Tema pouco debatido nesta campanha eleitoral é a proposta de política externa dos candidatos. Somos grandes exportadores de produtos agropecuários, minerais e, em proporção menor, de manufaturados.
Nossa indústria depende da importação de componentes, maquinário e serviços do exterior. Há ainda o consumo de bens finais importados que, pela valorização do real, colaboram para diminuir o ritmo de investimentos produtivos, ao mesmo tempo em que mitigam a elevação dos preços.
Além disso, a entrada e saída de capitais como investimentos diretos, aplicações especulativas, empréstimos e emissão de papéis são tão ou mais importantes que o saldo do comércio internacional brasileiro. Tais pontos, mais vinculados à economia interna, não resumiriam todos os aspectos a serem tratados por nossos representantes no exterior.
As relações interestatais também impõem desafios. Estamos sujeitos a uma zona de influência internacional que nos limita a autonomia sobre a política externa. Os Estados Unidos nos “protegem” com a Quarta Frota e espionam nosso governo.
Economicamente, como muitos países, estamos submetidos a um fluxo de liquidez controlado em última instância pelo banco central norte-americano. O que torna nossa situação bem menos confortável é o fato de nossa moeda não ser conversível, o que, conforme a absorção externa de divisas, poderia fragilizar a economia, obrigando o País a submeter-se outra vez às imposições de seus credores.
Dessa maneira, os EUA são ator da maior relevância com o qual o Brasil deve lidar habilmente. Não se trata de um demônio a nos tolher a iniciativa, mas de uma nação hegemônica que põe seus interesses à frente de qualquer outro em sua tradicional área de influência, a América Latina.
Rússia e China
Novos desdobramentos internacionais, por outro lado, sinalizam mudanças na divisão do poder geopolítico mundial. No leste, a Rússia demonstrou não submeter-se a pressões norte-americanas e europeias.
A incorporação da Crimeia àquele Estado e as “independências” da Abcásia e Ossétia do Sul em relação a Geórgia – apesar da contrariedade dos Estados Unidos e União Europeia – não devem ter seu status revertido.
Mais ao oriente, a China, apesar de seu atrelamento econômico a norte-americanos e europeus, vem estabelecendo uma agenda própria para a expansão de seus negócios na África, América Latina e Leste Asiático. Suas capacidades bélicas também adquiriram grande avanço sobre bases tecnológicas próprias.
O que se destaca é o fato de que, desde o fim da Guerra Fria, nenhum desses dois países, Rússia e China, parecem estar acuados ou ter suas ações totalmente vetadas pelas potências do Ocidente.
Ambos, além de considerável poder militar e capacidade aeroespacial, têm condições de impor elevado custo àqueles que queiram aplicar sanções econômicas rigorosas ou coagi-los belicamente. Não há, dessa maneira, como determinar diretrizes de política externa para o Brasil sem considerar o novo peso que têm essas duas potências no sistema interestatal.
Não há como esquecer, além disso, de que a intensificação das relações internacionais brasileiras junto a outros países da periferia é tão ou mais importante quanto aquelas tidas com o centro do poder mundial.
O recente reforço às relações Sul-Sul, alargando a integração regional e buscando estabelecer relações mais próximas junto aos países árabes e africanos, vem ajudando a incrementar o comércio exterior e favorecendo a ampliação da força política brasileira nos fóruns internacionais. Exemplo claro dessa atuação é o notável poder de barganha obtido com o G-20 dentro da OMC.
Enfim, há diferentes opções para uma política externa mais autônoma que preserve boas relações, mas que não seja atada aos Estados Unidos e/ou países da UE.
O cenário internacional nos impõe limites, mas sua configuração vem se modificando e adquirindo delineamentos que nos oferecem alternativas.
Banco dos BRICS
A última iniciativa do grupo dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) de instituir o Novo Banco de Desenvolvimento e o um Fundo de Reservas de Contingência nos permitirá estabelecer proteção adicional em relação à nossa vulnerabilidade monetária, ao mesmo tempo em que teremos nova possibilidade de financiamento desvinculada dos credores de Wall Street.
Além disso, a associação do Brasil a outros Estados também subdesenvolvidos amplia ainda mais o leque de possibilidades políticas e econômicas.
Nos governos Lula e Dilma pudemos assistir à retomada desse tipo de política externa, mais independente do que a praticada anteriormente. Nestas eleições, ao nos debruçarmos sobre o programa do candidato Aécio Neves, verificamos pouca concretude de propostas.
Infelizmente, é superficial para um debate mais profundo: informa que concluirá acordos junto à Europa e lançará bases para outro com os EUA, mas não especifica sob que termos o fará. No passado, não tivemos boa experiência com os termos da abertura comercial e financeira feita pelo governo FHC.
A proposta da candidata Marina Silva, por outro lado, põe em relevo os feitos realizados em período recente, contudo, ao final, há a afirmação de que o Itamaraty foi esvaziado, partidarizado e influenciado ideologicamente: ou seja, fez-se tudo certo, mas está tudo errado. A exposição deste quesito programático é, no mínimo, contraditória.
Entendemos que a política externa em curso e as propostas dos outros dois principais candidatos à Presidência mereceriam debate mais amplo. O escrutínio dos projetos e a crítica à condução atual poderiam, dessa forma, facilitar a escolha do candidato mais adequado, pois aquele que for eleito terá de lidar com desafios exteriores que podem oferecer tanto oportunidades históricas de desenvolvimento, quanto vicissitudes que comprometeriam qualquer programa de governo, como mostra nossa própria história.
Crédito da foto da página inicial: EBC
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