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Bolsonaro vai culpar Dilma Rousseff pela próxima recessão. Até quando?

Publicado originalmente em Carta Capital

A eleição de Jair Bolsonaro teve um impacto favorável sobre a Bolsa de Valores e sobre as previsões de crescimento feitas no mercado financeiro para 2019. O desemprego continua, no entanto, elevadíssimo e a produção industrial patina mês a mês.

O problema é que faz tempo que o mercado financeiro erra previsões sistematicamente. Em outubro de 2017, Henrique Meirelles previu que a reforma trabalhista geraria 6 milhões de empregos. O ministro do Trabalho foi mais modesto: 2 milhões em 2018 e 2019. Até agora mal superamos 5% da meta de Meirelles.

No mercado financeiro, muitos sonhavam no fim de 2017 que a economia cresceria 3% em 2018. O motivo? O “sucesso” das reformas de Temer que cortaram direitos dos trabalhadores, o gasto social e o investimento público, privatizaram o pré-sal e liberaram a Petrobras para elevar preços de combustíveis de acordo com a especulação no mercado internacional.

Mais tarde culpariam a greve dos caminhoneiros por mais um erro de previsão. Mesmo antes dela, contudo, o investimento privado não deu mostras de animação porque a demanda dos consumidores continuou com o passo de tartaruga e o investimento público despencou.

Diga-se de passagem que o bloqueio das estradas não foi um acaso, mas uma resposta direta ao que queria o mercado financeiro. Assim como a revolta dos “coletes amarelos” na França, o Brexit e a eleição do Donald Trump, a greve foi uma reação mais ou menos natural às reformas neoliberais que jogam todos os ônus nos de baixo e protegem o andar de cima, seguindo os conselhos do “mercado”.

O mercado financeiro ainda não percebeu que erra suas previsões de crescimento porque seus próprios conselhos dificultam que a economia cresça, quando não a atiram de cabeça na recessão.

Estranhamente, no lugar de culpar a si mesmos, os conselheiros do mercado financeiro e seus seguidores no jornalismo econômico continuam a culpar Dilma Rousseff.

Como todos sabem, Dilma atacou interesses do mercado financeiro. Primeiro, limitou em 2011 o ganho fácil com a especulação cambial que prejudicava exportações brasileiras. Depois, estimulou o Banco Central a cortar a taxa de juros básica.

Finalmente, travou uma batalha com a Federação Brasileira dos Bancos sobre os juros cobrados pelos bancos aos consumidores e às empresas. Os bancos públicos chegaram a cortar suas taxas para induzir os privados a competirem com juros menores.

Economistas de mercado e jornalistas simpáticos iniciaram uma guerra contra a chamada Nova Matriz Econômica. Mais tarde, um executivo bancário admitiu que houve pressão coordenada para elevação dos juros básicos em 2013, quando o BC dos EUA ameaçou elevar taxas de juros.

O recuo do governo iniciou-se em 2013, mas só se completou depois da eleição de 2014. Ao convidar o presidente do Bradesco e depois nomear Joaquim Levy na Fazenda, Dilma entregou os pontos, talvez para se concentrar na luta contra Eduardo Cunha. Recuou e propôs paz aos bancos.

Eles aceitaram. Subitamente, os mercados se tornaram mais otimistas. Depois que Levy foi convidado e prometeu corte grande no gasto público, as expectativas de mercado cravaram um crescimento de 0,8% para 2015. Um pouco mais pessimista foi o colunista Samuel Pessôa, que previa crescimento de 0,5%.

A economia despencou 3,8% em 2015. Ao invés de admitir seu erro brutal de previsão, Pessôa criticou recentemente a explicação do Nobel Paul Krugman para a crise brasileira, mas mencionando decisões dos governo Lula e Dilma que tinham ocorrido quando ele fez sua própria previsão errada!

Corretamente, Krugman lamentou que Levy acreditou na “fada da confiança”, ou seja, na ideia desacreditada (exceto na imprensa brasileira) que a austeridade favorece o crescimento porque aumenta a confiança dos mercados no pagamento da dívida pública, ainda que deprima a demanda de bens e serviços.

No fundo, o erro é achar que o governo pode poupar quando a economia desacelera e quando empresas e famílias também tentam poupar para pagar dívidas.

O problema é que a queda do gasto privado produz queda da arrecadação tributária. Se o governo poupar gastos para acompanhar a queda da arrecadação, as vendas dos empresários e os salários das famílias voltarão a cair.  Daí se cria um círculo vicioso no qual nem o governo nem as firmas ou as famílias conseguem poupar e pagar dívidas como gostariam. Os bancos cortam o crédito e contribuem para a inadimplência de que tem medo.

Keynes chamou isto de “paradoxo da poupança”. Concluía que o momento para a austeridade fiscal é o boom, nunca a recessão. Ela vai alongar muito o tempo para que as dívidas diminuam e, portanto, vai atrasar a retomada do crescimento.

Mas podiam ler o FMI, cuja principal publicação anual afirmou, em abril de 2012, “que os mercados parecem um pouco esquizofrênicos – pedem austeridade fiscal, mas reagem mal quando a austeridade fiscal leva a um crescimento menor”.

Mais uma vez, o mercado financeiro está otimista com os cortes prometidos por Paulo Guedes para 2019, que podem chegar a 140 bilhões de reais se eliminar o déficit primário sem receitas extraordinárias. Se fizer o que promete, a economia vai desacelerar forte e talvez até entrar em recessão, a menos que a produção agropecuária e as exportações bombem.

O cenário é incerto, pois não sabemos como será a safra de grãos ou se Paulo Guedes fará mesmo seus cortes gigantes. Ou se o novo chanceler Ernesto Araújo vai prejudicar as exportações de soja para a China, as industriais para a Argentina ou as de carne para os árabes com sua política externa “pós-ideologia”.

Só uma coisa é certa. Se os conselheiros do mercado financeiro errarem suas previsões de novo (crescimento de 2,5% em 2019), não vão mostrar a menor vergonha ao culpar, junto com Bolsonaro, as decisões de Dilma de 2012.

Crédito da foto da página inicial: Fernando Frazão/Agência Brasil

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