Desde as primeiras sistematizações mais acuradas sobre o funcionamento da economia, ainda no século XVIII, preconiza-se que os tributos devem ser proporcionais à renda dos indivíduos. Naquela mesma época, ministros de Estado que propunham tal configuração eram desalojados de seus postos por forças refratárias a essa perspectiva, como ocorreu com Anne Robert Jacques Turgot.
No Brasil Império, houve a primeira experiência de um imposto sobre a renda dos brasileiros. As alíquotas progressivas variavam entre 2% e 10% sobre os rendimentos dos servidores públicos. Somente em 1922, após amplos debates, a proposta de um real e definitivo imposto sobre a renda foi aprovada no Congresso Nacional, passando a vigorar em 1923 (BRASIL, 2016).
O imposto de renda brasileiro nasceu com alíquotas progressivas relativamente baixas, uma mínima de 0,5% e uma máxima de 8%. Como em outros países, houve um processo de ampliação da quantidade de alíquotas e elevação dessas à medida que mais serviços foram absorvidos pelos Estados nacionais e regionais.
Em 1961, o então Presidente Jânio Quadros modificou a alíquota máxima de 50% para 60% dos rendimentos. Um ano depois, já no governo de João Goulart, a alíquota máxima subiu para 65%, alcançando o maior percentual histórico. O tributo contava com 14 faixas de alíquotas progressivas, as quais iniciavam em 3%.
Nos governos militares ocorreu o primeiro aceno para a estagnação e, posteriormente, para a redução da progressividade tributária. Uma das medidas desses governos foi a diminuição da alíquota máxima do imposto de renda concernente às pessoas físicas para 55% e depois para 50% dos rendimentos. Outra atitude tomada foi a redução de 14 para 12 faixas de rendas tributadas, número que permaneceu durante a maior parte do regime militar.
A partir da égide da liberalização financeira, na década de 1980, assentou-se a concepção de que a renda deveria ser tributada linearmente, ao passo que o capital deveria ser desonerado para atrair fluxos de investimentos. Tais transformações fizeram os impostos sobre a renda e sobre o capital caírem drasticamente.
A Constituição de 1988 ampliou o Estado Social, mas as transformações, do ponto de vista da arrecadação, foram regressivas. Uma das primeiras mudanças foi a redução de oito para duas faixas de imposto de renda. Já a alíquota máxima saiu de 45% para 25%.
Antes de 1995, o País tributava os dividendos de forma linear e exclusivamente na fonte, com uma alíquota de 15%, independentemente do seu volume. Em 1996, com a aprovação da Lei n.º 9.249, a distribuição dos lucros e dos dividendos às pessoas físicas passaram a ser isentas.
A divulgação dos dados de imposto de renda ocorrida recentemente tornou factível a mensuração das disparidades geradas pelo tratamento diferenciado dos rendimentos. Na medida em que os dividendos são isentos de impostos, os segmentos de renda mais elevados da sociedade contribuem proporcionalmente menos ao erário.
O gráfico explicita que a base de rendimentos tributáveis de 2013 passa a cair para os indivíduos que receberam mais do que três salários mínimos. Inversamente, os rendimentos isentos passam a se elevar a partir dessa faixa. O pico de isenção de rendimentos em relação à renda é para quem recebeu entre 240 e 320 salários mínimos (R$ 162.720,00 e R$ 216.960,00). Ficaram imunes de impostos 68,81% das receitas desses indivíduos.
Como consequência, o imposto devido em relação à renda cresce até a faixa de quem recebe de 30 a 40 salários mínimos e depois passa a recuar, conforme explicitado também no gráfico.
Os rendimentos isentos de 2013 alcançaram R$ 636,39 bilhões, sendo R$ 231,30 bilhões referentes a lucros e dividendos distribuídos, enquanto o imposto devido total de todos os declarantes foi de R$ 115,24 bilhões, ou seja, abaixo do valor dos rendimentos isentos.
Cabe destacar que as isenções de dividendos beneficiaram 2,1 milhões de pessoas, dentre elas as 20,9 mil mais ricas do Brasil (0,01%), que possuem patrimônio médio de R$ 40 milhões e que pagaram de imposto 1,56% de sua renda total.
Chama atenção também, nas declarações de imposto de renda, o volume de subsídio existente em relação aos gastos privados com saúde e educação. No mesmo ano em análise, as despesas declaradas chegaram a R$ 69,35 bilhões, 60,18% do imposto devido total, ponderando-se que a dedução não é integral.
Adicionalmente, verifica-se que as alíquotas de imposto brasileiras são relativamente menores, seja na comparação com os países desenvolvidos, seja com os demais países da América Latina, conforme exposto na Carta de Conjuntura FEE de maio de 2015.
Com a estratificação da contribuição de imposto de renda por faixas de salário mínimo, fica explícito que as alterações na legislação tributária auxiliam a consolidar um quadro de elevada concentração de renda, com destaque para a isenção de impostos sobre os lucros e dividendos e para o subsídio que o Estado concede aos gastos privados em saúde e educação às famílias mais ricas do País.
Artigo escrito originalmente para a Carta de Conjuntura – Ano 21 nº 6 da Fundação de Economia e Estatística (FEE)
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