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Entrevista com Eduardo Fagnani – Eleições e questão social: o futuro do Brasil na encruzilhada

Publicado em Rede Brasil Atual em 06-09-2014

Os avanços sociais e econômicos recentes semearam na sociedade brasileira a necessidade de ampliar e integrar o debate sobre questões como bem-estar, desenvolvimento, cidadania e democracia. Durante muitas décadas esses temas foram tratados isoladamente e até de forma antagônica. Hoje, sabe-se que para enfrentar os desafios das próximas décadas é fundamental interligar essas questões recuperando as dimensões políticas, econômicas e sociais do  desenvolvimento. Nesta entrevista, Eduardo Fagnani, economista da Unicamp e coordenador da rede Plataforma Política Social fala sobre a complexidade desse desafio.

O papel da democracia na representação dos interesses da sociedade tem sido mitigado pelas forças de mercado. O que contribui para esse processo?

Contribui toda a ideologia neoliberal que temos a partir de meados dos anos 1970. Durante 30 anos, entre 1945 e 1975, o Estado regulava o setor privado, os sindicatos e os partidos políticos (que representavam os direitos dos trabalhadores e da sociedade) eram fortes e os regimes de Welfare State se desenvolveram, especialmente, na Europa ocidental.  O Estado tinha papel ativo na regulação dos mercados e na coordenação dos projetos de desenvolvimento visando ao pleno emprego e a constituição de sociedades mais igualitárias. Havia muito Estado, muita democracia e muita política. O neoliberalismo pode ser entendido como uma vingança dos mercados: a economia se vingando da política. Prevalecem os  valores do individualismo, da meritocracia, o esvaziamento da esfera pública e a perda de poder dos estados nacionais. Tudo isso tem a ver com a etapa atual da concorrência capitalista no contexto da globalização, em que o capital não quer barreiras à acumulação. Recentemente, o presidente de uma multinacional disse: “Onde tem sindicato não tem empresa”. Isso significa que onde tem política e democracia não tem empresa. Assim, o poder econômico prevalece sobre os interesses gerais da sociedade.

A fragmentação da luta política nos conduz para onde? E como ela se manifesta?

Esse processo não ocorre apenas no Brasil. O esvaziamento da democracia, da política e dos estados nacionais está intimamente ligado com neoliberalismo e a “globalização”. Os partidos políticos perderam a capacidade de atuar como interlocutores de um projeto de transformação nacional. Os sindicatos foram outro alvo da fúria dos mercados, perderam poder e foram para a defensiva. Os movimentos sociais tendem a atuar de maneira fragmentada e não cabe a esses movimentos o protagonismo desse processo de mudanças. Essa tarefa cabe, especialmente, aos partidos.

No Brasil, em função desses processos mais gerais, vive-se hoje a fragmentação da luta política do campo progressista. No caso do movimento social, prevalece a visão setorial. A saúde só pensa a saúde, a educação só a educação, habitação só habitação. A fragmentação ocorre em torno de agendas pontuais e compartimentadas. Perdeu-se a visão de que o encaminhamento de muitos dos problemas setoriais dependem do enfrentamento de questões mais amplas de natureza política e econômica que deveriam ser pensadas na perspectiva de um projeto nacional de transformação.

Dessa maneira, os movimentos estão vivendo em labirintos, onde não vão encontrar portas de saída. Por exemplo, o problema da mobilidade urbana não é apenas tarifa de transporte, mas sim, a ausência de uma política nacional de transporte público. Nunca tivemos isso.

Não vamos resolver o problema da mobilidade sem pensar numa reforma tributária e num novo pacto federativo, para dar apenas dois exemplos.

A quem interessa diluir as grandes discussões sociais, políticas e econômicas do país em pautas setoriais?

Interessa ao poder econômico. Quanto mais fragmentada a sociedade menor o seu poder de pressão política. É o que vivemos hoje. Nós assistimos à vitória do neoliberalismo. O que conta é o indivíduo, não a sociedade. Há um esvaziamento da esfera pública. Hoje vemos pesquisas que mostram que a maior parte das pessoas acha que melhoraram de vida por mérito próprio ou “graças a Deus”. Não fazem a correlação com políticas de governo que contribuíram ou não para isso. É a vitória do mercado e da sua cultura e ideologia.

Para consolidar o que se chama de universalização da cidadania social será necessário uma ampla mobilização da sociedade. A confluência de forças na política brasileira é favorável para isso?

Não. Não vai ter mudança se não tiver pressão popular. Nenhum governo ou parlamento funciona sem pressão. E essa fragmentação enfraquece a pressão e mantém a correlação de forças favorável ao poder econômico.

Eu adoraria o dia em que os militantes da saúde, por exemplo, fossem para a porta do Banco Central cada vez que os juros fossem aumentados. Porque não tem coisa que causa mais danos à saúde e restringe a possibilidade de universalização do que o aumento da taxa de juros. As “caixinhas” setoriais acham que reforma tributária, redução de juros, revisão do “tripé” macroeconômico e reforma política, por exemplo, não diz respeito a elas. O que é um engano monumental. Paradoxalmente, hoje, o debate eleitoral proposto pelo poder econômico vende a miragem de que é possível conciliar redução de meta de inflação e Banco Central Independente (de quem?) com “desenvolvimento social”. São objetivos absolutamente irreconciliáveis que apontam para um gravíssimo retrocesso das conquistas sociais recentes. Os programas partidários que defendem esse reforço da ortodoxia prestariam um serviço para a democracia se rasgassem os capítulos que contêm propostas para a área social. Não existe pior política social que redução da meta de inflação e independência do Banco Central.

A preservação das conquistas sociais recentes e a necessidade de se avançar no enfrentamento das diversas faces da crônica e histórica desigualdade social brasileira requer que avancemos exatamente na direção oposta: rever e alterar as regras do chamado “tripé” macroeconômico. Como que se muda a gestão macroeconômica se não tiver pressão? Quem são os atores que vão fazer a pressão nessa direção? Essa tarefa deveria caber aos partidos, sindicatos e movimentos sociais do campo progressista. Para isso, é necessária uma visão mais ampla dos processos e não uma visão fragmentada e compartimentada. Por exemplo: o movimento social que lutava pelo SUS nos anos de 1970, não pretendia apenas lutar contra a política privatista de saúde da ditadura militar. O SUS era parte de um projeto mais amplo de transformação social que visava a acertar as contas com a ditadura. A agenda reformista tinha componentes políticos (instituir o Estado Democrático de Direito), econômicos (uma política econômica que redistribuísse a renda) e social (implementar os valores da cidadania social universal). O SUS era parte desta estratégia mais ampla que mobilizava a sociedade, os partidos políticos, os sindicatos e os movimentos sociais. E hoje? O que temos?

Em seu artigo “Fragmentação da luta política e agenda de desenvolvimento” você afirma que a soberania popular quer acertar contas com o passado.  O que isso significa?

Duas causas importantes motivaram as mobilizações de junho de 2013: a crise do sistema político e eleitoral e as reivindicações pela cidadania social. As pessoas não se sentem representadas pelo sistema político. Isso atravessa todos os partidos, de esquerda e direita, o Congresso Nacional. Quando as pessoas pediram serviços públicos “padrão Fifa” elas estavam dizendo que querem escola, hospital, transporte público de qualidade prestados pelo Estado. Não querem mais uma mercadoria ofertada pelo setor privado. Elas estavam dizendo que a inclusão pelo consumo foi muito boa, mas não basta. Agora as pessoas querem inclusão pela cidadania.

O sistema de seguridade social, inspirado nos valores da cidadania, da universalidade, foi criado há 25 anos na Constituição de 1988. Fruto de outra mobilização popular extraordinária impulsionada pelas forças que lutaram contra a ditadura. Mas a elite política e econômica deu as costas para a soberania popular para preservar o “status quo”. Esse é um traço peculiar da elite brasileira. Para preservar o “status”, em 1964, eles chamaram as forças armadas. Nos anos 1980, fizeram um pacto conservador para a transição democrática. Depois se aliaram ao projeto neoliberal, que é o oposto do projeto reformista que desaguou na Constituição de 1988.

O que está na Constituição não foi cumprido, especialmente, nos anos 1990, em função da hegemonia do pensamento liberal. O que se conseguiu avançar na década passada é positivo, mas não foi suficiente para recuperar as profundas marcas do passado.

Em última instância, os manifestantes de 2013 estão perguntando: prefeitos, governadores, presidente da República, Assembleias Legislativas e Congresso Nacional, Câmara de Vereadores e Poder Judiciário quando iremos cumprir a Constituição?

Algumas correntes de diferentes áreas sociais, inclusive do campo progressista, têm compreendido o ideal de desenvolvimento de uma maneira menor, tratando-o como sinônimo de crescimento econômico. Muito diferente do amplo conceito de desenvolvimento apresentada por Celso Furtado. Isso faz parte dessa nova etapa de fragmentação? A esquerda está perdendo a batalha em torno do significado do desenvolvimento?

Desenvolvimento não é crescimento. Temos vários exemplos no mundo de crescimento com concentração da renda. O crescimento é uma condição necessária ao desenvolvimento, mas também é necessário articular políticas econômicas e sociais para a construção de uma nação mais homogênea e igualitária. A melhor política social que existe é emprego com carteira assinada e elevação da renda do trabalho. A valorização do salário mínimo tem papel  fundamental por ampliar o piso e servir de referência para os salários mais altos. Mas também é preciso políticas que promovam a equidade, a igualdade. Nesse caso, a tarefa que se coloca é universalizar a cidadania social para todos incluindo os mais pobres.

Um projeto de desenvolvimento para o século 21 não pode deixar de enfrentar as desigualdades do acesso de bens e serviços sociais básicos como saúde, educação, habitação, transporte público e saneamento, por exemplo. Além de juros, cambio e inflação, os macroeconomistas também devem priorizar o enfrentamento de temas como saneamento básico e saúde. Mais de 60% da população do país vive em residências sem coleta de esgoto. Como ter desenvolvimento sem enfrentar essa chaga? Economista não fala de esgoto. Ficarei feliz no dia em que isso ocorrer. Será que viverei esse tempo?

Como você tem acompanhado a campanha eleitoral e as propostas dos candidatos representantes das teses de estado mínimo? É possível compatibilizar as proposições sociais e as políticas econômicas propostas?

Muito preocupado, quase à beira da depressão. Basta um ano de governo Marina/Aécio para destruir tudo o que foi conquistado na área social na última década – e não foi pouco. Para aprofundar a gestão ortodoxa do “tripé” macroeconômico estão propondo redução da meta de inflação e Banco Central independente, o que subtrai do debate público as decisões sobre o núcleo da política econômica. Esta tarefa caberá apenas para alguns iluminados representantes do poder financeiro. Redução da meta de inflação significa juros estratosféricos. A primeira consequência é a recessão e seus reflexos negativos no mercado de trabalho: aumento do desemprego e do trabalho informal, estancamento da mobilidade social ascendente dos últimos anos, redução da renda das famílias e aumento das desigualdades da renda do trabalho. Esses processos realimentarão o ciclo perverso da recessão.

A segunda consequência é a explosão da dívida pública. Isso exigirá a ampliação da meta de superávit primário, o que restringirá o gasto público em infraestrutura e em políticas sociais, gerando mais recessão. Surgirão novas pressões pela privatização do pouco que restou do patrimônio nacional (Petrobras, Banco do Brasil, Caixa etc.). O aumento dos encargos financeiros inviabilizará a manutenção da política de valorização do salário mínimo e exigirá novas rodadas de reformas para suprimir direitos sociais universais (previdência, saúde, educação etc.).

A terceira consequência é a valorização do câmbio, que afetará negativamente a competitividade da indústria nacional, agravando a persistente heterogeneidade estrutural da produção e do emprego. Esses são apenas alguns dos estragos facilmente previsíveis. Não há nada de “nova política”. É a velha política exigida pelos mercados desregulados que levaram à crise financeira internacional de 2008. É a velha política de austeridade que está sendo praticada na Europa hoje. É a velha política desastrada adotada por Collor e FHC nos anos de 1990. Para saber o que vai acontecer no futuro, os eleitores deveriam estudar o que aconteceu no Brasil dos anos de 1990.

O eleitor que “quer mudanças” precisa entender que a “nova política” ouve as vozes dos mercados e não as vozes das ruas. Quando isso ficar claro, a insatisfação popular será ampliada colocando novos desafios para a política e para a nossa democracia em construção. Enfrentar esses desafios não será tarefa fácil num governo de “homens bons” que renega a política e os partidos.

Por que é tão difícil superar as barreiras impostas pelo neoliberalismo, principalmente nas áreas sociais?

É difícil porque o neoliberalismo nunca foi tão hegemônico no mundo como na atual etapa da concorrência capitalista no contexto da globalização e da dominância das finanças. Com a crise internacional de 2008, isso se reforçou. Nessa crise, o Estado teve que salvar o capitalismo dos capitalistas. Quando achávamos que o fracasso no neoliberalismo era patente, ele se tornou ainda mais forte em escala global. É só ver a força das políticas de austeridade e consequente desmonte da proteção social que esta ocorrendo nos países centrais.

No campo social o que se faz hoje é o chamado “Piso Básico de Proteção”, que surgiu a partir da crise de 2008. Isso é receitar, inclusive para os países desenvolvidos atingidos pela crise, o estado mínimo. Com nova embalagem, estão receitando o mesmo remédio que impuseram para os países subdesenvolvidos desde os anos de 1980: programa de transferência de renda em substituição ao estado de bem-estar social. Sabe por quê? Você acha que eles estão preocupados com a pobreza e o bem-estar social? Autoengano. Receitam esse remédio porque políticas focalizadas são baratas (0,5% do PIB) e, por isso, funcionais para o ajuste macroeconômico ortodoxo que está sendo praticado. No Brasil ocorrerá o mesmo: venderão a ilusão de que para promover “desenvolvimento social” não é preciso crescimento econômico, geração de empregos com carteira assinada, aumento do salário mínimo, transferência de renda da seguridade social e enfrentar o acesso desigual aos bens e serviços sociais. Bastam políticas focalizadas de transferência de renda aos “pobres”. De novo revisitem a história e analisem o que ocorreu por aqui nos anos de 1990.

Você tem afirmado que é preciso a formulação de uma agenda de transformação que consolide as conquistas recentes e caminhe para além. Seria uma nova etapa de formulação de políticas sociais? Entrariam nessa fase a retomada das reformas estruturantes 50 anos depois?

Primeiro é preciso considerar que na década passada foram feitos avanços importantes na questão social. Vários indicadores mostram isso. Mas a despeito desses avanços, que devem ser saudados, a questão social no Brasil ainda continua grave. Esses anos recentes não foram suficientes para apagar as marcas profundas da nossa desigualdade, que tem a ver com nosso passado escravocrata, com déficit de democracia e com o fato de sermos um país de industrialização tardia. As múltiplas faces das desigualdades sociais são o principal problema a ser enfrentado pela agenda de desenvolvimento do século 21.

O índice de Gini caiu, mas ainda somos um dos vinte países mais desiguais do planeta. A concentração da riqueza e do patrimônio são extremamente elevadas. Nunca fizemos a reforma agrária, e a concentração da propriedade rural é espantosa. Apesar dos instrumentos criados pela Constituição de 1988, a reforma urbana nunca foi enfrentada em nosso país. Aumentar o IPTU é visto pela elite como “política bolivariana”. A injustiça do sistema tributário é gritante. Ao contrário de países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), por exemplo, renda, lucro, herança e patrimônio não são taxados.

Desde os anos de 1990 as remessas de lucro para o exterior não pagam imposto e o agronegócio é isento de contribuir para a previdência rural. Em linhas gerais, o sistema atual foi criado pela ditadura em 1966. É regressivo, pois taxa o consumo que incide sobre os mais pobres. Estudos revelam que metade dos rendimentos dos mais pobres é consumido por impostos. O problema fiscal brasileiro não é que a carga tributária é elevada. O problema é que ela incide sobre o consumo e não sobre a renda e o patrimônio. Isso não é bandeira socialista-bolivariana, é o padrão da OCDE.

Criamos milhões de empregos, grande parte em setores de baixa qualidade (como construção civil e serviços) e baixos salários. Não estamos criando emprego na indústria com maior valor agregado. A heterogeneidade estrutural da estrutura produtiva e do mercado de trabalho ainda persiste nos dias que correm. E temos também as desigualdades de acesso aos bens e serviços sociais básicos, tanto em termos regionais, quanto entre classes sociais. Por exemplo: 60% dos domicílios urbanos não têm coleta de esgoto. Isso é a média nacional. Se pegarmos as capitais do Nordeste, isso não passa de 20% das residências.  Na saúde, educação, habitação e mobilidade, por exemplo, essas desigualdades (regionais e entre classes sociais) de acesso também estão presentes.

Pensar o futuro do Brasil envolve enfrentar esses pontos que são extremamente complexos e difíceis, com soluções de médio e longo prazo, na contramão das forças do poder econômico, com uma correlação de forças totalmente desfavorável. Mas não há outro caminho a seguir caso se queira um país verdadeiramente justo e civilizado. O que mais me preocupa e me deixa abeira de um ataque de nervos é que a agenda proposta pelos setores da oposição caminha exatamente na direção oposta. Adeus desenvolvimento! Adeus justiça social.

Esse “novo olhar” sobre as dimensões social e econômica do desenvolvimento deve contemplar, inevitavelmente, quais eixos nessa nova agenda?

Geração de emprego de qualidade e renda. Manter a política de valorização do salário mínimo, fazer a reforma tributária, que distribua, de fato, as riquezas. Fazer a reforma urbana. Como disse a professora Ermínia Maricato, não basta distribuir a riqueza, tem que distribuir a cidade. Existem duas cidades: a visível (dos ricos) e a cidade “invisível” (da maioria da população). A reforma agrária continua sendo uma reforma importante no Brasil. Somos um dos poucos países capitalistas que não fez reforma agrária. Temos de universalizar a cidadania social. Reitero, aproveitar que o Brasil é um dos poucos países que apesar do neoliberalismo não destruiu seus sistemas universais, como saúde e educação. O desafio para o futuro é integrar as políticas universais com as políticas de combate à pobreza. O SUS também tem que chegar aos mais pobres. Tem que ser um sistema universal que, de fato, chegue a todos.

Quais são os grandes inimigos desse processo de renovação de lutas?

Não conseguiremos fazer coisa alguma do que falei se não fizermos uma reforma política. Esqueça saúde, educação, transporte, saneamento e todo o resto. Sem reforma política não dá. Não sou especialista, mas vou dar um exemplo: o chamado presidencialismo de coalizão obriga o presidente, assim como os prefeitos e os governadores, a compor com 34 partidos, que não são ideológicos nem programáticos. Para ter maioria é preciso conciliar com interesses totalmente antagônicos. Como que um governo progressista pode levar à frente um programa de transformação tendo essa composição política? Esse é só um exemplo. Sem falar na democratização da mídia, no financiamento público das campanhas etc.

Outra questão é como mudar a política macroeconômica baseada no tripé juros, câmbio e meta de inflação, com Banco Central independente? Sem isso, esquece desenvolvimento com dimensão social.

Outra questão fundamental é o fortalecimento do papel do Estado. O papel do setor privado é gerar lucro. Não cabe a ele transformar um país com profundas desigualdades históricas em um país justo e civilizado.

Como se sabe, em sociedades de capitalismo tardio, o Estado cumpre tarefas essenciais no planejamento de ações de longo prazo, financiamento dos projetos estruturantes e coordenação dos investimentos públicos e privados. Não há na história econômica do capitalismo nenhum caso de país que tenha se desenvolvido sem o concurso expressivo de seu estado nacional.

Mesmo com dúvidas e incertezas, cabe ao campo progressista ampliar os diálogos na perspectiva de se construírem consensos em torno de um projeto identificado com as reivindicações da sociedade. A tarefa é complexa, tanto pelo caráter estrutural dos fenômenos quanto pelo conservadorismo das elites, num contexto em que a correlação de forças favorece as finanças globalizadas. Todavia, não há outro caminho a seguir, caso os setores progressistas queiram, de fato, enfrentar o mal-estar contemporâneo exposto pelas ruas. A vitória nas eleições de 2014 será uma nova oportunidade que não pode ser mais uma vez perdida. Com a derrota, estaremos, momentaneamente, desistindo do Brasil.

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