Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
muda-se o ser, muda-se a confiança;
todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.”
Camões
Os acontecimentos de dezembro de 2015 criaram oportunidade ímpar para a presidenta, livrando-a da camisa-de-força a que foi submetida no ano perdido. É certo que a janela não ficará aberta por muito tempo, dependendo das ações que o governo vier a tomar, especialmente no campo econômico.
Insistir na opção pela austeridade a fórceps será, nesse sentido, fatal. No ano passado, reduziu-se continuamente o espaço de manobra da presidenta, com os péssimos resultados colhidos (IPCA em 11%, queda do PIB ao redor de 4%, recorde no pagamento de juros da dívida pública, desemprego crescente e receitas fiscais despencando).
Os investimentos mergulharam, alastrando pessimismo e desconfiança em todos os quadrantes. O quadro só não foi mais sombrio por causa dos avanços sociais e econômicos conquistados ao longo dos últimos anos. Mas este colchão vem se esvaziando rápido.
A prevalecer a mesma estratégia com políticas fiscal e monetária profundamente depressivas, o resultado inexorável será aprofundar os desequilíbrios macroeconômicos e com consequências sociais e políticas imprevisíveis.
A linha de pacotes generosos de incentivos creditícios e renúncias fiscais, já corretamente revistos, também não funcionará para impulsionar a economia sob incerteza. Ou seja, a alternativa de política economica pré-ajuste não resolve. Demanda-se maior eficácia.
O restabelecimento do horizonte de investimentos para reverter o tsunami de expectativas negativas que paralisa a sociedade brasileira vai por outros caminhos. Um deles é a articulação de um programa suficiente de investimentos, em parceria com governadores e prefeitos.
Essa proposição pode soar estranha, dada a atual realidade das finanças estaduais e municipais, que se instabilizaram com a desaceleração contínua do PIB, como ilustra dramaticamente a calamidade fiscal do Estado do Rio de Janeiro, neste caso também alvejado diretamente pela conjuntura internacional.
Seu povo sofre de forma perversa. Os salários dos funcionários estão irremediavelmente atrasados e as UPAs estão fechadas, precisamente quando há uma escalada de contaminação com Chikungunya, Dengue e Zica. Essa súbita regressão no padrão civilizatório, no início do verão e às vésperas das Olimpíadas, leva a uma descrença difusa na política, retirando o apoio das esferas executivas.
Mas são precisamente os entes da União os que têm a obrigação, a urgência e a possibilidade de formar uma aliança pelo investimento contra a recessão!
Evidentemente, é inadmissível estabelecer como condição prévia à retomada dos investimentos o aprofundamento dos cortes para alcançar o equilíbrio orçamental. Trata-se de uma impossibilidade teórica e prática que só repetirá o 2015 perdido: o nível de atividade cairá e a sangria nas contas públicas, em todas as esferas, continuará. Nessa toada, em vez de mais investimentos, assistiremos a uma sequência interminável de cortes.
Para atender à urgência de um programa de investimentos, muitas medidas em simultâneo devem ser tomadas. Dentre elas, a elaboração de um programa de investimentos em massa, com projetos de parcerias público-privadas (PPP) disputando o topo da lista.
Apesar das PPP não terem deslanchado no Brasil, como se esperava desde a promulgação da Lei 11.079 de 2004, existem vários exemplos de arranjos bem-sucedidos no âmbito de estados e municípios brasileiros.
O número de soluções salutares para projetos de alta relevância poderia ser muito maior se não fossem as amarras que se apresentam para os gestores públicos. No diagnóstico das travas, o principal problema a ser enfrentado é a estruturação, pelos governos subnacionais, de garantias suficientes para os contratos com operadores privados.
E, nesse ponto, o governo federal pode agir, por meio de soluções engenhosas tais como o compartilhamento de garantias, com estados e municípios, por meio dos respectivos fundos garantidores.
Tal medida não onera a “gestão do primário”, pois apoia-se exclusivamente no compromisso de pagar obrigações contratuais em caso de inadimplência, tendo, como contragarantia, o direito de reter parcelas do FPM (Fundo de Participação dos Municípios) ou do FPE (Fundo de Participação dos Estados). Da forma proposta, estabelece-se uma relação federativa limpa e transparente.
A proposta ganha ainda mais relevância neste momento em que se regulamenta a mudança do indexador da dívida renegociada dos estados e municípios. Seu maior fôlego financeiro, se compromissado com um programa de investimentos, torna as garantias ainda mais robustas. E não há como não reconhecer que, em cada canto deste País, diversos projetos de infraestrutura, ou de prestação de serviços, precisam ser iniciados ou retomados em prol da geração de serviços e benefícios para a sociedade.
Enfim, a agudização da crise internacional e a complexidade da crise interna impõem a necessidade e criam uma oportunidade de se elevar o patamar da interlocução federativa. Para tanto, é fundamental que o Governo Federal reconheça a necessidade de definir condições mais favoráveis na relação com os governos subnacionais, à luz de um pacto para ampliar investimentos, em prol do desenvolvimento e de um melhor equilíbrio das obrigações e direitos entre seus entes.
Crédito da foto da página inicial: Obras do Programa de Aceleração do Crescimento em Manguinhos ( Memórias do PAC/ Creative Commons)
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