Como já argumentamos na primeira nota da série, a defesa da austeridade fiscal como forma de crescimento econômico foi retomada por economistas afeitos ao liberalismo econômico, aproveitando a onda das ideias liberais difundidas nos anos 1990 a partir do Consenso de Washington.
Francesco Giavazzi e Marco Pagano testaram o argumento de que cortes nos gastos públicos poderiam gerar crescimento econômico porque aumentariam as expectativas dos empresários e das famílias, levando os primeiros a investir e os últimos a consumir. Os autores encontraram dois casos em que essa teoria poderia valer na prática: a Dinamarca e a Irlanda.
A situação fiscal dos dois países era avaliada como preocupante para os governos da época. Na Dinamarca, o gasto público (consumo do governo) crescia a 4% ao ano e a dívida pública crescia a uma média de 10% ao ano entre 1979-82, chegando a 65% em 1982. Já o PIB dinamarquês crescia em média 1,3% ao ano no mesmo período.
Na Irlanda, a dívida chegava a 87% do PIB em 1981, influenciada por uma taxa média de crescimento do consumo do governo também de 4% ao ano e uma taxa média de crescimento do PIB de 2,7% ao ano entre 1979-1981.
Após um grande corte dos gastos públicos e aumento da tributação em 1982, a Dinamarca cresceu por quatro anos consecutivos a uma média de 3,6% ao ano e a Irlanda teve um comportamento similar durante o ajuste fiscal promovido entre os anos de 1987-1989.
Teria então o ajuste fiscal, as medidas de austeridade, promovido o crescimento econômico? Não.
Em ambos os casos, as medidas de austeridade fiscal foram acompanhadas de mudanças significativas na política monetária, na política cambial e nas condições econômicas internacionais. Do lado monetário, houve redução da inflação acompanhada de uma queda das taxas de juros reais. A taxa de câmbio foi desvalorizada e mantida fixa com relação ao marco alemão (principal moeda europeia à época), aumentando a competitividade das exportações de ambos os países. Já a recuperação da economia internacional foi um fator determinante para o aumento das exportações irlandesas.
Conforme alguns analistas[1] argumentam, esses fatores contribuíram muito mais para o crescimento econômico da Dinamarca e da Irlanda do que o ajuste fiscal em si. As medidas de austeridade parecem não ter melhorado as expectativas dos empresários e das famílias, contrariando a teoria.
Houve, de fato, uma queda do crescimento econômico logo após a austeridade fiscal, mas a retomada do crescimento não esteve diretamente relacionada a essas medidas.
Nota
[1]Ver, entre outros, o trabalho de ArjunJayadev e Mike Konczal(The Boom Not The Slump: The Right Time For Austerity. Economics Faculty Publication Series. Paper 26. 2010. Disponível em: http://scholarworks.umb.edu/econ_faculty_pubs/26) e o trabalho minucioso de Mark Blyth (Austerity: The History of a Dangerous Idea. Oxford University Press USA ,2013).
Crédito da foto da página inicial: Giselle Garcia/EBC
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