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Contra a inação, a recessão e as falências

All progress is first proclaimed to be impossible but is then realized” Rosenstein-Rodan. Natura facit saltum (1984)

A economia brasileira, faz anos, não apresenta bons resultados. Desde 2014, o PIB oscilou, cresceu pouco e foi ainda pior em termos per capita. A indústria não reagiu ao novo governo, a construção civil patinou, os serviços continuaram utilizando grandes quantidades de trabalho precarizado e a taxa de investimento não se recuperou do tombo iniciado em 2014. O quadro econômico fraco produziu, segundo estimativa da FGV, um crescimento de 1,1% em 2019.

Esse cenário já preocupava muitos economistas, mas ficou grave e urgente em março com o estabelecimento da COVID-19 no território nacional. O progresso exponencial esperado das contaminações obrigou as autoridades das três esferas de governo a adotar medidas crescentemente restritivas à circulação de pessoas em espaços públicos e de trabalho. O risco é ver explodir a demanda por serviços de saúde e repetir o terrível momento italiano, espanhol ou estadunidense.

A atitude correta dos governos, contudo, trará um efeito colateral: a recessão econômica gerada pelo isolamento social e a consequente redução das atividades em quase todos os setores da economia. Aqui emerge o drama brasileiro. Para compreender a dimensão do problema é preciso rever alguns dados da economia nacional. Por exemplo, a utilização da capacidade instalada fabril, desde janeiro de 2018, flutuou em torno de baixos 75% na série dessazonalizada da FGV, indicando que havia espaço para crescer a produção sem realizar investimentos. Ademais, a confiança do empresário industrial, medida pela CNI, caiu fortemente em março com as expectativas de disseminação do coronavírus, tornando inverossímil a realização dos investimentos anunciados para 2020. Soma-se ainda a elevada dívida corporativa que já constituía, antes da COVID-19, gargalo para a retomada da economia neste ano[1].

As famílias também atingiram nível recorde de endividamento no final de 2019, segundo o Banco Central, exatamente no marco zero da crise que atingiu o globo[2]. E o fizeram quando o mercado de trabalho empregava, sem carteira, cerca de 40% da mão de obra ocupada e, portanto, sem qualquer direito ou garantia. Esse mesmo mercado de trabalho, desde 2006, não gerou nem uma vaga de trabalho líquida com rendimento acima de dois salários mínimos[3], indicando que necessitava apenas de pessoas com pouca qualificação dentro de uma economia que perdia em complexidade e competitividade.

Com a chegada da COVID-19, o quadro se agravou e o impacto será maior sobre as pequenas e médias empresas, isto é, as principais empregadoras do país. Sua incapacidade financeira para resistir à queda acentuada da demanda e eventual necessidade de paralisação das atividades, deve implicar elevada queima de capital e desconcertante número de falências.

Não é difícil entender. Ao se observar o PIB pela ótica do dispêndio, vê-se que seu valor é a soma de consumo das famílias (C), de investimento (I), de gastos do governo (G), de exportações (X) menos importações (M). Ou seja: PIB=C+I+G+X-M. Logo, de acordo com o cenário apresentado, não há dúvida de que o consumo das famílias cairá imediatamente, não só pela restrição à circulação de pessoas, mas devido também à redução das atividades produtivas, marcadamente das pequenas e médias empresas, e à menor massa salarial somada ao elevado endividamento.

Também os investimentos serão reduzidos, tanto porque haverá redução de encomendas em ambiente de baixa utilização da capacidade instalada, como também em função do elevado endividamento corporativo. As exportações e importações cairão em função da redução do comércio internacional.

Consequentemente, a única variável, neste momento, capaz de criar demanda na economia brasileira são os gastos do governo (G). As demais empurrarão o Brasil para recessão. O G emerge singular em momentos de crise aguda ao gerar encomendas para evitar a quebra da produção e suas decorrências óbvias: aumento do desemprego, elevação da capacidade ociosa, deterioração das expectativas econômicas, queda nos investimentos, tombo na arrecadação tributária, elevação do déficit público, aumento do risco país e fuga de capitais.

Esta lição evidente para a maioria dos economistas, marcadamente em tempos excepcionais, já está em prática nos países desenvolvidos. Juntos, Estados Unidos e Europa devem gastar, exclusivamente por causa da pandemia, mais de três trilhões (não são bilhões) de euros em formas diversas de compras de governo, créditos subsidiados e distribuição de benefícios em dinheiro.

O que estão fazendo as nações ricas do planeta? Injetando poder de compra na economia, gerando demanda para evitar um colapso econômico de grande magnitude. Isso em países com boa infraestrutura, menores problemas sociais e taxas de juros baixas. Exatamente o contrário do caso brasileiro.

A urgência do problema é, portanto, evidente e a dificuldade não é técnica. O Brasil hesita em enfrentar a deterioração econômica imediata. Adia a decisão de criar demanda valendo-se do poder de gasto do Governo frente a condições excepcionais, tal como utilizado para superar a Crise de 1929, reutilizado pelos Estados Unidos e Europa na crise de 2008, em voga na crise atual nos países ricos e empregado pela China desde os anos 1980. O próprio Brasil operou este poder de compra em vários momentos.

Não se trata, portanto, de uma jabuticaba como a taxa de juros cobrada pelos bancos brasileiros. É política econômica atualíssima e aceita no mundo em crise. O debate que pode existir, então, não é se o governo deve gastar elevados valores para evitar rupturas econômicas, mas onde e como precisa gastar esses recursos.

Os instrumentos econômicos de que dispõe o Brasil, construídos durante a industrialização, dão ao país uma posição privilegiada para executar uma política emergencial de demanda. Um programa de gastos é, inclusive, oportuno para realizar inversões de envergadura a fim de alcançar um legado positivo na infraestrutura do país.

Assim, além de evitar a debacle econômica, é possível, por exemplo, elevar a compra de equipamentos de saúde nacionais, somando, além de renda e emprego imediatos, serviços necessários para uma população que envelhece rápido. Também programas de construção de casas populares e saneamento básico são bem-vindos, a fim de alterar as condições habitacionais dos mais pobres nas grandes e médias cidades do país.

Mais urgente, porém, é fortalecer financeiramente as pequenas e médias empresas que podem ser fechadas nos próximos meses. São necessários créditos a juros muito baixos, compras públicas (sempre que legal), estímulo à divisão do capital com participação, provisória, de prefeituras ou órgãos estaduais em empresas médias ou até pequenas[4] entre outras.

Há várias propostas já em circulação que devem ser aprimoradas e implementadas com rapidez. O mais importante agora é ter claro que a gravidade do momento não tem paralelo na história recente da economia mundial e brasileira. Nem mesmo a crise de 2008 se mostrou tão grave e desconhecida, apesar de sua magnitude.

Destarte, medidas excepcionais precisam ser adotadas, preocupando os decisores apenas qual a mais eficiente e eficaz forma de empregar recursos públicos para gerar demanda e deixar um legado positivo para o futuro. Caso o Brasil fique sozinho, flutuando sobre a ideologia neoliberal, descobriremos, em breve, que crises como esta matam e governos perdem legitimidade, tornando-se violentos e totalitários.

 

[4] Cláusula de obrigação de venda posterior da parcela estatizada do capital é simples de incluir em programas emergenciais. Vide experiência estadunidense na crise de 2008.

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