Ix e Dax são dois galgos russos, conhecidos como borzóis. Cães!
Mas não é este animal o centro da narrativa de Leonardo Padura. Eles correm para que o acaso promova, em uma praia de Havana, a oportunidade para o encontro entre um escritor e um personagem misterioso desta história. Narrativa envolvente na qual se misturam verdade e ficção, conteúdos reais e imaginados de um passado que se faz presente hoje, nos dias atuais, que exigem do leitor fôlego profundo para um desenrolar dramático e triste.
Para aqueles que lutam por um mundo justo, portanto, bem diferente daquilo que vemos ao nosso redor, a história de Liev Davidovitch é um violento soco no estômago. A narrativa traz um final conhecido, o assassinato de Leon Trotsky, a mando de Stalin. A trama dá o contexto às possíveis motivações e justificativas para aquilo que já se sabe. Não é a morte o desconcertante. Desconcertante são os objetivos, as motivações e o método. É desconcertante pelo que resgata, faz intuir e imaginar. Um olhar pelo espelho retrovisor da história, que estraçalha a vida, mas, mais do que isso, que destrói aquilo que dá sentido à vida de muitos: a luta!
A cada linha, a tensão vai se impondo no tempo de preparação do assassinato e na angústia que destrói o encanto dos sonhos que mobilizaram vidas que lutaram por transformações sociais, por liberdade e igualdade. Cada um dos personagem constrói sua tragédia, que é nossa e é de muitos.
Afinal, o mundo é também resultado dos nossos fracassos, pois “Algum dia, se reconhecerá que foram os erros dos revolucionários, mais que o empenho dos imperialistas, que atrasaram as grandes mudanças da sociedade humana” (PADURA, p. 406).
A queda do Muro de Berlim consolidou a perda do sonho social e da utopia econômica, ou o inverso, forjado desde meados do século XVIII e protagonizado em 1917, no Leste Europeu. A derrota foi acachapante. Espera-se que não seja definitiva! Contudo, as sociedades conduzem a trajetória da vida coletiva longe da produção política do interesse geral, distante da ética do bem coletivo, ausente dos valores da justiça social, menosprezando a estética da igualdade e da liberdade. A mediocridade, infelizmente, predomina e cresce quase sem limite.
Leonardo Padura nos brinda com a obra imponente “O homem que amava os cachorros”, um livro que leva a pensar sobre os limites, a longa caminhada humana da construção social, a política e os motivos das derrotas.
Cães não são capazes de fazer o que fazem os homens. Invejável inferioridade! Talvez ainda a caminhada para a nossa transformação em animal social, o conhecido processo civilizatório, seja muito mais complexa do que uma vida possa compreender. Entretanto, por mais doído que seja, é somente encarando as tragédias que seremos capazes de recolocar a estética, os valores e a ética no centro do protagonismo da nossa luta. Sem essas “três irmãs”, a luta não tem sentido!
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