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Maioridade penal, direita e partidos

Tenho tendência a incluir em ensaios curtos acerca da política nacional, como este, reflexões sobre o comportamento da imprensa, que não raro vêm balizadas nos grandes números produzidos pelas análises do Manchetômetro, site do qual sou coordenador.

Além do vício de profissão, isto se deve ao fato de eu estar certo de que a comunicação social, mais especificamente a mídia, que é fundamental para o funcionamento da democracia representativa, é fator frequentemente desprezado mesmo nas análises políticas mais críticas e sofisticadas. Mas desta vez não falarei de mídia.

Vou me ater a comentar um artigo de opinião publicado na seção Tendências e Debates da Folha de S. Paulo, no dia 4 de abril, intitulado “Reaja, Brasil”. O autor é Olimpio Gomes, também conhecido como Major Olimpio, oficial da reserva da Polícia Militar de São Paulo e deputado federal pelo PDT por aquele estado.

Neste dia, a sessão traz dois artigos que tratam do mesmo tema: a diminuição da maioridade penal. Um contra e outro a favor. Mais especificamente, os artigos tratam da proposta de Emenda à Constituição (PEC) 171/93, que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos.

Registre-se aqui que a Folha nem sempre publica os “dois” lados de uma contenda pública na seção Tendências e Debates. Por exemplo, no dia 5 de maio de 2014, às portas da campanha presidencial, o ex-embaixador Rubens Barbosa publicou texto na seção criticando severamente a adesão do Brasil ao Mercosul e defendendo a posição do já candidato do PSDB, Aécio Neves. Chamava a política do governo petista de “ideológica”, adjetivo que tem a função retórica de desqualificar o oponente. Naquele dia, contudo, o artigo que acompanhou o texto de Barbosa intitulava-se “Skate na Escola”. Mas eu havia prometido não falar de mídia. Então voltemos ao texto do Major Olimpio.

O parlamentar pedetista é autor do artigo favorável à diminuição da maioridade penal, enquanto que o texto contrário é do deputado federal pelo PCdoB-SP Orlando Silva. Nele, o representante comunista argumenta que a medida não deve ser tomada se respaldando em experiências de outros países, legislação nacional, tratados internacionais e dados de criminalidade que mostram grande reincidência criminal das pessoas que passam por nosso sistema prisional.

Olimpio utiliza de estratégia argumentativa diversa para defender a diminuição. Começa já na primeira linha do texto pontificando que a maioridade penal seja baixada para 12 anos, “momento em que o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) diferencia a criança do adolescente”.

Depois de chocar o leitor com essa entrada, o Major comete um segundo parágrafo acusando o próprio ECA de ser incapaz de intimidar “a prática de crimes bárbaros por jovens perigosíssimos com licença legal para matar, estuprar e traficar drogas”. Em seguida, acrescenta que o ECA os transforma em “coitadinhos vítimas da sociedade”. O terceiro parágrafo começa assim: “Por não ter argumento que convença a sociedade, defensores de bandidos juvenis se escoraram na tese de a redução ser inconstitucional”.

O pugilismo retórico adotado pelo major, com três golpes sequenciados, alveja a legislação, desumaniza o objeto da legislação, menores infratores, e desqualifica seus adversários no debate público. Tais adversários são tratados como inimigos e chamados de “defensores de bandidos juvenis”.

Na visão do major, esses menores são “jovens perigosíssimos com licença para matar”, na suposta visão de seus adversários, “coitadinhos vítimas da sociedade”.

Após alguns parágrafos em que esmera em mostrar que a diminuição é legalmente viável, o Major se refere novamente a seus contendores, referindo-se a eles como “intransigentes defensores da manutenção da impunidade para menores criminosos” e “adoradores do regime ditatorial de Cuba”.

O ex-policial, então, termina o texto contando cabeças na Câmara e no Senado para demonstrar que a proposta de Emenda à Constituição (PEC) 171/93, que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos, será aprovada com larga margem, e dizendo que, por se tratar de Emenda Constitucional aprovada pelo Congresso, ela não pode ser objeto de veto presidencial.

O texto de Olimpio apresenta os elementos básicos do publicismo vitriólico da direta. O autor fala para seu próprio público, prega aos já convertidos, e ao invés de propor uma conversação, escreve um texto para bater tambor, incitar à guerra. O inimigo pode ser identificado por várias evidências no texto do Major. Ele o chama de defensores de bandidos e adoradores do regime de Cuba, e ao final garante ao seu leitor que a presidente Dilma não poderá vetar a PEC.

Ora, tratam-se da esquerda política, aqueles que defendem direitos humanos, são simpáticos a algumas conquistas sociais da sociedade cubana e se alinham às forças políticas ora no governo federal. O título “Reaja, Brasil” é a cereja do bolo, pois soa como uma palavra de ordem das manifestações de direita recentes, em tudo similar aos “Acorda, Brasil”, “Basta”, “Cansei” etc. Em suma, Olimpio é o publicista de direita se batendo contra o inimigo de esquerda, e já cantando vitória.

Mas há uma ironia grande nisso tudo. O partido ao qual o deputado pertence, o PDT, tradicional aliado do PT, compõe a base aliada de sustentação do governo de Dilma. É partido de centro-esquerda e tem em Leonel Brizola uma referência histórica. Qual o quê, Olimpio rejeita o epíteto “Bancada da Bala”, usado até pelo jornal O Globo para se referir aos parlamentares que militam em assuntos ligados à segurança pública, frequentemente assumindo posições contra direitos humanos e a favor da impunidade policial e do maior armamento da sociedade civil.

Mas seu texto é um clássico libelo de direita, belicoso e (indiretamente) belicista. Como pode, então, tal deputado pertencer a partido da base aliada do governo?

Aí é que reside um problema de nosso sistema político que parece ter se agravado no governo Dilma 2: a falta de coerência ideológica dos partidos políticos. Trabalhos de Argelina Figueiredo e Fernando Limongi já demonstraram que a falta de disciplina dos partidos políticos brasileiros é mais proverbial do que real.

Mas as coisas parecem estar se esgarçando de um tempo para cá, com aumento da indisciplina e, portanto, do custo de manutenção da base. Isso precisa mudar, deputados de partidos de esquerda não podem se comportar como publicistas de direita, pois quando isso acontece o sistema representativo como um todo perde coerência.

É fato que o clamor por reforma política virou apanágio universal em nosso País. Na verdade, nosso sistema tem muitas virtudes e poucas coisas que devem ser reformadas. O financiamento de campanha é uma delas. Outra, que diz respeito diretamente ao caso em questão, é a proibição das coligações para eleições proporcionais. Sem as coligações, os partidos vão ter incentivos para mostrar um perfil ideológico mais definido. Se o PDT quer continuar a ser um partido de centro-esquerda, terá que disciplinar o Major, ou mandá-lo procurar sigla que mais se adeque a sua orientação ideológica.

Assim, ganharemos todos os brasileiros, tanto os maiores quanto os menores de idade.

Crédito da foto da página inicial: Agência Brasil

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