não é uma coisa só sua, você também vai dividir com outras pessoas”.
“Eu enxergava os professores como […] meus inimigos. Na ocupação eu percebi que […] era bem diferente”.
“Várias pessoas de vários lugares visitaram a gente […] veio gente fazer projetos […] grafite, aula de percussão, música[…]achei interessante.É uma coisa que a escola não tem muito […] abrir a biblioteca […] o livro é uma forma de se divertir também […] todos os anos que estudei aqui, nunca teve a biblioteca aberta […]”.
Novas leituras estão em pauta e uma nova proposta de escola pode surgir desse movimento.
REFERÊNCIAS
LUXEMBURG, Rosa. A acumulação do capital: contribuição ao estudo econômico do imperialismo. 2. ed. SP: Nova, 1985.
Crédito da foto da página inicial: Rovena Rosa/ABr
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