“O fascista fala o tempo todo em corrupção. Fez isso na Itália em 1922, na Alemanha em 1933 e no Brasil em 1964. Ele acusa, insulta e agride, como se fosse puro e honesto. Mas o fascista é apenas um criminoso comum, um sociopata que faz carreira na política.
No poder, essa direita não hesita em torturar, estuprar e roubar sua carteira, sua liberdade e seus direitos. Mais do que a corrupção, o fascista pratica a maldade.”
Norberto Bobbio
Há dois temas massificados pela mídia hegemônica como os grandes males do Brasil, a corrupção e a suposta farra fiscal da era PT no governo. Os roubos e desvios supostamente apurados na Lava Jato são apregoados como o maior escândalo de corrupção da história do Brasil. Por outro lado, os problemas na economia se sustentam, pela narrativa hegemônica, na ideia de que o orçamento público funcionaria como uma família ou firma, não podendo o governo gastar mais do que aquilo que arrecada.
A construção do discurso midiático procura entrelaçar as temáticas e construir a ideia subjacente de que um governo cuja estratégia econômica esteja centrada no dispêndio público é intrinsecamente corrupto. Impõe-se no imaginário popular que o governo gasta demais não porque seria necessário, mas porque existiria um custo implícito relativo à corrupção em cada gasto público.
Os que acreditam no que dizem os grandes órgãos de imprensa têm a certeza de que, sem os corruptos, estaríamos na Suécia. Ou seja, mesmo que os economistas ortodoxos mais sérios não coadunem com a formulação, vende-se subliminarmente a ideia de que uma vez resolvida corrupção, as eventuais necessidades de ajuste fiscal seriam minoradas.
A construção deste cenário cumpre o papel de manter o funcionamento da economia em favor do um por cento mais rico. Enquanto se mantém a sociedade inebriada diante de sucessivos escândalos, pautas que jamais seriam aprovadas se efetivamente submetidas ao escrutínio popular avançam sem barreiras no Governo e no Congresso, onde é difícil definir onde começa um e onde termina o outro.
A Emenda Constitucional do Teto de Gastos recém-aprovada no Congresso Nacional foi qualificada como “uma medida ‘radical’ e sem ‘compaixão’, que vai atar as mãos dos futuros governantes e que terá impactos severos sobre os brasileiros mais vulneráveis, além de constituir uma violação de obrigações internacionais do Brasil” pelo relator especial para extrema pobreza e direitos humanos da ONU, Philip Alston.
Uma nota de diversos professores de economia da UFRJ e a manifestação da congregação do Instituto de Economia da Unicamp contra a PEC mostram que a medida está longe de ser um consenso entre os economistas. Aqueles favoráveis ao novo regime fiscal inscrito na Constituição não apresentaram um documento capaz de refutar o estudo ‘Austeridade e Retrocesso: Finanças Públicas e Política Fiscal no Brasil’ elaborado por iniciativa do Fórum 21, Fundação Friedrich Ebert, GT de Macro da Sociedade Brasileira de Economia Política (SEP) e Plataforma Política Social, de modo que não há argumento sério que sustente o discurso da gastança desenfreada.
O discurso propagado pelos especialistas ligados à banca (usando os termos do Kalecki) de que os gastos públicos devem ser contidos obviamente não se restringem ao congelamento apresentado na emenda do teto dos gastos. Sob um discurso, normalmente explicitado apenas nos debates acadêmicos, de que a nossa previdência social seria muito generosa, faz-se dos gastos previdenciários o grande vilão das contas públicas e tenta se impor uma reforma em que uma aposentadoria integral só será obtida em idade acima da expectativa de vida de diversos estados brasileiros.
A blitzkrieg conservadora não irá se restringir a estes pontos. Já foram anunciadas discussões sobre modificações na legislação trabalhista e, mais recentemente, um novo Refis perdoando as empresas sonegadoras (e ainda há cínicos que dizem que era preciso afastar o PT para acabar com a corrupção). O pacote de maldades pretende devolver a maioria da população trabalhadora para condições anteriores à era Vargas.
O golpe de estado não foi apenas para retirar o PT do governo, mas para devolver o Brasil a uma condição subalterna no jogo internacional. A cooperação do Ministério Público Federal, no âmbito da Lava Jato, diretamente com as autoridades estadunidenses sem intermediação do poder executivo brasileiro tiveram como consequência direta o desmonte da cadeia do petróleo e gás no país e o enfraquecimento do programa nuclear brasileiro. A inflexão nas relações internacionais do Brasil pós golpe, com esvaziamento do BRICS e do Mercosul e realinhamento automático com os EUA, deixa claro: o Brasil foi derrotado numa guerra não convencional.
O que talvez não esteja sendo levado em conta pelas elites é que as tímidas mudanças promovidas pela era PT no governo trouxeram à maioria do povo uma experiência de que a miséria não é condição natural, que a pobreza não é inexorável. A maioria das reformas necessárias de fato não foi feita, mas houve uma sensação de melhora experimentada pelas pessoas. Após o golpe, tem se seguido, e se acentuará, uma deterioração das condições de vida, some-se a isto a iminente retirada de direitos históricos dos trabalhadores brasileiros e perceberemos que inevitavelmente ocorrerá uma convulsão social.
O caldo de cultura para revolta popular tende a se acentuar com a megadelação da Odebrecht, que aumentará o descrédito geral da política. Figuras proeminentes de todas as agremiações políticas aparecem na denúncia – à exceção, diga-se, da presidenta afastada, Dilma Rousseff. As redes sociais e a mídia alternativa tendem a desconstruir a imagem dos caçadores de corruptos que fecharam os olhos ao escândalo mãe da Lava Jato – o caso do Banestado –, que recebem salários nababescos acima do teto permitido ao serviço público e confraternizam sorridentes ao lado de ex-presidenciáveis e outros políticos do PSDB.
Se o cenário nacional é de desordem, a conjuntura internacional nos aponta caminhos assustadores. Há um crescimento registrado por diversos analistas da extrema-direita na Europa, para ficar em alguns exemplos: o Brexit, apesar de apoios pontuais de grupos de esquerda, foi liderado pelo partido xenófobo UKIP, a França vê a figura de Marine Le Pen liderar as pesquisas presidenciais e a Áustria viveu uma apertada vitória do candidato ecologista, Alexander Van der Bellen, com 53,6% dos votos contra 46,4% de Hofer, o candidato da extrema-direita. E como se isso não fosse suficiente, Donald Trump, com seu discurso muito semelhante a tudo que foi documentado sobre o fascismo, foi eleito presidente dos EUA.
Neste quadro geral, as perspectivas para a sociedade brasileira não parecem nada animadoras. Se as instabilidades políticas não forem suficientes para a ebulição social, o ataque midiático que mantém a esquerda no córner pode levar a eleição de um fascista em 2018.
Caso não haja tempo e o povo de fato se revolte, as elites e suas vivandeiras de quartel não hesitarão em orquestrar um novo golpe militar, há quem diga que poderemos ter em breve o Presidente Sérgio Etchegoyen. É preciso organizar a luta, não serão cirandas que vão conter os ímpetos autoritários.
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