Nos últimos 40 anos, as transformações resultantes do capitalismo contemporâneo orientado à lógica neoliberal têm condicionado o debate sobre o papel do Estado na sociedade, questionando sua capacidade garantidora de bem-estar, ou seja, a eficiência do gasto público.
A emergência de medidas profiláticas aos efeitos da crise econômica mundial intensificou as indagações acerca da temática. São crescentes as propostas de arranjo político-econômico-social para as quais se define a participação estatal que assegure a qualidade de vida da sociedade mediante a racionalização dos recursos disponíveis.
Para a saúde, além deste, o aumento da carga epidemiológica das doenças crônicas surge como variável explicativa para modificações nos atuais sistemas de saúde no mundo com alteração da linha dos cuidados em saúde. O que, por sua vez, em última instância, implica outra estrutura de custo, vista por alguns especialistas da área como insuportável ao poder de oferta pública dos serviços.
Por isto, para muitos países o desafio atual é como equalizar o cenário de crise econômica internacional à incorporação de uma nova estrutura de custos em saúde.
Todavia, é preciso muito cuidado ao discutir a participação do Estado no setor saúde, seja pelo aspecto social de direito ou pelas condições econômicas de provisão.
Em termos teóricos, as inconsistências do modelo de concorrência privada no setor saúde são latentes diante da assimétrica de informação entre médico e paciente, irreversibilidade da troca, estado anormal de racionalidade do doente etc.
Por outro lado, em termos concretos, até o momento não estão claras as evidências que comprovem a eficiência da promoção do setor privado em qualquer nível dos sistemas de saúde.
Neste sentido, a partir dos dados do Banco Mundial, podemos ter uma noção da importância do gasto público para os sistemas de saúde no mundo, por meio da verificação do comportamento médio da mortalidade infantil por 1.000 nascidos vivos entre os anos de 1995 e 2012.
É possível observar que aqueles países cuja participação do gasto público em saúde esteja acima de 75% do total apresentam, de uma forma geral, menores índices de mortalidade infantil. Ao passo que, quanto menor a participação pública nos gastos em saúde dos países, maiores são os índices de mortalidade infantil (gráfico 1).
Mais especificamente, o gasto médio público brasileiro ficou em torno de 43,3% nos 18 anos e sua taxa de mortalidade média em 24 óbitos por 1.000 nascidos vivos, enquanto que a América Latina (Argentina, Chile, Colômbia, México, Peru, Uruguai e Venezuela) gastou 52,7% e registrou uma taxa 17; a América do Norte (Canadá e Estados Unidos da América) 57,6% e 6; e a Europa (Alemanha, França, Holanda, Inglaterra e Itália) 76,7% e 4 óbitos por 1.000 nascidos vivos.
Entretanto, mesmo abaixo da média dos outros países, o gasto público no Brasil concretizado no Sistema Único de Saúde (SUS) representou consideráveis avanços na condição de saúde da população.
A redução proporcionada pelo SUS nos índices de mortalidade infantil foi de três vezes, antecipando em cinco anos o cumprimento dessa meta nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio em diminuir a mortalidade infantil em dois terços (17,9 óbitos por mil nascidos vivos) entre 1990 e 2015. O nível passou de 40,5 em 1995 para o de 12,9 óbitos por 1.000 nascidos vivos em 2012.
Obviamente, ainda distante dos patamares dos países desenvolvidos em torno de 3 a 6 óbitos por 1.000 nascidos vivos ao ano, mas com uma evidente aproximação durante esses 25 anos de implantação do sistema público.
Outro resultado positivo a se considerar após a fundação do SUS foi o ganho de cinco anos na expectativa de vida do brasileiro, passando dos 68 anos em 1995 para 73 anos em 2012.
Tal fato pode ser confirmado pelo relatório do Banco Mundial sobre os 20 anos do SUS, Twenty Years of Health System Reform in Brazil.
É a afirmação da importância do sistema público para qualidade de saúde da população, demonstrados por meio da redução drástica nas taxas de mortalidade infantil e aumento da expectativa de vida da população.
Assim sendo, as reformas do SUS têm, pelo menos parcialmente, atingido as metas de acesso universal e equitativo aos cuidados de saúde. Dessa forma, o SUS representa uma política pública promotora de cidadania apoiada nos princípios de universalidade, integralidade, equidade e democracia participativa.
Contudo, são inegáveis as melhorias conquistadas através da constituição do SUS em 1988, mas também, sendo o maior sistema de saúde universal do mundo, são prementes os desafios para o sistema em termos financeiros e de gestão.
Logo, é preciso garantir uma vinculação adequada de recursos que concretize plenamente o SUS, pois ele simboliza um padrão de produção dos cuidados médicos norteados à garantia de acesso indistinto a todo e qualquer brasileiro à saúde. Acesso esse que, para o Brasil, país continental marcado pela alta desigualdade em suas várias formas, representa um enorme avanço civilizatório no sentido do direito às condições básicas da vida.
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