Fiz uma revisão em forma do meu livro “Economia em 10 Lições”, lançado há vinte anos. Transformei-o em livro eletrônico com Sumário em hiperlinks para ser lido e consultado mais facilmente cada assunto de seus capítulos e tópicos. Baixe-o gratuitamente no final deste post.
O homem não é nem um átomo nem um rato de laboratório. Embora, repetidamente, nos sintamos alvos de experiências de cientistas sociais, temos algo capaz de nos distinguir das cobaias: a racionalidade individual. Ela nos permite unir com nossos semelhantes e reagir, defensivamente, mudando nosso comportamento coletivo.
Quebrada a regularidade da maneira de nós comportarmos, fracassam os testes das leis sociais. Obrigamos os cientistas sociais – entre eles, os economistas – a repensarem, periodicamente, o conjunto de atitudes e reações do indivíduo em face do meio social.
Assim como nada pode surgir do nada, o ambiente socioeconômico resulta de nossos distintos procedimentos. Os cientistas sociais adeptos do individualismo metodológico consideram nossas condutas individuais como um ponto de partida da mesma forma como os laboratoristas consideram os átomos.
A etimologia da palavra átomo diz ela derivar do grego, com o sentido de “indivisível”. É uma coisa pequeníssima, insignificante, uma partícula mínima de matéria, antes considerada impossível de ser divisível. Todas as substâncias são formadas de átomos. Eles podem se agrupar, formando moléculas. Existe, na sociedade, uma infinidade de “átomos” diferentes em termos metafóricos. Combinados, eles podem dar origem a corpos sociais os mais diversos.
Devemos levantar uma questão famosa dentro da filosofia das Ciências Sociais: a do monismo metodológico. Existe um método científico aplicável a todas as ciências, independentemente de seu campo de estudo? Ou a Ciência Social deve empregar uma lógica de investigação própria?
Existem muitos cientistas sociais em busca na Filosofia da Ciência das melhores maneiras de imitar a Física, a Química e a Biologia. Porém, também existem alguns convencidos de a Ciência Social possuir uma compreensão intuitiva de seu campo de estudo de alguma forma negada aos cientistas da área física.
Foi Karl Popper quem anunciou a doutrina do monismo metodológico: “todas as ciências teóricas ou gerais devem usar o mesmo método, sejam ciências naturais ou ciências sociais”. Ele prescreveu um princípio de individualismo metodológico para as Ciências Sociais: “a tarefa da teoria social é construir e analisar cuidadosamente nossos modelos sociológicos em termos descritivos ou nominalistas; isso quer dizer, em termos de indivíduos, de suas atitudes, expectativas, relações etc.” O leitor principiante não deve se sentir confuso com esse egocentrismo.
Por trás do movimento dos átomos não há determinada “intenção”. Ao contrário dos agentes econômicos racionais, os átomos não têm consciência, um atributo altamente desenvolvido na espécie humana. Ele se define por uma oposição básica: é o atributo pelo qual o homem toma em relação ao mundo (e, posteriormente, em relação aos chamados estados interiores, subjetivos) aquela distância teórica onde cria a possibilidade de níveis mais altos de abstração e integração.
Os cientistas sociais buscam o conhecimento com base nesse atributo: a faculdade humana de estabelecer julgamentos morais dos atos realizados, o conhecimento imediato da sua própria atividade psíquica, a racionalização dos acontecimentos.
Os homens têm conhecimento, noção, consciência de sua atividade social, demonstrada pelo cuidado com o qual executam um trabalho, cumprem um dever, pelo senso de responsabilidade apresentado. Enfim, são virtudes humanas a honradez, a retidão, a probidade.
A consciência moral é a faculdade de distinguir o bem do mal, da qual resulta o sentimento do dever ou da interdição de se praticar determinados atos, e a aprovação ou o remorso por havê-los praticado. Porém, a Ciência Social pesquisa a consciência coletiva: o conjunto de representações, de sentimentos ou de tendências não explicáveis pela psicologia de cada indivíduo, mas pelo fato de haver agrupamento social de indivíduos. Infelizmente, em sociedade, certos indivíduos podem pôr a consciência à venda: oferecê-la a quem der a mais alta recompensa…
“Um homem só satisfaz seu desejo humano quando outro homem lhe reconhece um valor humano. Em outras palavras, o homem só pode manter-se em um plano humano em relação com outros homens. A essência humana não pode manifestar-se no indivíduo isolado, pois o indivíduo só é propriamente indivíduo, indivíduo humano, em comunidade. Nesse trajeto necessário da consciência individual para a pluralidade de consciências, Hegel revela, ainda sob forma idealista, a natureza social do homem. O indivíduo não basta a si mesmo; não pode ficar trancado em sua subjetividade individual sem renunciar a sua natureza humana, pois só socialmente ele é indivíduo humano” .
Diante do exposto até aqui, torna-se possível apresentarmos dois pontos de partida metodológicos. O Princípio do Individualismo Metodológico estabelece as explanações sobre os fenômenos sociais, políticos ou econômicos somente deverem ser consideradas adequadas se colocadas em termos de crenças, atitudes e decisões dos indivíduos. O Princípio do Holismo Metodológico postula os conjuntos sociais terem objetivos ou funções não possíveis de ser reduzidos às crenças, atitudes e ações dos indivíduos tomadores de decisões.
Do lado do holismo, o argumento é quando as ações humanas forem delimitadas e impulsionadas por normas e formarem o campo de estudo da investigação social, a explanação na Ciência Social deverá ocorrer em termos das motivações e intenções de indivíduos, moldadas por regras e instituições. Nesse caso, o tipo de conhecimento apropriado para a investigação social somente pode ser obtido aprendendo-se essas regras e instituições – fatos irredutíveis da sociedade.
Do lado do individualismo metodológico, há a proposição segundo a qual os indivíduos criam todas as instituições sociais e, portanto, os fenômenos coletivos são simplesmente abstrações hipotéticas, derivadas das decisões de indivíduos reais. No limite, a dedução é todas as concepções da Sociologia, da Política e da Economia são redutíveis àquelas da Psicologia Comportamental. Na realidade, é falsa a sensação de nossa personalidade individual possuir um núcleo constante, com base no qual se pode generalizar teoricamente.
Adotamos qual método no livro “Economia em 10 Lições”? Pareceu-me mais sensato aceitar a tarefa principal das Ciências Sociais teóricas ser a de identificar as repercussões sociais involuntárias das ações humanas intencionais. Essa doutrina das consequências não intencionais sugere haver proposições sobre conjuntos mais além da mera soma de proposições acerca das partes constituintes.
Este é o chamado Sofisma da Composição. Por exemplo, em Economia, o mecanismo de mercado pode ser visto como a consequência social não planejada das interações das decisões individuais, impulsionadas por motivos puramente egoístas em busca dos próprios interesses. Podem ser inconsistentes entre si e gerar problemas macroeconômicos.
Essa postura não implica nos restringirmos ao estudo dos subprodutos das ações individuais. Devemos também focar as teorias proponentes das melhores tomadas particulares de decisão. Em termos de teoria econômica, não devemos nem excluir todas as proposições macroeconômicas não redutíveis aos seus fundamentos microeconômicos, nem eliminar a análise das regras, normas e instituições capazes de conformarem o contexto macroeconômico, dentro do qual se insere a decisão microeconômica.
A Microeconomia se ocupa da forma pela qual as unidades individuais componentes da economia agem e reagem umas sobre as outras. Evidencia as decisões particulares ex-ante. A metáfora usual é: “estuda as árvores, mas não a floresta”. A Macroeconomia focaliza o comportamento do sistema econômico como um todo. Tem como objeto de estudo as relações entre os agregados estatísticos. Enfoca o resultado sistêmico ex-post da pluralidade de decisões particulares.
Tal ideia de repartição do conhecimento econômico entre decisões microeconômicas e problemas macroeconômicos resultantes distingue os acontecimentos e as situações esperadas de ocorrer em um intervalo ainda futuro de tempo, daqueles acontecimentos e as situações de fato surgidos no decorrer desse intervalo. Eles são incorporados pela história. No primeiro caso, têm-se as expectativas. No segundo, a satisfação ou a frustração dessas expectativas.
Baixe o livro e compartilhe gratuitamente o livro eletrônico em pdf: Fernando Nogueira da Costa – Economia em 10 Lições – 2a. Edição 2020
Crédito da foto da página inicial: Arquivo/Agência Brasil
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