Em véspera de eleição, em que dados são despejados “a torto e a direito” – muitas vezes sem a fonte da informação ou menção à forma de análise utilizada – talvez seja prudente ater-se um pouco a fatos objetivos que nos permitam traçar uma linha divisória clara entre as candidaturas.
Este parece ser exatamente o caso do tratamento dado à questão da competitividade e do comércio exterior nos planos de governo dos candidatos. Sobretudo, porque em ambos os programas de governo se reconhece a relação existente entre política comercial e política industrial.
Para além das declarações de boas intenções em relação à ciência, tecnologia e inovação contidas em ambos os programas, o PSDB em seu programa apoia sua estratégia de política de competitividade no que denominou de “integração competitiva às cadeias globais de valor”.
Por outro lado, o programa do PT tem no apoio ao crescimento do mercado interno e no aproveitamento dos encadeamentos produtivos daí decorrentes o principal eixo de suporte à melhora da competitividade da indústria nacional, concretizada em “programas de desenvolvimento da cadeia de fornecedores e de exigência de conteúdo local”.
Para aqueles que não estão familiarizados com o debate, a exigência de conteúdo local refere-se à política de incremento da participação de fornecedores brasileiros na montagem dos bens industriais produzidos no Brasil, reduzindo assim a participação de insumos e bens intermediários importados nos produtos fabricados aqui.
Enquanto o conceito de cadeia global de valor tem como referência a reorganização da produção mundial a partir do final do século 20 em cadeias de fornecedores globalmente localizados, que estão interligados pela sua especialização como fornecedores de insumos para certos produtos finais, cujo desenvolvimento e a montagem são controlados por outras empresas sediadas geralmente nos países desenvolvidos.
A imagem já conhecida dos smartphones com suas telas vindas da China, memórias de Taiwan, softwares feitos nos Índia e montados às vezes até no Brasil representa uma ideia geral do que é uma cadeia global de valor, inclusive sendo comum também o fato de que embora essas cadeias envolvam um vasto conjunto de empresas, são basicamente controladas por não mais do que meia dúzia de grandes grupos econômicos.
Seguindo o raciocínio de cada estratégia, a “integração competitiva às cadeias globais de valor” visa, por meio da inserção das empresas brasileiras na rede de fornecedores das grandes empresas multinacionais, a forçar a convergência entre os padrões de produtividade nacionais e estrangeiros.
Utilizando para isso, mecanismos de apoio à exportação e acordos bilaterais de comércio, mais especificamente em relação à União Europeia e aos Estados Unidos, como consta no próprio programa do candidato.
Na outra ponta, as diretrizes de apoio à competitividade do programa do PT apontam para a expansão do mercado doméstico como principal eixo, sendo essa política apoiada, sobretudo, no crescimento da demanda interna à indústria.
Mais especificamente, a proposta visa a articular o aumento das exigências de conteúdo local – insumos e bens intermediários – nos produtos consumidos pelos setores em que a demanda deve ser incrementada a partir do investimento autônomo ou induzido, como as obras de infraestrutura e as atividades ligadas ao Pré-Sal, por exemplo.
Nessa opção, a ideia chave é de que o encadeamento produtivo no mercado interno – empresas brasileiras que comprem produto de empresas brasileiras – e a criação de uma reserva de mercado frente à ofensiva comercial dos produtos asiáticos após a crise são requisitos mínimos para garantir um espaço de especialização e aprendizado para que a indústria possa ganhar competitividade.
Mais do que as diferenças explícitas, nesse caso importa ressaltar também o que está implícito nos discursos.
No caso do PSDB, mesmo abstraindo do fato de que os ganhos relativos às cadeias globais de valor são em geral extremamente concentrados nas empresas líderes das cadeias e não nos fornecedores – o que traz grandes problemas do ponto de vista da relação entre política industrial e geração de emprego e renda – e do fato de que nos esparsos casos de sucesso, essas políticas foram conjugadas com programas de conteúdo local, deve se levar em conta que a escolha do programa implica uma escolha política muito mais profunda.
A adoção de acordos bilaterais com Estados Unidos e União Europeia implica na prática um abandono da proposta Mercosul ou sua completa desfiguração, dado a necessária convergência das tarifas praticadas por cada país do bloco em relação aos seus parceiros preferenciais, e logo um retorno à proposta da ALCA.
O resultado seria, portanto, retornar ao projeto da Área de Livre Comércio das Américas, possivelmente utilizando a propaganda da Aliança do Pacífico como Cavalo de Troia.
Caso se opte por isso, o Mercosul abriria mão de proteger seu mercado interno, no qual as exportações brasileiras possuem em geral maior valor agregado, em troca de melhor acesso a mercados aos quais exportamos majoritariamente produtos primários.
Consolidar-se-ia assim, a tão planejada divisão internacional do trabalho entre os países americanos defendida desde sempre pelos Estados Unidos.
Logo, o que está realmente em jogo é o abandono da proposta de integração latino-americana – em suas muitas dimensões e com seu sentido histórico – em troca da inserção brasileira em uma divisão internacional do trabalho em que produção e renda se concentram em direções geograficamente opostas.
Crédito da foto da página inicial: EBC
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