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Mercado financeiro, especulação e processo eleitoral

Não é exatamente novidade que os agentes que atuam nos mercados financeiros possuem grande interesse nos destinos políticos dos países em que investem.

A eleição de um governo que atenda ou contrarie seus interesses mais imediatos, em geral ligados à liberalização de suas atividades e ao aumento dos rendimentos financeiros, certamente joga um papel importante em suas estratégias de alocação de portfólios, assim como nas estratégias que estas instituições recomendam a seus clientes endinheirados.

A história do Brasil está recheada de casos em que agentes financeiros aproveitaram os momentos eleitorais para apoiar explicitamente algum candidato, gerando profunda instabilidade nos mercados e auferindo ganhos financeiros das ondas especulativas criadas por suas próprias análises e declarações.

Caso mais famoso é o da eleição de 2002, quando se criou o que ficou conhecido como “Lulômetro”, para prever a futura cotação do dólar caso Lula fosse eleito.

Nos últimos dias, ao menos dois exemplos de análises políticas travestidas de recomendações e relatórios técnicos ganharam ampla divulgação e notoriedade no caso brasileiro.

O primeiro, uma mensagem redigida por uma analista do Santander afirmando aos seus clientes mais ricos que a reeleição da presidenta Dilma representaria uma deterioração da economia brasileira, deixando explícita sua preferência pelos candidatos oposicionistas; o segundo, um relatório de uma pequena consultoria chamada Empiricus que, ao copiar relatório similar produzido nos EUA na época da eleição de Obama, prevê uma profunda crise econômica no Brasil no caso da eleição do atual governo.

Não vêm ao caso aqui a qualidade técnica dos relatórios e recomendações feitas por ambas as instituições. Ao lê-los, qualquer economista de primeira viagem achará erros crassos de análise conjuntural e macroeconômica, o que o levaria a acreditar que tais documentos só poderiam ter sido produzidos por algum jornalista desavisado ou pelo comitê de campanha de algum dos candidatos oposicionistas, como um panfleto para eleitores leigos.

Mas a baixa qualidade analítica não altera as discussões de fundo que surgiram diante da repercussão dos documentos: é legítimo que agentes financeiros privados interfiram diretamente nas campanhas eleitorais? Seria facultada a empresas privadas a realização de campanha eleitoral, escoltada sob o signo da liberdade de expressão e da análise técnica? Quais os reais interesses dos agentes financeiros no processo eleitoral?

Posição do STF

No caso brasileiro, tal discussão não é recente, tendo sido alvo de apreciação do Supremo Tribunal Federal (STF) por conta da análise da constitucionalidade das doações privadas às campanhas eleitorais.

Em sua decisão, a ampla maioria dos juízes do Supremo deixou claro que empresas privadas não devem usar seu poder financeiro para influenciar os rumos da eleição presidencial, afirmando que as eleições são momentos de participação do cidadão, não se constituindo uma pessoa jurídica como ente participante do processo democrático eleitoral.

Ou seja, pessoas físicas podem contribuir financeiramente para o candidato e/ou partido que lhe convêm, mas empresas (pessoas jurídicas) estão proibidas de realizar a mesma prática, exatamente por não serem partícipes do processo.

Entendimento similar pode ser observado na decisão provisória do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) acerca da divulgação do já citado relatório da consultoria Empiricus, em que o ministro Admar Gonzaga proibiu a campanha da empresa que fazia loas à candidatura de Aécio Neves e previa a crise no caso da eleição de Dilma Rousseff.

Segundo Gonzaga, há “claro excesso” com as expressões utilizadas e o relatório se configura como uma peça de propaganda política.

Independentemente da discussão legal sobre o tema, parece razoável que empresas privadas não devam se envolver diretamente (seja por meio de campanha, seja por doações) no processo eleitoral, sob o risco de desvirtuamento do processo democrático pelo poder do capital.

Garantir um ambiente de equilíbrio mínimo entre os candidatos ao longo do processo decisório do eleitor é condição fundamental para o bom funcionamento da democracia, equilíbrio este que é profundamente desvirtuado no caso da intromissão de gigantes financeiros, com seus interesses particulares, no jogo democrático.

Certamente, seria ingenuidade acreditar que a simples proibição de doações ou de campanha explícita por parte das empresas privadas faça com que seu poder de influência sobre o cidadão médio se extinga, mas parece igualmente ingênuo acreditar que a liberação total da participação das empresas no processo político-eleitoral não aumente sobremaneira o poder destas instituições sobre os rumos políticos do País.

A questão, portanto, não é de como extinguir, mas sim de como limitar o poder das empresas privadas no processo político-eleitoral, possibilitando assim ao cidadão-eleitor um cenário de maior equilíbrio no momento de sua tomada de decisão.

Campanha das empresas privadas

É sabido que a fronteira entre análise e campanha política é tênue, gerando inúmeras polêmicas que só a justiça pode dirimir. A maior parte dos meios de comunicação realiza, aberta ou disfarçadamente, campanha para seu candidato de preferência, que é definido a partir de preferências dos donos da empresa ou de sua direção.

A busca por minimizar o poder de influência das empresas privadas, sejam veículos de comunicação ou instituições financeiras, gera uma série de polêmicas limitações ao exercício da liberdade de expressão em períodos eleitorais, que se colocam na tentativa de equilibrar minimamente o ambiente em que transcorrerá o pleito.

Por fim, cabe lembrar que, por trás dos “conselhos” e de “orientações” proferidas pelas empresas financeiras para seus clientes, residem interesses puramente econômicos destas empresas. A maior parte da população sabe que os interesses do “mercado financeiro” não se confundem com os interesses do País e de seu povo, por mais que os analistas financeiros busquem fazer-nos acreditar que o que é bom para os mercados, também o é para o desenvolvimento nacional.

Que o digam os EUA, que, durante anos, aprofundaram a liberalização dos mercados sob recomendação e suporte dos grandes bancos e comando político de integrantes da banca financeira, apenas para ao cabo se ver envolto em uma das maiores crises econômicas da história.

Muitas vezes, analistas financeiros, valendo-se do fato de que os preços no curto prazo são profundamente afetados pelas expectativas geradas nos mercados, publicam documentos e relatórios com o simples objetivo de manipular os preços e os mercados e, desta forma, ganhar mais dinheiro com uma especulação que só faz prejudicar o país-alvo.

Nada mais legítimo, diriam os financistas, amparados na suposta defesa de sua liberdade de expressão e na aposta de que o mercado é a única instituição capaz de controlar a sanha “populista” dos governos. Mas quem controlará a sanha acumuladora dos mercados? Sem nenhuma regulação, o peso político crescente das grandes empresas tornará a democracia um conceito apenas formal, na prática dominada pelos interesses particulares de alguns grandes conglomerados.

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