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Covid-19 não está na agenda prioritária de pesquisa do MCTIC

Se tivéssemos que definir rapidamente o que esperar de um governo, diríamos: sua capacidade de liderar para um rumo claro. A gestão Bolsonaro é o oposto, é um desgoverno.

Nessa última terça-feira 24 de março, o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) lançou as incompreensíveis “áreas prioritárias” para os projetos de pesquisa, de desenvolvimento de tecnologias e inovações para os próximos três anos.

De acordo com a Portaria 1.122 do MCTIC, o Ministério pretende priorizar projetos em cinco áreas de tecnologias: as estratégicas; as habilitadoras; as de produção; outras para o desenvolvimento sustentável; e para a qualidade de vida. Boas intenções.

Mas boa intenção não é tudo. Os erros básicos que a Portaria apresenta, desde o uso indevido de conceitos até definições de obrigações indevidas a suas agências, demonstra o descaso, a má gestão e, principalmente, as más intenções do atual governo, pois está fadada ao fracasso.

A confusão entre “áreas tecnológicas” e “setores de aplicação tecnológica” é primária e decepciona qualquer expectativa tanto da estrutura de governo como da própria sociedade. Tecnologia é um conjunto sistêmico e ordenado de conhecimento para a manufatura de produtos, aplicação de um processo e realização de serviços; e “setor” é apenas um “domínio”, uma “área”, um “conjunto” com características próximas e onde certa tecnologia pode ser desenvolvida ou aplicada. Com exceção das áreas tecnológicas estratégicas aplicadas aos setores relacionados à defesa (espacial, nuclear, cibernética e segurança pública e de fronteira), em todas as demais há confusão dos termos, definições amplas que em nada geram prioridade. O que demonstra qual é no fundo o interesse do governo e do MCTIC, o apoio às tecnologias militares.

Para a área de tecnologias habilitadoras, todos os supostos setores são, na verdade, tecnologias (inteligência artificial, internet das coisas, materiais avançados, biotecnologia e nanotecnologia). Para a área de tecnologia prioritária de produção, por outro lado, mencionam-se “setores” e não quais as tecnologias deverão ser priorizadas. Resultado: não se pode saber quais as tecnologias prioritárias à produção no Brasil. E setores, quais os prioritários afinal? Segundo a portaria: “indústria”, “agronegócio”, “comunicações”, “infraestrutura” e “serviços”. Mas isso é praticamente toda a estrutura de oferta, toda. Quando tudo é prioridade, nada é prioridade.

Além disso, a Portaria não está alinhada às práticas e estudos sobre CT&I, pois o próprio uso do termo “setor” já vem sendo superado pela noção de complexo, uma vez que os processos contemporâneos de inovação contemplam atores inseridos em diversos “setores”. Nós preferiríamos ver um documento priorizando o complexo industrial da saúde, por exemplo.

Mas os erros não param por aí. A “área de tecnologias para o desenvolvimento sustentável” apresenta termos amplos e abstratos, e, pior, também chamados de setores: “cidades inteligentes”, “energias renováveis”, “bioeconomia”, “tratamento e reciclagem de resíduos sólidos”; “tratamento de poluição”; “monitoramento, prevenção e recuperação de desastres naturais e ambientais”; “preservação ambiental”. Afinal que setores são esses? Em que classificação oficial seria possível encontrar, por exemplo, “bioeconomia”?

Além desses, a área de tecnologia para qualidade de vida também apresenta novidades à nomenclatura setorial, são elas: “saúde”; “saneamento básico”; “segurança hídrica” e “tecnologias assistivas”. Saúde, por exemplo, é termo amplo demais, podendo se referir desde a todo o complexo industrial da saúde até às pesquisas para o COVID-19, incluindo as próprias tecnologias assistivas. Novamente, cadê as prioridades? Vale lembrar que, no passado recente, iniciou-se a articulação entre as políticas de CT&I e saúde para definições de prioridades para o desenvolvimento do Complexo Industrial da Saúde brasileiro, que foi totalmente abandonada no governo Bolsonaro.

Estamos certos da necessidade de “áreas prioritárias” serem definidas a partir da liderança do MCTIC em articulação com os demais Ministérios, observando a potencial geração de valor para a sociedade brasileira, considerando gargalos e capacidades presentes no nosso Sistema Nacional de Inovação.

A referida portaria, ao priorizar 24 “coisas” oferece sinal claro de que o MCTIC é incapaz de liderar e coordenar as complexas relações do Sistema Nacional de Inovação, é mais um exemplo do desgoverno Bolsonaro. Usamos “coisas”, pois não faz sentido algum misturar “banana” com “mamão”, ou seja, “tecnologia” com “setor”.

Dar direção clara seria, por exemplo, priorizar pesquisas sobre doenças negligenciadas, mas que podem acometer nossa população de malefícios tal como a malária, a doença de Chagas, a dengue e a esquistossomose. Poderia ir em direção à proposição de políticas de CT&I orientadas por missão e no momento, a capacidade de CT&I poderia voltar-se à missão de combater o COVID-19. Mas claro, seria demais esperar uma visão como essas de um governo cujo guru acredita em “terraplanismo” e o Presidente insiste que o COVID-19 é uma “gripezinha ou resfriadinho”.

Outro ponto curioso é que ao apresentar as 24 “coisas” prioritárias, o documento afirma que cabe à Finep e ao CNPq promoverem os ajustes e adequações em suas linhas de financiamento e de fomento para incorporar as prioridades. Neste ponto, está outro exemplo da má intenção do governo, pois CNPq e Finep são agências executoras da política do MCTIC, não são elaboradoras de políticas, não cabe a elas definir prioridades. Imaginem a dificuldade dessas agências, já que não havendo prioridade clara podem priorizar qualquer coisa e em uma conjuntura onde os recursos são paulatinamente reduzidos (gráfico abaixo). Ademais, o desgoverno vem discutindo proposta da PEC 187/2019 que pretende acabar com 16 fundos setoriais que sustentam o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). E, como prova de seu desprezo à CT&I, insiste em promover cortes de bolsas de pesquisa.

Ademais, as áreas de humanidades vêm sendo “atacadas”, sendo questionada sua contribuição para o desenvolvimento tecnológico e econômico de país. É mais um dos “achismos” superficiais e desconectado de evidências empíricas. Em estudo realizado há mais de uma década por uma Rede de Pesquisa Nacional sobre a interação dos grupos de pesquisa com empresas já evidenciava a atuação dos grupos da área de humanidades em diversas e amplas interações com empresas, gerando não apenas resultados acadêmicos mas também tecnológicos e industriais como design, softwares, melhorias em produtos e processos produtivos[1].

Dados mais recentes do Diretório dos Grupos de Pesquisa do CNPq referentes ao ano de 2016 demonstram que esta área interage não somente com empresas, mas também com diversos agentes do desenvolvimento local e regional como prefeituras, sindicatos, cooperativas, bancos, hospitais, fundações e instituições internacionais. Ou seja, estas áreas contribuem e têm amplo potencial de colaborar para o desenvolvimento nacional assim como as outras áreas.

Na União Europeia, por exemplo, há esforço de se entender a contribuição das áreas de humanidades nos processos de inovações[2] visto que o desenvolvimento tecnológico precisa ser compreendido em um contexto de questões sociais, culturais e econômicas. O Covid-19 já tem deixado claro que nem todas as soluções empregadas em outros países terão o mesmo resultado no território brasileiro. Porque afinal nossas condições sociais, culturais e econômicas são distintas. Em mais uma dimensão o governo está na contramão.

Enfim, infelizmente o MCTIC se encaixa como típica instituição do desgoverno Bolsonaro. Comete erros conceituais em documento que deveria dar rumo claro para área essencial a uma estratégia de desenvolvimento, prioriza “coisas” e lança “projeto” com orçamento parco.

No entanto, pior do que não ter política pública é ter uma política pública inócua, pois gastam-se recursos públicos de pessoal e financeiro, mas não se alcançam resultados para a sociedade. Uma política como a proposta nesta Portaria terá exatamente este desdobramento, desperdício de recursos públicos e não atendimento às demandas da sociedade. Essa política é natimorta. Nada acontecerá.

Crédito da foto da página inicial: Sayonara Moreo

[1] Chaves et. al (2016) The contribution of universities and research institutes to Brazilian innovation system. Innovation and Development, v. 6, n. 1, p. 31-50.

[2] HUBIT. The role of social sciences and humanities in research and innovation. [S. l.: s.n.], Policy Brief #02, 2019. Disponível em: https://www.hubit-project.eu/policy-briefs/download/6fe7c4c91a45cc1db5c29db5c41699b8.pdf. Acesso em: 7 jan. 2020.

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