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Desoneração com seguridade social: Uma política na contramão do trabalho

A promulgação da Constituição Federal de 1988, em particular o capítulo dos direitos sociais, representa um marco na história do país. Passados 28 anos, os princípios escritos para a Previdência Social brasileira vêm sofrendo um contínuo processo de desestruturação de suas bases institucionais. Nesse intervalo de cinco presidentes (Collor/Itamar, FHC, Lula e Dilma), não se passaram poucos anos sem que tivesse alguma de suas regras alterada. O pivô da necessidade de reformas da Previdência exigidas pelo grande capital se dá para transformar o país na plataforma internacional de valorização financeira.

Depois de tantas intervenções, os efeitos das reformas e remendos apresentam como tendência geral contrair previdência enquanto direito social a ser garantido pelo Estado, o que tem incentivado os planos de previdência privada, explorados, sobretudo, por instituições bancárias. Quando se expande a previdência complementar, tem-se uma ampliação do patrimônio dos fundos de pensão dentro do mercado financeiro. Por sua vez, tem-se como resultado um processo de “mercantilização do sistema previdenciário” (Andrietta, 2015).

Tendo sua modificação constitucional e infraconstitucional realizada pelos poderes Executivo e Legislativo, suas ações apresentam como característica principal a desestruturação do sistema previdenciário brasileiro. Em particular, a política recente do governo federal em expandir as desonerações tributárias nas receitas das contribuições sociais tem aprofundado ainda mais o desmantelamento do Regime Geral de Previdência Social. Mostrando uma tendência evolutiva, a participação das desonerações da Seguridade passou de 1,3% do PIB, em 2010, para 2,2%, em 2015. No último ano, a desoneração com Seguridade Social, que deveria estar financiando a saúde pública, as aposentadorias e pensões e demais políticas de combate à pobreza e à miséria, representou 49,6% do total das desonerações.

Sem modificar a canônica estrutura tributária que privilegia os ricos, nos últimos anos, e para evitar a queda do PIB, o governo federal apostou nas desonerações como política anticíclica para manter o nível de atividade econômica e alavancar o investimento privado. Elevando de 16,7%, em 2007, para 20,8%, em 2010, 23,8%, em 2014, e 18,5%, em 2015, da arrecadação administrada pela Receita Federal, o governo acabou colocando em curso uma socialização das desonerações tributárias como meio de contemplar todos os setores. Acontece que a socialização implica ônus financeiro para o Tesouro Nacional e tensiona o sistema de partilha.

Ainda que seja pressuposto para alavancar a indústria nacional, dar competitividade ao setor produtivo, inovar e expandir a massa de trabalhadores, quando o país oferta uma das taxas de juros mais elevadas do mundo e as empresas privadas estão sufocadas pelo endividamento, as desonerações deixam de cumprir a função de investimento. No entanto, na conjuntura da instabilidade da crise, as desonerações foram utilizadas para outros fins além daqueles para dinamizar a economia e alavancar a atividade industrial.

Na essência, o sistema brasileiro de desoneração tributária passou por mudanças nos últimos cinquenta anos. Mais precisamente, desde a criação da Sudene (1959) não se passou por um governo sem modificações. Juntamente com os bancos públicos, as desonerações foram decisivas para o processo de integração regional no Brasil, atuando como uma espécie de substituto do capital financeiro pelo fato de o sistema de financiamento privado ser insuficiente para dar robustez ao processo de acumulação de capital (Oliveira, 1990). Mas o que caracteriza a tendência recente não são somente a expansão de seu valor monetário e a abrangência de novos setores, mas também seu uso modificado, ou seja, seu esquivo da hipótese keynesiana da demanda efetiva. Assim, as desonerações passaram a cumprir funções diversas daquelas para as quais foram criadas.

Diferentemente de seu passado recente, em que estavam amarradas ao investimento, hoje as desonerações são utilizadas muito mais para reduzir os custos de produção, assegurar a taxa média de lucro, dar folga no fluxo de caixa das despesas financeiras das empresas com situação financeira sobrecarregada e comprar ativos no mercado financeiro que se envolvem em esquemas especulativos. Quanto a esse último ponto, apesar de esse debate dentro da teoria econômica não ser tão evidente, dentro da nova configuração da riqueza que tem a financeirização como “padrão sistêmico da riqueza”, como enfatizando por Braga (2000), não se descarta a hipótese de as desonerações serem direcionadas para o mercado financeiro para valorizar o valor dos ativos financeiros negociáveis na Bolsa.

A particularidade do valor desonerado com Cofins, CSLL, PIS-Pasep e Previdência Social, que chegou à cifra dos R$ 125 bilhões em 2015, representa uma forte investida contra os direitos conquistados historicamente pelos trabalhadores. Além do mais, o discurso do déficit, que é artificial e manipulado, opera no sentido da redução do Estado com políticas sociais (Gentil, 2006). Se a Previdência é “deficitária”, como anuncia a narrativa neoliberal, por que praticar uma desoneração tão agressiva nas receitas que pertencem ao Regime Geral de Previdência Social? Se o Regime Geral apresenta “rombo”, por que existe uma incapacidade de cobrança do governo federal da dívida previdenciária ativa acumulada, em 2015, no valor de R$ 374 bilhões? Em 2015, apenas 0,33% foi cobrado.

A Previdência Social no Brasil é fruto de uma intensa luta da classe trabalhadora desde o início do século XX. Mas, considerando que metade das desonerações da União é realizada com base na contribuição com Seguridade Social, isso está prejudicando o futuro trabalhador, porque tem impacto sobre seu rendimento futuro, sua aposentadoria e pensão. Grosso modo, as desonerações sociais, somadas à justificativa falaciosa do déficit previdenciário e da dívida ativa não cobrada, castigam os trabalhadores e atendem aos anseios especificamente da acumulação de capitais ao liberarem o empresário da contribuição patronal.

 

Referências Lucas Salvador Andrietta. A mercantilização do sistema previdenciário brasileiro (1988-2014). Dissertação de mestrado (Unicamp), 2015. Jose Carlos de Souza Braga. Temporalidade da riqueza: uma contribuição à teoria da dinâmica capitalista. Dissertação de doutorado, 1985. Denise Lobato Gentil. A política fiscal e a falsa crise da Seguridade Social brasileira: análise financeira do período 1990-2005. Dissertação de doutorado (UFRJ), 2006. Francisco de Oliveira. “A metamorfose do arribaçã”, Novos Estudos, n.27, jul. 1990, p.67-92.

Crédito da foto da página inicial: Antonio Cruz/ABr

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