Períodos eleitorais sempre fazem reaparecer questões sobre o poder da mídia no resultado de eleições. Eleitores, com ou sem preferência definida, querem saber até que ponto a mídia influencia no sucesso e/ou no insucesso de candidatos.
Por outro lado, candidatos, partidos e profissionais de marketing político, diretamente envolvidos nas campanhas, trabalham para otimizar o uso do tempo (supervalorizado) no horário eleitoral do rádio e da televisão a favor e/ou contra determinadas candidaturas.
Nas sociedades contemporâneas, como se sabe, a mídia (jornais, revistas, rádio, televisão e internet) monopoliza o poder de “dar visibilidade” e de acesso ao debate público, essenciais para a sobrevivência de qualquer político e para a prática democrática.
O que poderia ser uma excelente ocasião para se discutir o sistema de mídia brasileiro e propostas de políticas públicas para o setor passa em branco. É raríssimo que candidatos – a qualquer cargo eletivo – incluam em seus programas propostas relativas às comunicações.
Terminadas as eleições, reestabelecem-se as relações rotineiras entre os políticos e a mídia dentro de um padrão assimétrico de poder em que cada lado busca garantir seus interesses, presentes e futuros. Eleitores, candidatos, partidos e marqueteiros, vencedores e derrotados, “esquecem-se” das questões estruturais relacionadas aos sistemas de mídia.
Trata-se de um círculo vicioso: a questão aflora implicitamente nos processos eleitorais quando o único objetivo é “ganhar as eleições”, mas “desaparece” entre eleições, durante o exercício dos mandatos.
Na verdade, salvo honrosas exceções, consolidou-se um tipo de relacionamento entre os políticos e a mídia que bloqueia qualquer tentativa de alteração legal contrária aos interesses dos empresários do setor.
O relatório Leveson
Diante de questões que sempre se repetem, recorro ao infelizmente pouco discutido relatório do Juiz Leveson, resultado do inquérito sobre “a cultura, as práticas e a ética da imprensa”, mandado realizar pelo primeiro-ministro da Inglaterra e divulgado em novembro de 2012 [cf. V. A. de Lima (org.); Para garantir o direito à comunicação: a lei argentina, o relatório Leveson e o HGL da União Europeia; Perseu Abramo/Maurício Grabois/Barão de Itararé, 2014].
Há uma sessão do documento que trata, especificamente, das relações entre “A imprensa e os políticos” (itens 109 a 137 do Sumário Executivo e 82 a 84 do Sumário de Recomendações).
Embora não tenha sido produzido no Brasil e nem em resposta a questões concretas surgidas da prática política brasileira, o relatório Leveson avalia as relações entre os políticos e a imprensa: aqueles estão sempre em busca de garantir o seu futuro sucesso eleitoral; e esta, a prevalência de seus interesses – comerciais e outros.
Que padrões de relacionamento se estabelecem e quais suas consequências para a democracia?
Ao examinar as relações entre os políticos e a imprensa na Inglaterra, o relatório Leveson conclui, dentre outros, que nos padrões de comportamento estabelecidos (pouco transparentes), partidos e políticos mantêm “uma relação excessivamente próxima com a imprensa”; que os políticos se tornaram vulneráveis ao lobby da imprensa (“na esperança de um tratamento favorável”) e que isso tem influído em decisões relativas às políticas públicas sobre a mídia, em detrimento do interesse público.
Lembra ainda que nem “tudo o que é de interesse de qualquer organização jornalística, ou da imprensa como um todo é, necessariamente, do interesse público” e que, além de lobistas poderosos, os membros da imprensa “têm em seu poder um potente alto-falante com influência considerável sobre a reputação pessoal e política dos políticos”.
Diante desse diagnóstico, o relatório apresenta recomendações específicas dentro do quadro geral de recomendações para a regulação da mídia impressa na Inglaterra. São elas:
1. Como primeiro passo, os líderes políticos devem refletir de forma construtiva sobre os méritos de publicar, em nome de seu partido, uma declaração, explicando ao público como pretendem abordar, dentro da política de seu partido, a condução de suas relações com a imprensa.
2. Líderes dos partidos, ministros e porta-vozes das bancadas devem avaliar a divulgação: a) da existência de longos relacionamentos com proprietários, editores e altos executivos de empresas de comunicação, que podem ter relevância para suas responsabilidades e, b) a cada trimestre: i. detalhes de todos os encontros com proprietários, editores e altos executivos de empresas de comunicação, seja em pessoa, seja através de representantes, incluindo os fatos e natureza geral de qualquer discussão de assuntos de políticas de comunicação nesses encontros; e ii. um retrato fiel e relativamente completo – por meio de estimativas gerais apenas – da frequência ou grau de outras interações (incluindo correspondências, telefonemas, mensagens de texto e e-mail), mas sem necessariamente incluir o conteúdo.
Lições para o Brasil
O Brasil, por óbvio, não é a Inglaterra. E nem lá as recomendações do Juiz Leveson passam do que realmente são: apenas recomendações. De qualquer maneira, é sempre interessante evocar comparativamente o que ocorre em democracias consolidadas quando se trata das relações da mídia com a política e com os políticos.
Em períodos eleitorais e para além do objetivo de “vencer as eleições”, talvez fique um pouco mais evidente o quanto ainda temos que avançar nas relações entre os políticos e a mídia. Enquanto isso não ocorre é importante que se tenha a verdadeira dimensão das questões envolvidas, inclusive éticas, e o quanto elas afetam diretamente, não só os processos eleitorais, mas a própria consolidação republicana da democracia.
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