O Brasil viu surgir, no final do século 20, um fenômeno novo, que recebeu o nome de economia solidária e que foi acarretado pelo grave problema social que acometia a sociedade brasileira (bem como outros países da América Latina) naquele momento: um enorme contingente de pessoas vivendo em situação de pobreza (e até de miserabilidade).
Estas pessoas faziam parte de um grupo vítima de problemas como a concentração de rendas, de terras e de um Estado que não tinha se dedicado a promover um modelo de crescimento capaz de incluir a todos no mercado de trabalho.
Encontravam-se, naquele momento, em situação de desemprego (ou subemprego) e viviam uma difícil situação de exclusão econômica e social, pois nem mesmo tinham conseguido se inserir no mercado de trabalho.
Também fez parte deste fenômeno um outro grupo, formado por aqueles que, devido à grave crise econômica do último quarto do século, encontravam-se em vias de se somar ao grupo dos excluídos, já que viam reduzir drasticamente, os postos de trabalho (especialmente o emprego formal), e aumentar a precarização do trabalho.
Desta forma, a economia solidária se conformou por iniciativas dos próprios trabalhadores, empenhados em buscar soluções para sua situação de vulnerabilidade econômica e social e, portanto, para sua sobrevivência e de sua família.
E neste intuito, estes trabalhadores formavam empreendimentos, conforme descrevem Laville e Gaiger [LAVILLE, J. L; GAIGER, L. I. Economia Solidária. In: HESPANHA, P. et all. Dicionário Internacional da outra Economia. SP: Ed. Almedina, 2009]:
“coletivos de geração de renda, cantinas populares, cooperativas de produção e comercialização, empresas de trabalhadores, redes e clubes de troca, sistemas de comércio justo e de finanças, grupos de produção ecológica, comunidades produtivas autóctones, associações de mulheres, serviços de proximidade, etc.”.
E pode-se dizer que em virtude disso, o professor Paul Singer [SINGER, P. Economia Solidária: um modelo de produção e distribuição. In: SINGER, P.; SOUZA, A.R. (Org.). In: A Economia Solidária no Brasil: a autogestão como resposta ao desemprego. São Paulo. Contexto, 2000] destacou que a economia solidária se apresentava, naquele momento, como uma alternativa ao desemprego.
Porém, o que diferenciava estas experiências de tantas outras que surgiam naquele momento (como os pequenos empreendimentos, que atuavam na linha do empreendedorismo, apoiados pelo Sebrae), é que os empreendimentos de economia solidária pautavam suas ações em uma lógica diferente: a partir de uma crítica ao modelo de produção capitalista, estas experiências passaram a formular e defender princípios opostos, como a solidariedade, a cooperação e a autogestão.
Em virtude disso, a economia solidária apresentava-se também, como uma alternativa ao próprio capitalismo.
Em suma, a palavra “alternativa” ganhou dupla função: a primeira, de ser uma alternativa à própria situação de desemprego e falta de renda dos trabalhadores excluídos (ou em vias de) do mercado de trabalho e, portanto, da própria possibilidade de poder ter acesso aos bens essenciais a sua sobrevivência.
Uma vez trabalhando em seus empreendimentos (coletivos), os trabalhadores, antes desempregados conseguiam obter trabalho e gerar a renda necessária para adquirir os bens de que necessitavam: alimentos, vestuários, moradia etc.
A segunda, como possibilidade de criação de outro sistema, enquanto realizava esta importante função, de inclusão social. Outro sistema capaz de, paulatinamente, substituir o capitalismo.
Isso porque uma vez que defendia (e procurava praticar) os princípios opostos àqueles praticados pelo sistema capitalista, a economia solidária buscava tanto questionar e romper com a lógica da competitividade, da alienação e da gestão centralizada no processo de trabalho.
Este é, sem dúvida, o lado positivo (bom ou bonito) da economia solidária – o lado da utopia (mesmo que uma utopia bastante concreta), quando se refere à geração de trabalho e renda.
No entanto, é preciso que se diga que, desde que surgiram, os empreendimentos de economia solidária enfrentam grandes dificuldades, seja para promover a inclusão social, papel para o qual (e do qual) nasceu, seja para criar uma sociedade alternativa ao capitalismo.
Tais dificuldades se devem a muitos fatores, mas dois podem ser citados como os que mais têm contribuído para tal: 1) estes empreendimentos enfrentam grandes dificuldades para se inserir no mercado – o que reduz sua capacidade de gerar trabalho e renda e, assim, promover a inclusão social; 2) a economia solidária tem tido muita dificuldade para se articular de maneira que possa mobilizar uma gama maior de pessoas, que estejam dispostas a colaborar na construção desta nova sociedade.
É importante que se diga que estas questões foram levantadas aqui não com o intuito de diminuir o papel da economia solidária ou mesmo de reduzir sua importância. Ao contrário, o principal objetivo, ao chamar a atenção para elas, é mostrar que é preciso discutir e buscar soluções para tais problemas.
Para finalizar, é devido a isso que os atores da economia solidária vêm chamando a atenção para as fragilidades dessa economia e também para a necessidade do apoio e fomento das políticas públicas, que possam atuar no sentido de minimizar tais dificuldades e promover uma conscientização acerca do importante papel da economia solidária.
Além disso, há que se admitir que o próprio Estado pode se colocar como um ator importante na atuação junto à economia solidária, seja fornecendo crédito, ou tornando-se um dos principais demandantes, ou ainda como formador e ativista da economia solidária.
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