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  • Foto do escritorWenderson Cavallari

Do fanatismo religioso, estimulado, à barbárie

Atualizado: 15 de ago.


Como diria o filósofo francês e iluminista Denis Diderot: ‘Do fanatismo à barbárie não há mais do que um passo’. No 8 de janeiro, a democracia brasileira, já ameaçada pela intolerância religiosa, chegou à barbárie pelas mãos de uma minoria bolsonarista

Após as eleições presidenciais de 2022, sobre os protestos bolsonaristas, Jair Bolsonaro em um pronunciamento leniente e omisso, disse: “Os atuais movimentos populares são fruto de indignação e sentimento de injustiça de como se deu o processo eleitoral”. Incoerente e ilógico utilizar termos como “indignação” e “injustiça”, uma vez que todo o processo eleitoral foi realizado dentro dos parâmetros da lei e com segurança.


Portanto, mais uma vez, colocou em xeque a confiabilidade do processo eleitoral e das urnas eletrônicas, uma atitude oposta ao compromisso verbal firmado com o povo brasileiro no primeiro debate presidencial realizado no Jornal Nacional, da Rede Globo.


No mesmo discurso, o ex-presidente mencionou que “as manifestações pacíficas sempre serão bem-vindas”. Isso em um momento em que a onda de protestos bolsonaristas de davam com muita violência, obstrução de rodovias, vandalismo e ações totalmente antidemocráticas que reverberaram gravemente no país, contribuindo para o clima tenso e o rumo incerto da nossa democracia nas últimas semanas.


Diante dos atos violentos, como em todo o seu governo de quatro anos, nada fez. Limitou-se a postar no Twitter que os atos terroristas “fogem à regra”, deixando “à mercê do freguês” a decisão sobre o andamento dos recentes atos.

A estratégia ardilosa


Não foi à toa que o país foi inundado pelo discurso bolsonarista que promovia princípios e valores cristãos, adicionalmente estimulando a aversão a tudo considerado não-cristão. Segundo o último censo do IBGE (2010), o Brasil tem aproximadamente 89% de sua população, um total de 169.390.915 pessoas, que se consideram cristãos, como se vê no gráfico a seguir.


Uma estratégia política digna do enredo da série “House of Cards”. Com forte auxílio dos algoritmos de machine learning e inteligência artificial, Bolsonaro aumentou sua visibilidade midiática, fez-se conhecido pelo povo e empregou crenças e princípios de uma grande porcentagem dos brasileiros em suas propagandas eleitorais – a dos cristãos – principalmente dos evangélicos, incentivados a um inflamado nacionalismo e à aclamação à pátria.


Evidentemente, aqui não se faz crítica à expressão de honra, amor e respeito à nação em si, mas à estratégia política de evocar o sentimento nacionalista como motor ideológico e da bandeira nacional como símbolo exclusivo de seu governo, crenças e filosofias.


Uma manipulação plausível para sua candidatura, mas divergente dos princípios constitucionais que este país possui como Estado laico, se deu, por exemplo, com a escancarada adoção do bordão dogmático “Deus, pátria e família”. Lema que inferia um Brasil que compartilha de sua fé e religião, o que, além de não ser democrático, foi também desrespeitoso com os 12% da população que possuem outras orientações religiosas (CENSO, 2010).


Um período sombrio à la Idade Média, pois, não suficiente o envolvimento religioso nos palanques e discursos políticos, as igrejas e comunidades religiosas no Brasil também se envolveram fervorosamente como fortes apoiadores de Jair Bolsonaro em seus cultos e liturgias, pedindo votos aos fiéis e, em alguns casos, até ameaçando-os de excomunhão caso não votassem no seu mais novo Messias.


Não obstante, a promoção da cosmovisão única e dogmatização da população teria mais tarde uma alienação em massa. Uma nação que ainda honra as suas raízes coloniais não teria uma abordagem diferente nesse cenário de promoção do ódio ao plural – tudo o que é diferente do “Novo Mundo” dos colonos: culturas, religiões, orientações sexuais e cores de pele distintas do homem branco, cristão e europeu.


Dessa forma, o ódio aumentou, principalmente às pessoas de outras religiões como as afro-brasileiras, visto em episódios contínuos de depredação, vandalização, destruição de estátuas, monumentos religiosos e terreiros em diversos lugares do país.


É incontestável que, nesse governo, a intolerância religiosa em suas diversas formas foi alimentada. Segundo dados do Ministério dos Direitos Humanos, somente em 2022 foram registrados 1.200 ataques aos praticantes das religiões de matriz-africana, número que comparado aos casos relatados em 2020 representa um aumento de 45%. E isso referente somente a fatos registrados.


Em adição a um Estado que se ensejou praticamente teocrático, vale ressaltar a negligência pública e jurídica frente ao aumento nos casos de intolerância e violência religiosa que mostra uma falha do governo ao não fazer cumprir os direitos humanos presentes em nossa constituição: o direito de liberdade à expressão de suas crenças e cultos religiosos – um lugar em que nenhuma religião deveria ser favorecida em detrimento de outras.


Contradição de valores e derrocada do governo


Não há nada oculto que não seja descoberto, dizem as escrituras bíblicas. É um sentimento de alívio ver que o popularizado homem cristão e político honesto, enfim, foi desmascarado. Apropriar-se de uma imagem forjada para persuadir boa parte do povo brasileiro não é somente uma marca pessoal incoerente é também antidemocrático, pois Bolsonaro representava qualquer outra coisa, exceto o que é considerado um caráter cristão genuíno. A religião cristã prega o amor ao próximo como um segundo mandamento e isso se viu claramente como oposto em seu mandato.


O que de fato se notou em seu mandato foi a escassez de caráter, de empatia, de diplomacia política, de conhecimento, de respeito às instituições democráticas, à ciência e, sobretudo, à vida de mais de 600 mil pessoas ignoradas e negligenciadas durante o COVID-19.


Em total negação aos resultados científicos sobre a não eficácia de cloroquina no combate ao COVID-19, muitas pessoas se entregaram ao delírio. No momento em que uma vacina de fato foi comprovada cientificamente, o governo do ex-presidente não se provou eficiente e preocupado em ser ágil na solução, mas postergou a compra das vacinas e inclusive foi alvo de investigações de desvio de verba para a obtenção das vacinas.


Em um momento de pânico global com a doença, o modo mais apropriado que ele encontrou de confortar a população foi dizer que ele tinha perfil de atleta e o COVID era somente uma “gripezinha”. Deu risada das pessoas que estavam sofrendo com falta de ar, um sintoma característico da doença, e ainda pronunciou que não era coveiro – omitindo sua responsabilidade em relação ao aumento dos números de morte por COVID.


O governo liberal que tanto prometeu nada entregou. Pode-se dizer que o mínimo feito foi a distribuição de renda mínima inspirada em Milton Friedman às famílias: o Auxílio-Brasil (previamente Bolsa Família) que foi uma forma de combater aos reflexos da crise sanitária pelo COVID-19. Dizem que brasileiro tem memória de peixe, pode até ser que tenha, mas é um desafio enorme trazer à memória qualquer outra coisa concreta e positiva que o governo do ex-presidente fez pelo Brasil.


E quanto à educação nacional, a que ponto foi levada, com tanto desleixo e rebaixamento? A primeira ação direcionada no início do Ministério da Educação de Bolsonaro foi uma questão ideológica – algo que estava muito longe da verdadeira prioridade educacional nacional. Logo após, houve muitos cortes de verbas, corrupção do Ministério envolvendo pastores evangélicos e uma notória evasão escolar.


Condições bem características de um governo distópico, pois todo o desmonte das estruturas educacionais e rebaixamento a um nível extremamente básico parecia projetar uma população ignorante e com pouca capacidade de pensamento crítico.


A insurreição e o caminho para o renascimento da democracia


Logo após a derrota nas eleições, Bolsonaro silenciou. A sua omissão e não cooperação com os resultados eleitorais foram danosos para a nossa democracia, gerando um cenário dubitável e obscuro: O resultado das eleições seria respeitado ou se seguiria um golpe de Estado?


Como diria o filósofo francês e iluminista Denis Diderot: “Do fanatismo à barbárie não há mais do que um passo”. No dia 08 de janeiro de 2023, a democracia brasileira, que já estava ameaçada pelo fanatismo, chegou então à barbárie com o ataque golpista de uma minoria bolsonarista.


Fatos recentes revelaram anotações do plano de ataque ao Estado e a participação de figuras políticas importantes no poder que fizeram possível a invasão do Palácio do Planalto, Congresso Nacional e o STF. Em uma tentativa de atentado semelhante ao ocorrido à Casa Branca, em Washington, DC, a força policial disponibilizada para o enfrentamento do atentado foi estrategicamente superestimada, ao passo em que poucos policiais estavam prontos para combater os atos que já haviam sido comunicados às autoridades competentes locais.


O atentado físico aos Três Poderes apenas materializou um ataque que já acontecia diariamente, com um governante que não respeitava os poderes e não conseguia se comunicar com eles. Essa pseudo-insurreição foi apenas a “cereja do bolo”. Bolsonaro alimentou um governo promotor do ódio, da aversão, da antidemocracia e do preconceito, além de governar majoritariamente para a aristocracia.


À medida que o plano bolsonarista se descortinou, as máscaras caíram e o caminho se fez para o renascimento da democracia. Com um tapete vermelho, o atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez a democracia pisar novamente em terras brasileiras. Os passos tomados para remendar nosso sistema já haviam sido iniciados alguns dias antes de sua terceira posse como presidente do Brasil, mediante o diálogo com os Três Poderes, com a diplomacia internacional e com as necessidades da sociedade civil.


Vários países apoiaram os resultados das eleições e, inclusive, falaram de acordos econômicos, apoio à luta contra a mudança climática e desmatamento da Floresta Amazônica. É um tanto “schumpeteriano” acreditar que o Brasil precisava passar por um período tão destrutivo para renascer ainda mais forte e mais democrático. Contudo, crises têm início e fim e espera-se que este seja o fim daquela que parecia nunca terminar.


Wenderson Cavallari é economista pela Anhembi Morumbi e candidato ao Mestrado em Políticas Públicas.



Crédito da foto da página inicial: Jonathan Heckler/Agência RBS

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