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“BC independente é uma patetada”, diz Maria da Conceição Tavares

Publicado no Brasil Econômico

Maria da Conceição Tavares dispensa apresentação. Aos 84 anos, a maior economista do Brasil continua tão aguerrida quanto na época da ditadura militar, quando atacava sem piedade o modelo econômico. Se desaprova um conceito ou ideia, usa expressões demolidoras. “É uma patetada!”, exclamou por duas vezes nesta entrevista ao Brasil Econômico.

Na primeira, ao atacar os que pedem a substituição do ministro Guido Mantega, como solução aos problemas da economia. “O ideal é trocar o lençol da cama, é isso?”, ironizou. Na segunda, usou para rejeitar a pressão pela independência do Banco Central: “Independente não quer dizer porcaria nenhuma!”, bradou, ressaltando que nem mesmo nos Estados Unidos o Fed tem autonomia.

Em sua opinião, o BC de Alexandre Tombini está trabalhando com metas contraditórias: eleva a taxa de juros para combater a inflação, e promove a apreciação do real, prejudicando o crescimento da indústria. “Com o dólar no nível atual, é difícil completar as cadeias industriais, porque o cenário provoca uma ‘dessubstituição’ das importações”. Petista de coração, diz que “a situação não está nenhuma maravilha, mas não há razão para um pessimismo negro”.

Conta que a presidenta Dilma Rousseff “é uma mulher muito inteligente, mas o pessoal implica porque ela é meio brusca. Eu também sou”.

A visão no exterior sobre a economia brasileira é bastante crítica. Fala-se de desequilíbrio fiscal e inflação fora de controle, batendo no teto. O governo rebate e diz que o pessimismo é exagerado. Como a senhora vê o cenário atual?

O quadro não é esse. Não há nenhum desequilíbrio fiscal. Tem uma meta de superávit fiscal enorme, que, aliás, eu acho exagerada, de 1,9% do PIB. Querem o que mais? O ciclo de crescimento desacelerou, não há necessidade de fazer uma política fiscal mais austera ainda. O ciclo reverteu de 2002 até agora, o dinamismo dele está se esgotando. O consumo está mais ou menos no patamar esperado, com o alargamento entre as classes mais baixas. O investimento está no mesmo nível de 2002, em valores absolutos, e ele precisa aumentar um pouco. Mas o problema maior que eu vejo é com o balanço de pagamentos.

Por que, professora?

É muito difícil fazer uma política para reverter a situação do balanço de pagamentos porque a desvalorização do dólar foi definida pelos americanos. Não fomos nós que colocamos o câmbio no patamar atual. A política é deles. Os americanos estão se defendendo às custas dos demais. Sobre a inflação, eu acho que está em alta por causa dos bens de consumo, como os alimentos.

A senhora acha que a inflação pode cair rapidamente, como acredita o governo?

Claro! Com uma alta baseada nos alimentos, basta que a seca diminua para os preços voltarem a cair pelo aumento da oferta. Mas o governo tem aumentado a taxa de juros como principal arma de combate à inflação.

A senhora acha que esse é um mecanismo correto?

O problema é que não sei bem se a alta dos juros é apenas para conter os preços. Parece ser também para atrair capitais. O investimento direto estrangeiro não está crescendo, e metade do que tem chegado ao Brasil tem ido para os títulos da dívida pública. Então, a impressão é a de que o governo tenta atrair capitais para fechar o rombo de pagamentos.

O balanço de pagamentos tem um problema grave, de natureza estrutural, que, para ser corrigido, seria necessário o Congresso votar uma reforma fiscal. No governo do Fernando Henrique Cardoso (de 1995 a 2003), ele tirou os impostos sobre as remessas de lucros ao exterior. Não tem imposto algum e a empresa pode registrar o lucro que bem entender. O resultado é que a remessa de lucros tem crescido desvairadamente. Com o dólar desvalorizado, mais as viagens ao exterior crescendo e outras forças, a conta “Serviços” da balança comercial está toda desequilibrada, entendeu?

E a elevação da taxa de juros seria uma tentativa de corrigir esse problema?

De corrigir, não! Mas, sim, de permitir fechar o balanço de pagamentos final sem que haja déficit. É para tapar a brecha das transações correntes.

Mas, voltando à inflação alta, a srª considera que é apenas uma questão sazonal?

Acho que é sazonal, sim, provocada pelos alimentos. Não é uma alta forçada pelos bens de capital, pelos bens de consumo em geral. Temos uma pressão específica nos alimentos, que vêm subindo muito.

Em entrevista recente ao Brasil Econômico, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo também apontou nessa direção e afirmou que a inflação hoje no Brasil é muito mais pelo lado da oferta, e nem tanto pela demanda.

Mas é, uai! Estamos com um problema de oferta, principalmente devido à escassez de alimentos, porque a seca que vivemos é brutal. O efeito da estiagem também tem complicado a situação do setor de energia. Mas o problema é fundamentalmente de oferta. Não há nenhum descontrole de inflação de demanda. Nenhuma das componentes de pressão, como o investimento, o consumo, nem as exportações, cresceram além do que era esperado. Pelo contrário, têm se expandido até pouco.

Ao mesmo tempo, professora, se diz que o aumento de renda da população provocou uma demanda maior sobre os bens de consumo básico.

Pois é, e se não há oferta elástica, como visivelmente não tem, a consequência é dar um impulso nos preços para cima. O ponto que defendo é que esse movimento se corrigirá.

Outro problema muito falado por economistas e empresários é a questão da indústria. Ela não tem crescido. A que se deve atribuir esse mau desempenho?

Está claro: nós temos tido um câmbio sistematicamente sobrevalorizado. Com o câmbio como está, é muito difícil a nossa indústria enfrentar a concorrência das importações. Já começou no governo FHC e será muito difícil de reverter. Claramente, só a isenção fiscal para alguns setores não resolve. Precisamos de uma política industrial mais ampla.

Então, os incentivos setoriais não funcionam?

Durante um certo momento funcionaram, mas o mercado para automóveis e produtos da linha branca, por exemplo, está saturado. As cidades estão entupidas de carros e também não há mais onde colocar carros no mundo. Acho que a recuperação da indústria não virá pela via dos bens duráveis, entendeu? Devemos recuperar pelo lado dos bens não duráveis. A estratégia central, eu acho, é levantar um pouco a taxa de investimentos, ver se acelera mais as obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).

A previsão para o PIB este ano está sendo revista para baixo. Na semana passada, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) refez sua projeção de crescimento de 2,2% para 1,8%. A projeção do mercado financeiro é menor, algo perto de 1,6%. Por que isso?

As previsões mais baixas vêm desde o ano passado. É a indicação de esgotamento de um ciclo. Não é uma crise propriamente dita, ou uma recessão; é uma desaceleração do crescimento mesmo. Para voltar a acelerar, tem de forçar a taxa de investimento para cima, é a única componente que pode dar resposta à dinâmica. O crédito não vai resolver mais: já foi emprestado o que precisa e não há restrição de crédito.

Que mecanismo pode se utilizar para melhorar a taxa de investimento? Acelerar os projetos do PAC, com os programas de infraestrutura.

Mas o governo parece não ter abandonado a via do crédito. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, comentou recentemente que tem tentado convencer os banqueiros a facilitar o acesso dos consumidores ao crédito.

Sim, mas ele vai convencer os banqueiros de quê? Com essa taxa de juros e com a demanda como está? Banqueiro lá se convence com argumento? Eles estão é ganhando dinheiro… A escassez para eles é ótima para ganhar dinheiro. Estão com uma taxa de lucro ótima e não estão nada preocupados. Por isso, digo que só por esse caminho não vamos voltar a crescer como antes. Temos de melhorar a taxa de investimento. Não que esteja muito baixa, mas tem de subir de alguma maneira.

Sempre se diz que a taxa de investimento no Brasil, em torno de 18% do PIB, deveria se aproximar de 22%. Mas nunca se chegou lá. Esse objetivo continua de pé?

Pois é… não chega, mas precisa chegar. A linha de maior dinamismo para a recuperação é por aí. Completando os programas de investimento em infraestrutura que estão programados, o país resolve não só os problemas de estrangulamento, como também os de demanda.

Os críticos dizem que a matriz de crescimento que se baseia no consumo está vencida, não traz mais efeitos positivos como há alguns anos. Essa visão é correta?

O governo não adotou apenas o incentivo ao consumo. A taxa de investimento foi mantida. O que defendo é que ela precisa acelerar. Realmente, essa matriz se esgotou; o consumo foi acelerado ao máximo. E também já houve a incorporação das classes mais baixas, com os programas sociais pesados que o governo tem feito. Por isso que eu digo: dada a rigidez da oferta de alimentos e a estagnação no consumo de bens duráveis, o que resta para estimular é o investimento, está claro?

O novo ciclo seria, então, o do investimento?

Sim, primeiramente na infraestrutura e depois tentar remendar as cadeias produtivas da indústria. Mas, para tanto, é preciso que a taxa de câmbio melhore. Com o dólar no nível atual, é difícil completar as cadeias industriais porque o cenário provoca uma “dessubstituição” de importações, quando o que precisamos agora é o contrário. Então, eu vejo uma barreira pelo lado do câmbio, desfavorável, que para se consertar não depende só de nós. A desvalorização do dólar foi provocada pelos Estados Unidos! Não foi pela nossa taxa de juros, nem por nada que fizemos por aqui. O investimento, super bem-vindo, tem de acelerar. Mas o PAC está indo muito lento, não é… Há gente, principalmente no exterior, defendendo que se mude o ministro da Fazenda.

A srª acha que essa sugestão faz sentido?

Ai, ai… essa é ótima. O ideal é trocar o lençol da cama, é isso? Ao invés de arrumar a infraestrutura, troquemos os lençóis da cama? Mas que patetada! Eu não acho que é isso. Estou lhe dizendo que é estrutural, poxa! Já dei os argumentos do que eu acho que se passou e o porquê de ter acontecido. Isso, não há nenhum ministro da Fazenda que seja capaz de reverter. Não é algo que o sujeito chegue lá, dê um bafo, e o ciclo se reverte. É um projeto trabalhoso, vai levar um certo tempo. Mas é possível reverter, porque nós não estamos em recessão. Não estamos mais em 2009, quando houve aquela crise mundial que nos atingiu. Outra coisa que se precisa ver é que a renda não está caindo. Muito pelo contrário, tanto assim que o lado da demanda vai bem.

Como a srª citou, os EUA estão retirando os incentivos monetários e ameaçam elevar as taxas de juros. Esse desmonte da política de quantitative easing é perigoso para o Brasil?

Olha, tenho a impressão de que os Estados Unidos deram uma guinada tão violenta agora que não é provável que façam outra, até porque prejudicaria todo o mundo, não apenas nós. A China também não está achando graça nenhuma.

Mas o Federal Reserve (Fed, o banco central americano), está falando em elevar os juros já no próximo ano.

Eu sei. Eles estão salvando os bancos deles. O resto do mundo dança a valsa. E isso ninguém pode impedir, porque o banco central americano é o banco dos bancos, não é independente como se imagina. Ele depende dos bancos, e como eles queriam melhorar suas posições porque estavam com ativos podres na carteira, os Estados Unidos fizeram o programa de expansão da liquidez exatamente para comprar esses títulos ruins. O Fed fez essa política e aí ficou difícil. Talvez pudéssemos fazer uma política cambial mais ativa, não sei. Penso nisso porque não há muito espaço no campo fiscal. Pelo lado monetário também não dá, porque subir a taxa de juros não melhora o câmbio, pelo contrário. Veja que essa medida usada para combater a inflação desvaloriza a cotação do dólar e atrapalha a recuperação da indústria. Os juros não podem subir indefinidamente. Não bastassem as razões externas, temos também as internas.

Pesquisas recentes feitas com empresários apontam um pessimismo muito grande por parte deles. Com esse cenário, haverá razão para eles investirem?

Eles não estão dispostos porque as importações estão abertas. O cara investe na produção para ver os chineses, os americanos e quaisquer outros invadirem o país com importações. É prejuízo, expectativa de lucro baixa…

Seria o caso de aplicar um instrumento de defesa, como sobretaxar de alguma forma as importações?

Sobretaxar seria legal, sabe… Mas não é ortodoxo. Eu sou a favor, mas porque não sou ortodoxa (risos). Sou, sim, a favor de um controle de importações. Acho que está demais, uma esbórnia. Mas antes disso, eu sou a favor de tributar a remessa de lucros, está claro? São dezenas e mais dezenas de bilhões de dólares, o que é um disparate.

A atuação do BC, com rações diárias de contratos de dólares mais a elevação da taxa de juros, poderia ajudar a reanimar a indústria?

Não mesmo! O BC não está agindo de uma maneira contracíclica. A política atual é pró-cíclica. O ciclo de crescimento desacelerou e o BC está ajudando a desacelerar. Subir a Selic não vai incentivar o investimento, tampouco a demanda, está claro?

Mas há indicações de que o BC deve seguir com o ciclo de aperto monetário na próxima reunião do Copom.

Ah, eu por mim acho que já chega, porque essa política monetária já fez o que deveria ter sido feito. Agora, não tem que subir. É esperar que a inflação reverta naturalmente.

A srª concorda com a política de meta de inflação?

Depende de onde se bota a meta. Em princípio, ainda estamos abaixo do teto, não o estouramos. Não precisa ficar tão nervoso, não é? Não fico nervosa. A meta é uma invenção que foi feita e que não se volta mais atrás. Mas não é o meu ideal de política monetária.

Como a srª vê a posição dos que defendem a independência do Banco Central?

Ai, isso é outra patetada… Eu me cansei. Não há nenhum banco central independente, meu bem! O dos Estados Unidos, que devia ser o paradigma, não é independente, como é que o nosso seria? Independente quer dizer o que, hein? Não quer dizer nada. Independente do governo? Do mercado? Das metas da política econômica? Independente não quer dizer porcaria nenhuma! O BC tem é que tentar agir de uma maneira coerente. Agora, quando ele tem metas contraditórias, como conter inflação e fazer uma política cambial mais ativa, fica difícil culpar o BC. E olha que o presidente atual (Alexandre Tombini) é um cara bom, respeitável. Não é o caso de mudar nada. O problema é que a situação está meia de bico nesse caso particular, um problema de curto prazo atrapalhado, acho que não dura muito. Estou moderadamente otimista.

A srª acredita que a economia brasileira voltará a crescer em 2015?

Volta, mas não aos níveis que cresceu no passado. Temos uma crise mundial ainda sendo digerida. Mas o fato de o país continuar forte em emprego, salário e renda para as classes trabalhadoras é um alívio, rapaz. Lembre quantos anos passamos sem isso. Houve anos em que a economia brasileira cresceu muito, sem que tenham crescido os salários e a renda das famílias. Ninguém come PIB como eu já disse, precisa ter renda e salário. Isso está sendo mantido. Espero que não façam nenhum disparate com o salário mínimo. A inflação alta está chegando até a mesa das pessoas.

A srª acha que o aumento de preços dos alimentos pode prejudicar a reeleição da presidenta Dilma?

Não acho não, porque não vejo quem vá fazer melhor. Você já viu algum programa bacaninha? Algum dos candidatos da oposição tem algum projeto maravilhoso que eu não saiba da existência dele? Que eu saiba, eles não têm programa nenhum. O nosso, ao menos já é conhecido. Já tem 12 anos de experiência. A oposição não está propondo nada. Criticar, bater no tambor é fácil. Agora, não vi nenhum dos dois candidatos propor nada.

Como era a aluna Dilma Rousseff?

Ela fez doutorado lá em Campinas (na Unicamp). É uma mulher muito inteligente. O pessoal às vezes implica porque ela é meio brusca. É o estilo dela. Eu não posso falar nada, porque também sou… de maneira que não tenho como criticar. Sobre a reeleição dela, estou otimista. Não está nenhuma maravilha a situação, mas não há qualquer razão para um pessimismo negro, porque os outros candidatos não são nenhuma Brastemp, ou são?

Com o fechamento do ciclo de crescimento e a indústria patinando, a srª acredita que a taxa de desemprego pode subir e sair desse nível historicamente baixo?

Não, porque a taxa de desemprego está muito ligada aos serviços, e nem tanto à indústria. Os serviços é que estão segurando o PIB, o emprego. É o que está segurando tudo. O Brasil hoje tem uma economia de serviços mais desenvolvida.

A pauta de exportação do Brasil está voltando a ficar muito dependente das commodities. Isso é bom para o país?

Como não seria bom para o país? Deixar de exportar commodities quando somos o número 1 do mundo, com produtividade altíssima e tecnologia de alto nível, não teria nem pé nem cabeça. Exportamos mais do que café, atualmente. Quero saber o que os críticos querem que exportemos no lugar dos produtos do agrobusiness. Querem que exportemos gente?

É possível ter uma pauta mais diversificada?

Ela é diversificada, tanto no setor primário quanto no secundário. O problema é que o segundo está muito pequeno pela falta de competitividade da indústria. Com essa taxa de câmbio, fica difícil exportar produtos industriais, bem como investir. Sem investimento, fica ainda mais penoso.

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