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Direita e esquerda: uma breve qualificação

A percepção de que “direita” e “esquerda” são conceitos datados não é incomum. Em parte, tal perspectiva tem origem na escassa qualificação desses grupos e na fluidez dos termos.

Sabidamente, a origem dessas designações está na Revolução Francesa e nas posições em que as alianças estavam na Assembleia Nacional. Os partidários do Antigo Regime sentavam-se à direita e os da revolução à esquerda. Desde então, houve mudança e fragmentação de pautas, entretanto, é possível efetuar agrupamentos.

De maneira geral, o que une a esquerda é o desconforto com as desigualdades e a luta para reduzi-las. Essa busca abrange o aspecto social, de gênero e racial. As posições de direita visam a conservar as condições vigentes e valorizar a tradição. Ambos apregoam liberdade, mas olham o significado de prismas diversos.

Genericamente, as forças de direita atuais entendem que o mercado é eficaz tanto na produção de bens quanto na distribuição da riqueza gerada. A desigualdade é útil para gerar incentivos e é fruto das diferentes aptidões e talentos. O mérito, portanto, explica a disparidade.

O estabelecimento dos salários, do nível de atividade econômica e do desemprego deve refletir as condições dos negócios e os desequilíbrios se ajustam pelos mecanismos de oferta e de demanda. O papel do Estado deve ser reduzido para que o mercado funcione sem interferência. Essas são as bandeiras econômicas liberais.

Convém ressalvar que os liberais originais se opunham ao estamento e aos privilégios aristocráticos, sendo anti-tradicionais e progressistas na época, mesmo não acolhendo ideias igualitárias.

Ainda hoje, há segmentos liberais, do ponto de vista econômico, que se alinham com progressistas. A acepção de “liberdade” tem relação com Estado menor e a possibilidade de cambiar.

Do ponto de vista dos hábitos, em outro segmento do campo direitista, os conservadores são avessos a políticas afirmativas raciais, para gays e outras ações que afrontem os valores familiares tradicionais e as hierarquias sociais. No extremo, os fascistas, ainda que não sejam partidários do Estado mínimo, estão na direita, sobretudo pela aversão a políticas igualitárias, em particular a ações de equalização de raças e aos direitos de gays e afins.

Os fascistas defendem o totalitarismo, o militarismo e são xenófobos, o que os mobiliza contra pessoas de outras localidades e imigrantes. Do ponto de vista filosófico e metodológico, os pilares da direita se centram no indivíduo, com exceção dos fascistas.

Além da sensibilidade para ampliar a equidade, a esquerda compreende que as relações capitalistas não são eficazes na distribuição de riquezas. De um lado porque as pessoas não partem de condições de igualdade para ingressar no mercado. De outro, porque há assimetria de poder entre o capital e o trabalho, tendo o primeiro influência sobre a remuneração e a condição do segundo, tanto no âmbito econômico, quanto político.

Ademais, a dinâmica capitalista, nessa visão, tende a concentrar o capital e a riqueza em oligopólios cada vez maiores e mais poderosos.

Modernamente, os grupos de esquerda centram energias em ajustar assimetrias por meio do Estado, uma vez que o mercado, agindo livremente, pressiona e fragiliza segmentos mais vulneráveis.

A maneira de atingir tais objetivos são políticas de transferência de renda, acesso à educação, estabelecimento e incremento do salário mínimo, ampliação de direitos trabalhistas, políticas para minorias, em suma, com ação estatal e regulação econômica.

Os que defendem esse caminho estão na social democracia, social-desenvolvimentismo ou apenas desenvolvimentismo. Ainda no campo da esquerda estão os socialistas e comunistas, que não concordam que a regulação e a moderação do mercado por meio do Estado sejam suficientes. A solução socioeconômica é o fim do capitalismo.

No extremo, os anarquistas tem bandeiras semelhantes, mas não acreditam que o Estado é capaz de harmonizar os conflitos, sobretudo porque esse está sob o domínio daqueles que detêm poder social, político e econômico.

No campo esquerdista, a “liberdade” é compreendida como a possibilidade de desenvolver aptidões e talentos sem as amarras que as diferenças sociais, a injustiça e a opressão impõem. Do ponto de vista filosófico e metodológico, a análise é mais coletiva, em que pese a aversão dos anarquistas ao Estado.

A centro-direita aceita efetuar ajustes via Estado para evitar conflitos sociais, até para que a ordem vigente se mantenha, mesmo que acredite nas forças do mercado livre. Já a centro-esquerda tem nas políticas corretivas o seu foco principal, não chegando ao anticapitalismo.

Os grupos de interesse que se associam à esquerda são os trabalhadores, pequenos agricultores, microempresários e os desassistidos de maneira geral. Já os de direita abarcam aqueles que não têm interesse em alterações profundas e que se beneficiam do status quo, como grandes empresários, bancos, latifundiários e os conservadores do ponto de vista de costumes. Pondera-se que esses alinhamentos nem sempre são lineares e constantes.

As diferenças entre direita e esquerda contemplam variados temas, como as origens da riqueza e da pobreza, a criminalidade e as maneiras de combatê-la, as questões da sexualidade, o papel da imprensa, a importância da propriedade privada, o porte de armas, as relações interpessoais…

Direita e esquerda veem e interpretam o mundo de maneiras diferentes, apregoam caminhos díspares para resolver os problemas da sociedade e abrangem grupos de interesses conflitantes.

Mesmo que a conceituação central esteja no maior ou menor desconforto com a desigualdade, tal classificação é simplificadora e vaga. Em que pese a organização política, social, teórica e metodológica desses setores ser efetivo há mais de duzentos anos, a clarificação dos respectivos conceitos é inacabada e requer empenho. Não apenas para a tipificação acadêmica, mas principalmente para a melhor compreensão da realidade social, política e econômica pelo cidadão.

REFERÊNCIA

BOBBIO, Norberto. Direita e esquerda: razões e significados de uma distinção política. São Paulo: UNESP, 1995.

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