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Cultura e desenvolvimento em época de golpe

O tempo econômico não se confunde com o astronômico: a omissão de hoje deprecia o que havia sido realizado em fase anterior.” Celso Furtado, 1984.

Uma das enormes conquistas da sociedade brasileira com a redemocratização foi a criação do Ministério da Cultura em 1985 (antes era vinculado ao Ministério da Educação). Celso Furtado, considerado por muitos o maior economista brasileiro, foi o ministro de maior importância nesse nascimento da pasta cultural. Ele entendia a economia como capacidade de utilização das forças criativas do ser humano com vistas a um bem comum. Por esta razão, é impossível pensarmos um projeto de desenvolvimento no qual a cultura não seja valorizada.

A artista Tiche Vianna, em recente manifesto contra a medida de fechamento do Minc, afirma que a “Cultura reflete a capacidade de compreender que um indivíduo faz parte de algo muito maior que ele, como uma sociedade inteira, com toda a complexidade que lhe é peculiar. A Cultura é a única maneira de você saber quem é, onde está e pra onde quer ir.”

Lutar pelo desenvolvimento, integrando os elementos diversos e ricos da nação, exige a preservação do gênio inventivo de nossa cultura, uma vez que a assimilação das tecnologias capitalistas, por um lado, aumenta nossa eficiência produtiva, mas também mutila nossa identidade cultural, enfraquecendo nossas potencialidades.

Celso Furtado exemplifica isso de forma muito simples, perguntando: “Como apropriar-se do hardware da informática sem intoxicar-se com o software, os sistemas de símbolos importados que com frequência ressecam nossas raízes culturais?”. Ao que perguntamos, mais genericamente: Como lastrear nosso desenvolvimento com as raízes culturais do país, para que nossas finalidades enquanto povo não coincidam com as finalidades do capital mundial, que segregam tanto o país, beneficiando uma elite interessada em se vincular com os sistemas de valores das ditas nações civilizadas?

É necessário olharmos o desenvolvimento a partir dos fins substantivos que queremos alcançar, de criarmos nossos próprios softwares valorizando a riqueza cultural de nossa população, a qual nossa elite quer menosprezar como forma de legitimar e perpetuar uma ordem caracterizada por profunda segregação social.

Não podemos aceitar uma lógica de desenvolvimento que vem de fora, pois nossos problemas estruturais apenas serão enfrentados quando a criatividade emergida de nossa riqueza cultural for o nexo de solidariedade por meio do qual a nossa sociedade se volte para seus próprios objetivos.

Há 30 anos, o ministro da cultura Celso Furtado dizia que “o objetivo último de uma política cultural deve ser liberar todas as formas criativas da sociedade”. Reconhecia o desafio em equilibrar o estímulo à produção cultural que tem como objetivo o lucro (indústria cultural) e o fortalecimento da produção espontânea da sociedade.

Esse desafio provocou uma série de reflexões que colaboraram para o aperfeiçoamento de políticas públicas culturais no Brasil até nosso cenário atual. É certo que ainda há muito para se caminhar, e com passos largos, para que se avance, mas é essencial reconhecer a importância de várias lutas na área e na importância do Ministério da Cultura como espaço para que as vozes do povo sejam ouvidas na criação e elaboração de várias políticas culturais.

Entretanto, apesar de o futuro não ser cognoscível, por estar sempre em disputa, é inegável que o Golpe Político de maio de 2016 parece representar uma ruptura de conquistas históricas na área cultural. A tentativa de extinção do Ministério da Cultura, que nasce com o fim dos tempos de ditadura, nesse momento atual, não é apenas simbólica, é um erro estratégico de um projeto de poder que não pensa em desenvolvimento autônomo do país, que não valoriza a riqueza histórica e cultural de seu povo e que privilegia a lógica do mercado que uniformiza os padrões de comportamento, não incentivando políticas que semeiem um sistema de valores que faz florescer a criatividade de seu povo e que colabora com a maior homogeneização da sociedade.

Não foi dada nenhuma justificativa para o fim do Ministério da Cultura, tampouco se justificou o cancelamento da decisão e permanência do MinC. Nada explica essa tentativa!  Alguns buscam argumentar a partir da falaciosa crença da necessidade dos que estão no poder de diminuir os gastos públicos. Como se essa economia pudesse gerar desenvolvimento econômico e nos ajudasse a sair da crise. Nada mais equivocado! Além dos argumentos expostos até aqui, uma análise dos gastos orçamentários do governo federal deixa ainda mais claro essa falácia.

Segundo a associação Auditoria da Dívida Pública, os gastos com cultura correspondem a cerca de 0,04 % do orçamento geral da União, enquanto que o gasto com juros e amortizações da dívida somam cerca de 45%. Isso significa, para ser didático, que cada 100 reais que um cidadão paga de imposto, em média 45 reais são para remunerar o capital de quem detém títulos da dívida pública e apenas 4 centavos vão para gastos federais em teatro, museus, música, dança e diversas outras artes que englobam o Ministério da Cultura.

Sim, o diagnóstico dos que estão no poder é de que esses 4 centavos para cultura é muito dinheiro e que essa economia ajudará a sairmos da crise. Será que alguém acredita nisso? Não importa tanto, pois o projeto de poder de Temer e Cia. tem como única preocupação a manutenção integral dos interesses das classes dominantes, e coloca claramente de lado as conquistas que tivemos com a participação popular em nossa jovem democracia.

A luta tem que persistir, para que as conquistas de lutas históricas de inúmeros artistas, intelectuais e trabalhadores não retroajam no tempo. O cancelamento da decisão de extinção do MinC já é a primeira conquista da oposição, mas ainda há um longo caminho para trilhar, afinal, o recado já foi dado, desenvolvimento e cultura nunca terão espaço em “tempos de golpe”. Lutar pela cultura é lutar pela democracia!

*Agradeço a contribuição e importantes apontamentos de Ulisses Rubio. Agradeço também a Tiche Vianna e a Maria Renata Rotta Furlanetti (ambas do grupo Arte pela Democracia).

Crédito da foto da página inicial: Reprodução Facebook

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