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Hipocrisia antidemocrática

A exploração, na reta final das eleições, de informações cuidadosamente selecionadas e vazadas de um processo que corre em segredo de justiça, relativo a um sujeito desesperado e beneficiário de delação premiada, é a mostra cabal de como funciona o uso político-eleitoral da ubíqua moral neoudenista de ocasião.

O fato de que o cartel das empresas operadoras exista, conforme o próprio delator desesperado, desde tempos anteriores às atuais administrações e de que não haja nenhuma prova de repasses irregulares ao PT, não impede a mídia conservadora de utilizar as informações seletivas obtidas ilegalmente para prejudicar justamente a presidenta da República, que foi quem desbaratou o esquema ao demitir quase toda a diretoria da Petrobras, inclusive o delator em desespero.

Numa total inversão de valores, busca-se causar dano a quem enfrentou os desmandos.

Mas a seletiva moral neoudenista não causa danos apenas aos alvos cuidadosamente escolhidos. Na realidade, o dano maior é à democracia.

Em primeiro lugar, os “escândalos” oportunistas e seletivos criam uma cortina de fumaça que oculta do debate político os temas relevantes para a decisão do eleitor. Nessa eleição, o que está realmente em jogo é a escolha entre dois modelos econômicos e políticos muito distintos. O que o eleitor tem de decidir é se o Brasil deve continuar no rumo do desenvolvimentismo com inclusão social e distribuição de renda ou se devemos regredir ao modelo neoliberal da década de 1990, com sua tendência inexorável à exclusão social e à concentração da renda.

Assim, o que se deveria discutir é se devemos ter ou não um banco central independente, se o salário mínimo e os demais rendimentos do trabalho devem continuar a aumentar ou não, se as taxas de juros têm de subir, se o crédito público deve ser reduzido, se o Pré-Sal tem de ser concedido a empresas estrangeiras, se devemos abandonar o Mercosul e os BRICS e celebrar, com celeridade, acordos de livre comércio com os EUA e a UE, se é preciso privatizar o que resta do patrimônio público etc.

Enfim, a campanha deveria estar discutindo a agenda estratégica que vai realmente decidir o futuro do Brasil. Porém, com a hegemonia midiática do neoudenismo seletivo, a opinião pública fica refém da agenda de delegacia de polícia dos escândalos seletivos.

Em segundo lugar, o moralismo de ocasião não apenas impossibilita o debate de temas relevantes, ele também não permite a discussão racional da própria questão da corrupção.

Corrupção se combate essencialmente com instituições independentes de controle e com a promoção da transparência. E isso vem sendo feito. No período do PSDB, época do famigerado engavetador-geral, a Polícia Federal realizou somente 48 operações especiais, que redundaram em 536 presos. Já no período do PT, no qual a Polícia Federal e outros órgãos foram muito fortalecidos, ocorreram 2.226 operações, que acarretaram 24.881 prisões. Além disso, foi criado o Portal da Transparência e promulgada a Lei de Acesso à Informação, a qual permite que qualquer cidadão possa obter as informações que quiser de toda instituição pública.

É esse processo estrutural de fortalecimento das instituições de controle e de promoção efetiva da transparência que vem permitindo o real e historicamente inédito combate à corrupção no Brasil.

Não obstante, a cortina de fumaça da moral seletiva neoudenista impede que a população perceba esse processo. Ao contrário, essa cortina de fumaça conduz à falsa percepção de que a corrupção aumentou e de que as suas causas tangem às pessoas que estão no Estado e não às estruturas que vinculam o aparelho administrativo ao poder econômico.

Em terceiro lugar, a percepção distorcida do moralismo seletivo cria uma espécie de maniqueísmo infantil na política. Como a corrupção é, conforme tal visão superficial, causada por pessoas ruins, e não por fatores estruturais que distorcem a representação política, basta substituí-las pelos “homens de bem”, como sugeriu uma conhecida candidatura. É como se a “nova política” fosse surgir da confluência voluntarista de pessoas bondosas, e não da imprescindível Reforma Política que redundasse na limitação da influência do poder econômico sobre o sistema de representação.

Em quarto lugar, os escândalos seletivos e o maniqueísmo infantil deles resultante provocam o ódio que se apodera hoje do debate público. É um ódio que impede o debate racional de propostas concretas e limita o próprio exercício da democracia. Não bastasse o chorume digital em que se transformaram as redes sociais, figuras políticas importantes, como o ex-presidente FHC, agora se dedicam a desqualificar os votos de pobres e nordestinos, desqualificando, dessa forma, a própria democracia.

Enfim, tudo isso é um grande desserviço que se presta à vida democrática no Brasil.

E é também mais uma homenagem, entre muitas, que se presta ao cinismo.

Pois a moral neoudenista não é seletiva apenas quanto aos seus alvos, ela também seleciona cuidadosamente os temas que provocam indignação.

Assim, não causava indignação aos cínicos moralistas de ocasião a miséria que violentava a vida dos despossuídos, a desigualdade que ofendia a consciência democrática, a falta de oportunidades que ceifava os sonhos de muitos jovens, o racismo que hoje é combatido com as cotas, o desemprego que provocava desespero em muitas famílias. Nada disso importava. Nada disso comovia e comove essa ética seletiva e cínica.

Não há nada mais corrupto e moralmente vexaminoso que miséria e desigualdades, mas isso não comove os neoudenistas de plantão.

A única coisa que os comove e move é a agenda paleoliberal e antipopular, essa obsessão em derrubar um projeto de inclusão social que desgosta os xiitas da desigualdade e amedronta os detentores de antigos privilégios.

É unicamente isso que anima a hipócrita e antidemocrática moral seletiva: a perspectiva de reinstaurar um modelo político e econômico inexoravelmente excludente e promotor de desigualdades. Um modelo profundamente aético.

Mas é pouco provável que consigam ocultar da população que o único projeto político ético, profundamente ético, é aquele que tirou 36 milhões de brasileiros da miséria e o Brasil do Mapa da Fome.

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