Nota pública
A Associação Brasileira de Economistas pela Democracia (ABED) vem a público externar sua indignação quanto à condenação em primeira instância, no dia 28 de fevereiro de 2019, do ex-reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) professor Carlos Antônio Levi da Conceição à pena de quatro anos e oito meses de prisão por suposto crime de peculato. A justiça considerou criminosa a autorização dada pelo professor, quando no exercício do mandato de reitor, do pagamento de taxa de administração de 5% – de um montante total de aproximadamente R$ 40 milhões doados pelo Banco do Brasil à universidade entre 2007 e 2010 – à Fundação José Bonifácio (FUJB).
Em nossa visão, tal decisão, ao considerar criminosa a remuneração das fundações pelos serviços de gestão e controle financeiro de recursos extraorçamentários das universidades, ignora o funcionamento daquelas instituições e o papel fundamental de apoio às universidades por elas desempenhado. Uma eventual consolidação desse entendimento no âmbito judicial representará a destruição da capacidade das universidades públicas de realizarem seus projetos de ensino, pesquisa e desenvolvimento institucional.
Há duas formas especialmente eficazes de sabotar o bom funcionamento de instituições públicas de ensino superior. Uma delas é a asfixia financeira, que se dá quando os governos reduzem os recursos disponíveis para gastos da instituição. A outra forma é pela imposição de amarras legais impróprias sobre seus gestores, que levam a punições também impróprias sobre seus atos, fazendo com que a inércia administrativa se instale nas instituições, motivada pelo medo. O episódio mais recente desta onda de ataques às universidades consegue combinar estes dois métodos.
Fundações de apoio foram criadas justamente porque as instituições de ensino e pesquisa públicas, por sua própria natureza jurídica, não eram capazes de gerir seus recursos extra-orçamentários com a agilidade, eficiência e transparência compatíveis com as demandas de uma comunidade científica produtiva e dinâmica. Naturalmente, os serviços de gestão e controle financeiros, bem como de apoio administrativo, jurídico e contábil oferecido pelas fundações de apoio às universidades, geram custos não desprezíveis. Tais custos devem ser ressarcidos pelas instituições de ensino que se beneficiam desse serviço, razão pela qual o pagamento de taxas de administração às fundações é uma prática absolutamente ordinária nas universidades.
Em nosso entendimento, não há quaisquer indícios de que o ex-reitor Levi tenha agido contra os interesses da UFRJ. O professor Levi, no exercício ordinário de suas funções, simplesmente autorizou que fosse feita à fundação de apoio (FUJB) o pagamento pelos serviços prestados por ela à universidade, como sempre fizeram e ainda o fazem todos os gestores de instituições de ensino superior no país, agindo em conformidade com as leis e visando ao bom funcionamento de suas instituições. Tratar o professor como criminoso é um equívoco e uma covardia inaceitáveis, tal como foi inaceitável o massacre à honra do reitor Cancellier, da Universidade Federal de Santa Catarina, que infelizmente suicidou-se após os lamentáveis episódios.
Assim, num momento em que os recursos orçamentários disponíveis às universidades públicas estão sendo violentamente reduzidos pelos governos federal e estaduais, a criminalização dos serviços prestados pelas fundações de apoio para a captação e gestão de recursos extraorçamentários representa uma ameaça grave. Por isso, em defesa do ensino superior público, gratuito e de qualidade, em defesa do desenvolvimento científico no nosso país e em defesa da dignidade humana nos manifestamos em solidariedade ao ex-reitor Carlos Levi e declaramos o nosso repúdio por sua condenação.
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