Durante as eleições, muito se falou a respeito dos aspectos das políticas sociais brasileiras, mais especificamente dos programas de transferência de renda.
Este texto pretende ampliar o debate, reconhecendo os avanços do Brasil nos anos 2000 sem, contudo, sustentar a falsa visão de que os recentes avanços sociais brasileiros se encerram com o Programa Bolsa Família.
No que diz respeito às transferências de renda condicionada, Lena Lavinas, em um recente artigo na New Left Review intitulado 21St Century Welfare, analisa que, frequentemente, é atribuída à América Latina a origem de tais programas, mas que seus precursores intelectuais podem ser encontrados mais ao norte, entre os defensores da teoria do capital humano – na escola de Chicago – e da teoria da decisão.
Desse modo, a autora destaca que na década de 1960 a teoria do capital humano chegou às universidades chilenas e influenciou as ideias liberalizantes dos economistas no governo Pinochet, desaguando na rede de segurança condicional que institui o Subsídio Único Familiar, em agosto de 1981.
Assim, o Chile, influenciado pela teoria do capital humano, é o precursor dos programas de transferência de renda condicionada na América Latina.
Os programas de transferência de renda condicionada, em sua maioria, têm como objetivo, em curto prazo, o alívio imediato da miséria – por meio de transferências diretas de renda a cidadãos pobres, os quais estão sujeitos à comprovação de insuficiência de renda.
Em longo prazo, pretendem interromper o ciclo intergeracional da pobreza, e uma das estratégias utilizadas para atingir tal objetivo é a exigência de condicionalidades nas áreas de educação e de saúde.
Com relação à questão social brasileira da década de 1990, o desemprego estrutural, a precarização e informalidade do trabalho e o aprofundamento da pobreza foram cruciais para que o País investisse em algum projeto que pudesse aliviar tais problemas.
Assim, o governo de Fernando Henrique Cardoso, em meio às dificuldades econômicas e sociais, dá o pontapé inicial a ações que visam ao combate à pobreza.
O acesso aos benefícios, portanto, é definido por critérios de seleção focalizados nos grupos sociais mais vulneráveis socialmente, de baixa renda e, em sua grande maioria, aos não inseridos no mercado de trabalho (idosos, pessoas com deficiência, crianças e adolescentes).
Como consequência, foram impostas limitações para os programas sociais, acompanhadas do desmonte dos direitos sociais conquistados. No plano de intervenção do Estado, tem-se um deslocamento guiado por posturas restritivas, com a adoção de programas sociais focalizados, quando não privatizantes (SILVA et al., 2004).
Soma-se a isso a não instituição de uma sociedade salarial no Brasil, nos moldes dos países europeus capitalistas.
As mudanças do mundo do trabalho fizeram com que aproximadamente metade da população economicamente ativa continuasse excluída do mercado de trabalho.
Nos governos Lula e Dilma, a unificação dos programas de transferência de renda no Programa Bolsa Família ampliou e modernizou o programa.
Ademais, observa-se nos governos petistas um esforço em tomar o Programa Bolsa Família como uma política de enfrentamento da miséria atrelada e complementar a outras políticas sociais.
Nesse sentindo, torna-se importante destacar que, para além do Bolsa Família, criaram empregos e valorizaram o salário mínimo. Nos anos 2000, o que se viu foi exatamente o inverso do que propalavam os neoliberais.
Desde a posse de Lula, em 2003, o salário mínimo vem sendo reajustado acima da inflação, acumulando mais de 70% de ganho real, tornando-se a principal razão da queda da desigualdade registrada nos últimos 10 anos (MANZANO, 2014).
É provável que a valorização do salário mínimo e a criação de empregos formais sejam a política social que mais diferencia os três últimos governos da experiência neoliberal e do desempenho do governo FHC.
Dado esse contexto, torna-se importante para a própria esquerda dar mais destaque às grandes mudanças, aos avanços e às transformações dos governos petistas após o longo período de neoliberalismo.
Apesar de o Brasil ter avançado muito nas questões sociais, nosso País ainda enfrenta grandes problemas estruturais e várias limitações, ainda somos um país muito desigual. Tal desigualdade se reflete no mercado de trabalho, na renda e no acesso a bens e serviços sociais básicos.
Ainda se faz necessário avançar nos direitos sociais, fazer com que todos os cidadãos tenham pleno acesso aos bens e serviços sociais básicos, como saúde, educação, saneamento, por exemplo, não se limitando apenas à transferência de renda condicionada.
Aqui se torna imperioso notar que as políticas econômicas são essenciais para continuar avançando nas questões sociais e para isso é preciso pensar em uma agenda de desenvolvimento.
O novo governo de Dilma encontrará um grande desafio em articular políticas econômicas e continuar progredindo nas questões sociais. A luta por políticas universais e de garantia de acesso aos direitos sociais precisa continuar.
Os impasses e desafios serão imensos nesse governo, mas uma das coisas que se pode exigir da democracia é a qualidade de vida e, nesse sentido, o Estado é responsável pelas pessoas, o mercado não.
Não podemos nos limitar a garantir um mínimo em termos monetários, insuficiente para atender além das necessidades básicas e sem uma correspondente ampliação e articulação com as demais ações das políticas sociais.
#FHC #Dilma #desigualdade #empregosformais #Pinochet #teoriadadecisão #informalidadedotrabalho #capitalhumano #transferênciaderendacondicionadapobreza #desempregoestrutural #serviçossociaisbásicos #Lula #ProgramaBolsaFamília #Chile #saláriomínimo #SubsídioÚnicoFamiliar #neoliberais #PolíticasSociais #políticasdetransferênciaderenda
Comments