Rosa Freire d’Aguiar Furtado, viúva de Celso Furtado
Publicado na RBA em 10-9-2016
Por Maurício Thuswohl
Há pouco mais de um mês, a direção do Centro Celso Furtado foi comunicada pela nova direção do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) de que deveria deixar as duas salas que ocupa em um edifício alugado pelo banco na região central do Rio de Janeiro. Associação apartidária e sem fins lucrativos fundada em 2005, pouco depois da morte do mestre Furtado, um dos economistas mais respeitados e estudados no Brasil e no mundo, o centro de estudos se tornou referência por seu acervo com cerca de 10 mil publicações e pela produção própria de debates e livros sobre economia, sempre com viés progressista e desenvolvimentista. Esse perfil fez com que logo se falasse no “despejo” como um instrumento de perseguição ideológica por parte da nova diretoria alinhada ao perfil neoliberal do governo de Michel Temer, e no temor de que o Centro Celso Furtado encerrasse suas atividades. O centro, informa o BNDES, terá seis meses para deixar as salas que ocupa atualmente.
Em entrevista à RBA, a jornalista, editora e tradutora Rosa Freire d’Aguiar Furtado, viúva de Celso Furtado, informa que o centro já encontrou uma nova sede, que funcionará no Clube de Engenharia do Rio de Janeiro. Rosa diz não acreditar que tenha havido perseguição ideológica ao centro, uma vez que outros setores do BNDES também terão de deixar as dependências que ocupam no mesmo prédio, mas espera que as coisas “fiquem em ponto morto ou desacelerem” em caso de permanência de um governo interino que, afirma, “não é interessado em desenvolvimento”.
Às vésperas de realizar um congresso em Manaus, entre quinta e sexta-feira (15 e 16), o Centro Celso Furtado, mesmo que tenha de apertar o cinto e diminuir o ritmo de suas atividades, sobreviverá, garante Rosa: “O centro é importante, e não somente por uma questão de resistência. É importante fazer o debate sobre os rumos do Brasil neste momento, e tem muita gente interessada”, diz.
Houve perseguição ideológica por parte da atual diretoria do BNDES com o pedido para que o Centro Celso Furtado deixe as dependências que sempre ocupou na sede do banco?
Eu não acredito que tenha havido motivação ideológica no pedido para deixar a sala. O BNDES todo passou por esse processo. Tudo começou em 2013, quando nós e um monte de gente do banco saímos da sede principal, que fica bem em frente à sede da Petrobras, no Centro do Rio. O banco havia feito muito concurso, na época do Luciano Coutinho, e tinha muito funcionário novo chegando. Aí eles alugaram uns andares no Edifício Ventura, que fica na mesma rua (Avenida Chile) e havia acabado de ser inaugurado. O Centro Celso Furtado foi transferido para lá, ficamos com o nono andar. Mas, agora o BNDES vai devolver todos os andares que tinha no Edifício Ventura, não vai mais arcar com o aluguel. Tudo vai ter que voltar para a sede antiga, inclusive uma montanha de funcionários do banco que está lá. Não sei se vai caber. Quando o BNDES alugou esses andares do Ventura, era porque eles já estavam apertados. De fato, a atual diretoria está querendo diminuir despesas. Esta é a razão que nos deram, e parece ser verdade. Eles vão ter que sair de lá, e nós vamos ter que sair de lá também.
O BNDES não acenou para vocês com a possibilidade de volta para a sede principal do banco, onde o Centro Celso Furtado funcionou por nove anos?
Não, e eu nem imaginei que isso pudesse acontecer. Eles estão de fato com um sério problema de falta de espaço. Nós pedimos um encontro com a diretoria do banco e fomos recebidos pelo diretor de Planejamento, que é o Vinícius Carrasco. Ele acabou nos dando duas boas notícias. Eu achava que a gente tivesse que se mudar em cima do laço, logo após as Olimpíadas, mas não. Ele nos disse que nós, assim como os funcionários do banco, ainda teremos seis meses pela frente antes da mudança. Isso já dá um certo alívio pra gente.
Outra boa notícia é que o banco diz que vai manter sua contribuição ao centro, que acontece uma vez por ano. Este ano a gente já recebeu e há compromisso da atual direção do BNDES de que no ano que vem a contribuição será mantida. Por isso que eu acho que a questão ideológica não é necessariamente o motivo de nossa saída. Eu deixei claro que sem essas contribuições é difícil a sobrevivência do centro. O centro nasceu com quatro patrocinadores, e depois nós perdemos dois desses quatro. A Petrobras, por motivos óbvios. E a contribuição da Eletrobrás a gente perdeu quando ocorreu aquela crise no setor de energia. Estamos ainda com dois patrocinadores, que são a Caixa Econômica Federal e o BNDES.
E vocês já têm em vista um novo local para instalar a sede do centro?
O ex-prefeito Saturnino Braga, que é hoje diretor-presidente do Centro Celso Furtado e engenheiro de origem, é muito ligado ao pessoal do Clube de Engenharia. Aí, o Clube de Engenharia acenou com a possibilidade de a gente ter um espaço no prédio do clube localizado na Avenida Rio Branco, quase esquina com Sete de Setembro, também na região central do Rio. O clube é dono do prédio todo e tem um espaço lá sobrando. Isso para nós é uma maravilha.
Eu já fui dar uma olhada no espaço, ele é muito bom, tem 100 metros quadrados. Vai dar superfolgado para a biblioteca, que é a coisa mais problemática, digamos assim. O Centro, basicamente, é formado por duas salas, e a sala maior sempre foi a da biblioteca. Quando eu juntei todos os livros do Celso – que estavam espalhados, uma parte aqui em casa em Copacabana, outra em um apartamentinho que tínhamos no Alto da Boa Vista, onde estava a biblioteca do Celso pré-64, e ainda tinha a de Paris, da época do exílio. Aí eu juntei tudo, trouxe tudo de Paris, esvaziei o apartamento do Alto da Boa Vista… A biblioteca sempre foi a nossa maior preocupação, porque ela ocupa muito espaço e é muito pesada.
Qual o acervo atual do centro?
Noventa e oito por cento do acervo é composto por livros. Há também periódicos, não são muitos, e tem coisas mais pesadas tipo teses, coisas assim. Juntando tudo, são dez mil volumes. E aí tem também o peso, porque você calcula na base de 500 gramas por livro (o Celso tinha muito livro encadernado, que são mais pesados) e dá cinco toneladas. Isso sem falar nas estantes. Hoje todo este acervo está lá no Edifício Ventura. Há também a biblioteca com as publicações do próprio centro, que vai se fazendo pouco a pouco. A biblioteca do Celso não cresce mais, mas a do centro sim. Ela é pequena ainda, a gente tem talvez uns mil livros.
Independentemente desta questão envolvendo o BNDES, como a mudança de governo influi nas atividades do centro?
Embora a gente ainda não saiba o que vai acontecer no julgamento da presidente Dilma, eu acho que este governo provisório não é um governo interessado em desenvolvimento. E a gente é basicamente um centro voltado para assuntos ligados ao desenvolvimento, né? Para o debate sobre o desenvolvimento, para a documentação do desenvolvimento…
Não é a prioridade para o governo empossado…
O fato é que nesses 11 anos de existência do Centro Celso Furtado, a gente fez muita coisa e continua fazendo. As publicações a gente está conseguindo manter. Este ano, por exemplo, estamos lançando livros. Temos duas coleções em parceria com a Editora Contraponto, do César Benjamin. Uma delas é a coleção Arquivo Celso Furtado, e a outra a coleção Economia Política e Desenvolvimento. Temos ainda uma terceira coleção, chamada Pensamento Crítico, que é basicamente voltada para e-books. Este ano está saindo pela Contraponto uma nova edição de um livro do Celso, e está saindo também uma publicação pela coleção Pensamento Crítico, chamada Perspectivas Asiáticas, que traz a análise de especialistas sobre a Ásia. Está em fase de elaboração e talvez seja publicado ainda em 2016 um livro sobre teoria e política do desenvolvimento na América Latina. A coisa está indo, essa coisa das publicações a gente está conseguindo manter. Já temos um volume considerável em publicações próprias. Em dez anos, a gente fez uns 40 livros.
A mensagem é que, apesar das dificuldades, o Centro Celso Furtado continuará existindo?
O que provavelmente irá acontecer é que tudo vai ficar em ponto morto ou mais desacelerado. Mas, estamos mais vivos do que nunca. Vamos fazer nos dias 15 e 16 de setembro um congresso em Manaus. Nós fazemos congressos a cada dois anos, e o Saturnino, que é uma pessoa absolutamente encantadora, observou com razão que já havíamos feito várias coisas do Centro Celso Furtado sobre o Nordeste, mas sobre a Amazônia ainda não. Decidimos então fazer o congresso sobre a Amazônia na própria Amazônia. Reduzimos o evento de três para dois dias, conseguimos o Ernesto Samper, atual presidente da Unasul, que vai fazer a abertura, Maria Jacqueline Mendonça Ortega, presidente da OTCA, também irá participar, e o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães vai fechar o congresso. Estamos conseguindo fazer, mas evidentemente vai ser um pouco menor do que imaginávamos.
O centro tentará manter plenamente suas atividades?
Olha, este ano estamos fazendo muita coisa. Mas, evidentemente, há alguns projetos que eu acho que agora vai ser difícil dar continuidade. Por exemplo, nós realizamos em parceria com o Ipea um curso de capacitação e formação de quadros, chamado Macroeconomia e Desenvolvimento, em 25 cidades médias do Brasil. Nós realizamos uma semana de curso com prova e certificado em cidades médias como Sinop (MT), Chuí (RS), Vitória da Conquista (BA), João Pessoa… A ideia do curso é a formação do pessoal que trabalha com as secretarias de desenvolvimento, planejamento ou finanças. Foi um sucesso, mas na época era o Ipea do Marcio Pochmann. Depois, com o Marcelo Néri, o Ipea já não teve muito interesse. Isso eu acredito que provavelmente irá acontecer. Parceiros que nós tínhamos, talvez a gente não possa contar mais.
Exatamente neste momento, eu acho mais importante do que nunca ter um centro que pense as coisas do país. Eu acho que a gente pode estar entrando em uma fase na qual o debate fique muito polarizado em torno daquela coisa de ortodoxo e heterodoxo, mas o Centro Celso Furtado está lá para pensar realmente um projeto, a gente pensa o Brasil de manhã, de tarde e de noite. O centro é importante, e não somente por uma questão de resistência. É importante fazer o debate sobre os rumos do Brasil neste momento, e tem muita gente interessada.
Não é tão fácil fechar o Centro Celso Furtado…
A gente sabe também que o Brasil é uma coisa pendular. O pêndulo da política vai e daqui a pouco volta. Não é a primeira vez que a gente fica no sufoco. Outro fator é a diversidade do centro, determinada lá em 2005, quando foi criado. Por exemplo, o José Serra é nosso sócio e a Dilma também. O Celso Amorim é nosso sócio, mas também o Rubens Ricupero. É claro que, majoritariamente, o que une os sócios do Centro é uma ideia desenvolvimentista, mas isso quando ele foi criado. Não se pode dizer hoje em dia que o Serra tenha uma ideia desenvolvimentista. Temos uns 220 sócios, por aí, a maioria economistas que são, em sua maioria, heterodoxos. Se havia a intenção inicial de perseguir o Centro Celso Furtado ideologicamente, acho que essa coisa se desfez porque de repente eles começaram a ver que tem até gente do governo interino como sócio. Teve um pouco também o fato de não quererem comprar briga com o nome de Celso Furtado. Agora é ir tocando e esperar um pouco para ver o que pode acontecer.
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