Não é a suposta leveza de um mundo “globalizado e interconectado” que cria os movimentos migratórios internacionais. Sua causa primeira continua sendo o funcionamento do mercado de trabalho, em particular o peso da busca por trabalho, com sacrifícios, custos – materiais e psíquicos – e entraves implicados para quem emigra.
No contexto neoliberal, quando se fala de migração internacional, incluído o refúgio, dois elementos inseparáveis se colocam: o trabalho e a documentação. Esses elementos são vitais para todos os imigrantes e refugiados.
Sem considerá-los, não é possível entender os diferentes fluxos de entrada no cenário doméstico e sua conexão com o contexto internacional. Além disso, explicitam o regime ultra-seletivo, burocratizado, em geral de permanência temporária, adotado pelos Estados nação – tanto nos países centrais, como os periféricos – para controlar os movimentos migratórios.
No Brasil, os critérios seletivos dos imigrantes “bem-vindos” são bastante claros e se colocam como pretensamente neutros (em relação a classe, gênero, etnia e nacionalidade); porém, deixam a parte mais significativa do fenômeno invisibilizada, como se realmente não existisse no país, a não ser, é claro, como um acaso emergencial.
Se examinadas as autorizações de trabalho concedidas para estrangeiros pelo Ministério do Trabalho e Emprego – indicativas do circuito documentado da imigração por motivo de trabalho –, percebe-se que, excluindo o caso específico do Mercosul e países associados, permite-se somente a entrada de fluxos com um perfil qualificado-especializado, direcionados a setores estratégicos, geralmente imbricados com a entrada de capital estrangeiro no país, ou com escassez de profissionais.
Nos anos recentes, as empresas transnacionais, o setor de petróleo e gás, o serviço público de saúde e educação decidiram, em geral, quem poderia entrar por esse “polo da qualificação-especialização”.
É verdade que essa modalidade, por ter perfil qualificado-especializado, é mais confortavelmente representada como resultado de uma “escolha puramente individual”, mas não está separada do funcionamento internacionalizado do mercado de trabalho, de formas flexíveis de contratação e da manifestação do desemprego estrutural – também nos países centrais.
No entanto, essa porta de entrada pela frente, no Brasil – como em muitos outros países –, exclui o universo mais representativo do fenômeno na atualidade, a saber, de imigrantes e refugiados (com alto percentual de mulheres) em situação socioeconômica vulnerável e provenientes de países periféricos, ou seja, aqueles que mais precisam trabalhar.
A eles, se apresenta restritivamente outra porta, que se abre emergencialmente (anistia, vistos humanitários, solicitação de refúgio ou regularizações extraordinárias), muitas vezes de forma subterrânea, sendo direcionada a setores altamente marcados pela precarização do trabalho, como a indústria têxtil, de abate de carnes, construção civil, serviço doméstico, entre outros. Embora também haja uma demanda desses setores pela força de trabalho imigrante, não constitui um canal de entrada legalizado.
O modo como deixam seus países, como entram no Brasil e o choque de se sentirem, de novo, trabalhando e vivendo numa periferia do capitalismo, muitas vezes de forma forçadamente indocumentada, denotam as características de uma base sócio-histórica desses movimentos migratórios internacionais, da qual deriva uma maior exposição e disponibilidade (por necessidade) à exploração, no trabalho e em todos os âmbitos da vida social em que sua presença possa se tornar lucrativa – veja-se, por exemplo, os empresários das fronteiras, as altíssimas taxas para enviar remessas, o preço de aluguéis cobrados de cada imigrante dividindo metros quadrados (muitas vezes insalubres).
No Brasil, entrar pela porta de trás, pelo “polo dos periféricos emergenciais”, significa enfrentar, além de todas as condicionantes do trabalho dentro de um regime de acumulação flexível, quando não uma exposição ao trabalho forçado, também os preconceitos de uma sociedade com herança escravista – que, no fundo, ainda associa a imigração com o mesmo referencial racista da modernização dependente do passado, na expressão de Florestan Fernandes.
Essa perspectiva dos dois polos revela, portanto, que o tema da imigração no Brasil contemporâneo, ao contrário de marginal, abrange um universo complexo, de diferentes categorias ocupacionais e condições de trabalho, atuantes nos mais variados setores, nos âmbitos público e privado.
E, ainda mais importante, lança luz sobre os espaços subterrâneos e invisibilizados desse trabalho – ou mesmo longínquos da terra firme, sobre as águas do mar, nas plataformas de petróleo – simultaneamente apontando as contradições inerentes àqueles eleitos para aparecerem como uma imigração escolhida.
Para ter acesso à integra da tese da autora sobre o tema, clique AQUI.
Crédito da foto da página inicial: EBC
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