O sistema bancário no Brasil é um dos mais concentrados do mundo. Os cinco maiores bancos concentram mais de 80% dos ativos totais em 2016, índice bastante elevado em comparação com a média internacional. Entretanto, o que mais chama atenção é que o custo médio do crédito no Brasil é bastante superior ao de outros países do mundo, mesmo em países com concentração bancária similar à do Brasil. Isso se deve, em parte, ao maior custo de captação e a taxa de inadimplência, mas também se relaciona com a margem líquida dos bancos e com a taxação sobre as operações de crédito. Ou seja, nosso sistema bancário concentrado compete pouco entre si, o que explica em parte a dificuldade de acesso e o elevado custo do crédito.
Do ponto de vista estrutural e de longo prazo, a desconcentração do mercado bancário e o aumento do número de instituições de crédito (como cooperativas, fintechs etc.) pode levar a uma maior concorrência entre seus integrantes, promovendo uma redução das margens líquidas. Além disso, no curto prazo, medidas visando a melhorar o ambiente de negócios, reduzindo custos e facilitando a recuperação de garantias, podem ajudar no processo de queda dos juros cobrados ao tomador final.
No entanto, esta agenda não parece suficiente para enfrentar o grau de oligopolização do sistema bancário brasileiro. Ao longo das últimas décadas, observamos uma série de alterações que, apesar de atuarem no sentido de baratear o crédito, não reduziram de maneira perene e significativa seu custo. A queda da taxa SELIC, a redução dos depósitos compulsórios, a criação de novos produtos financeiros com melhores garantias e mesmo a utilização dos bancos públicos como mecanismo de incentivar a competição no sistema bancário aparentemente não foram capazes de alinhar o custo de crédito no Brasil ao observado no resto do mundo.
Diante deste cenário de alta concentração e pouca competição, uma ideia inovadora surgiu no debate público: a introdução do conceito de progressividade tributária sobre o custo do crédito. Em outras palavras, significa dizer que as instituições que cobrarem juros mais altos de seus clientes pagariam mais impostos, enquanto aquelas que emprestassem com taxas de juros mais baixas pagariam menos impostos. Desta forma, cria-se um sistema de premiação (relativa) para aquelas instituições que queiram concorrer, ofertando crédito mais barato, e punição para aquelas que quiserem manter o atual comportamento, ofertando crédito caro com margens elevadas.
Apesar de simples e pragmático, o conceito apresentado tem sofrido críticas, em particular de economistas historicamente ligados aos bancos privados. É necessário, portanto, tecer alguns esclarecimentos sobre a proposta, de forma a rebater algumas falácias que passaram a surgir no debate. Em primeiro lugar, é importante ressaltar o caráter inovador da ideia, que ao sugerir uma regra que incidirá sobre todo o sistema de crédito (evidentemente ajustada para os diferentes tipos de operação de crédito), não se configura como uma intervenção unilateral do Estado sobre algumas instituições ou produtos específicos.
Em segundo lugar, a nova regra terá como único objetivo “turbinar” a competição no mercado de crédito, fazendo com que os bancos que se dispuserem a concorrer obtenham vantagem sobre seus pares que decidirem não o fazer. Por fim, não se trata de forma alguma de subsídio para bancos, uma vez que a alíquota média da tributação não será menor que a atual, não implicando perda de receitas para o governo.
Ademais, a introdução do conceito de progressividade tributária também não implicará encarecimento das linhas de crédito, como alguns economistas sugeriram. Isso só ocorreria se nenhuma instituição decidisse competir, mantendo suas margens atuais inalteradas e repassando em igual medida os custos da tributação ao consumidor.
No entanto, caso apenas uma das instituições (pública ou privada) opte pela competição ao invés do cartel, ela receberá um triplo benefício: pagará menos impostos (o que pode inclusive elevar sua rentabilidade), ganhará mercado sobre as outras instituições e terá acesso aos melhores clientes, que irão procurá-la para realizar suas operações de crédito.
Por outro lado, aquelas instituições que não aderirem ao processo competitivo devem perder mercado, reduzir sua rentabilidade (tanto pelo pagamento de mais impostos, quanto pela redução da base de clientes) e receber apenas os clientes mais desesperados, que por algum motivo não conseguiram tomar crédito mais barato. Ou seja, basta uma instituição bancária optar pela competição, que as outras serão imediatamente impelidas a competir, “empurradas” pela regra da progressividade tributária.
Além desses benefícios, o aumento da competição e a redução no custo do crédito deve promover uma queda nos indicadores de inadimplência (em particular se aliado a criação de emprego e renda), o que pode ajudar a reduzir ainda mais os juros cobrados do tomador final. Por fim, ao cobrar menos impostos de instituições que oferecem crédito mais barato, incentiva-se ainda mais o crescimento das cooperativas de crédito e fintechs, que via de regra são capazes de cobrar juros menores. Desta forma, a medida também irá “turbinar” a desconcentração bancária no Brasil ao longo do tempo, fator importante para o aumento da competição.
É evidente que a proposta de tributação progressiva não resolverá todos os problemas do sistema bancário brasileiro. Ela é uma medida complementar, mas poderosa, que tem um enorme potencial de fortalecer a competição dentro do mercado de crédito. A reação contrária de alguns economistas ligados aos bancos apenas revela o potencial competitivo da medida, que obrigará o cartel bancário a sair de sua cômoda posição atual rumo a um cenário de maior concorrência. Infelizmente, parece que parte dos ditos “liberais” brasileiros teme a competição e quer impedir (por qualquer meio disponível) a ascensão de seus concorrentes, seja na arena política, seja no mercado bancário.
Crédito da foto da página inicial: Agência Brasil
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