O capitalismo é um sistema financeiro – e este é um sistema tecnológico de informações do qual todos os cidadãos participam. Portanto, desmitificá-lo de preconceitos, como fosse um mal improdutivo ou uma instituição artificial ao sistema capitalista exige demonstrar sua importância social em atender a todos com suas funções básicas: pagamentos, gestão das reservas financeiras e financiamentos.
Essas funções eram interdependentes nos bancos tradicionais. Depósitos à vista eram meios de pagamento sob ordem de transferências emitidas por cheques, DOCs ou TEDs. O custo de oportunidade era a taxa de juro composta em investimentos financeiros como depósitos a prazo, de poupança, LCI/LCA, FIFs etc.
Os passivos em prazo maior, funding remunerados por juros, lastreavam as carteiras de empréstimos. Para os bancos carregarem carteiras de títulos, principalmente, de dívida pública, usavam floating, isto é, disponibilidades líquidas, inclusive depósitos à vista.
O processo de digitalização de contas correntes e demais serviços bancários barateou o acesso popular a bancos e crédito. A prestação de serviços bancários propicia receitas como tarifas (30% em 2019), administração de fundos de investimentos (9%), administração de fundos constitucionais e loterias (6%), cobranças (4%), garantias (4%), mercado de capitais (6%), pagamentos/cartões de crédito (13%), entre outras (28%).
A “bancarização” e o crédito consignado foram marcas fortes da Era Social-Desenvolvimentista (2003-2014), sob hegemonia trabalhista, aliada a uma casta de sábios-intelectuais e tecnocratas. A casta dos mercadores se acomodou e a dos militares obedeceu, apesar dos muxoxos dos ressentidos pelo regime democrático se afastar da herança ditatorial.
Já tendo publicado o livro “Brasil dos Bancos” sobre a história bancária de 1808 a 2008, desta feita fiz uma pesquisa, em arquivos jornalísticos, para captar o sentido da evolução do sistema bancário brasileiro no período 2008-2020. Resgatei inclusive memórias dos relacionamentos dos “velhos banqueiros” com políticos protagonistas (Delfim Netto, FHC, Lula e outros), aliados aos fisiológicos/golpistas do “emedebismo”.
Ao comparar seus perfis, obtidos em obituários, percebi não só terem tido participações políticas mais diretas, seja eleitorais, seja por nomeação de militares do generalato ditatorial. Depois do regime de exceção, sucedidos por nova geração, os próceres desta resumiram a participação à prudente postura de “política é para políticos”.
Dão maior importância à rede de relacionamentos pessoais com ministros da Fazenda e presidentes do Banco Central do Brasil. Os envolvidos em oportunidades de negócios promíscuos da “coisa pública” com a “cosa nostra” tiveram problemas com a Justiça. A impessoalidade é uma exigência constitucional de ética pública.
Esbocei os perfis dos velhos banqueiros para comparar com os dos novos banqueiros. Cada qual pertence a diferente contexto histórico, financeiro e tecnológico. A pergunta-chave a guiar minha pesquisa foi: qual é a herança deixada por esses banqueiros-ícones (Amador Aguiar, Lázaro Brandão, Walter Moreira Salles, Olavo Setúbal, Aloizio Faria, Moraes e Abreu, Fernão Bracher, José Luiz de Magalhães, Magliano, Braguinha, Joseph Safra)? Familiar? Corporativa? Cultural?
Muitos críticos demonizam os banqueiros e não reconhecem o papel relevante da filantropia ou altruísmo. Os ricos têm responsabilidade não só nos males, mas também em bens, nem sempre materialistas… Os “big-six” bancos (BBICS), inclusive o BNDES, se transformaram em corporações nacionais, responsáveis também por boa parte dos institutos culturais, museus, teatros, shows, exposições, cinemas, esportes etc.
Os novos banqueiros exploram outras atividades. Transitam de uma economia de endividamento bancário, propício à alavancagem financeira para aumento da rentabilidade patrimonial e do emprego produtivo, a uma economia de mercado de capitais.
À norte-americana, a capitalização dos empreendedores é necessária não só para a alavancagem com recursos de terceiros dar maior escala aos empreendimentos, mas também para a concentração e centralização do capital. Fusões e aquisições dão maior competitividade internacional ao reunir antigos competidores em maiores holdings.
Por exemplo, o BTG Pactual, banco de investimentos do banqueiro André Esteves, recebeu em 2011 o registro de companhia aberta da CVM. O banco de negócios pode então entrar em bolsa de valores para captar recursos para executar seu plano de expansões em diversos países da América Latina. Aliou-se também com Fundos de Investimentos Soberanos como os de Cingapura, China e petro-estados.
Os banqueiros de negócios, em essência, seguem a “regra-de-ouro” do comércio: comprar ativos (diversas formas de manutenção de riqueza) baratos para vender caros mais adiante. Especulam e/ou fazem arbitragens internacionais, aproveitando-se das diferenças de preços propiciadas por taxas de câmbio flutuantes.
O BTG Pactual faz investimentos proprietários. Receitas de tesouraria e gestão de riqueza financeira rendem muito acima de eventuais empréstimos corporativos. Como banco de negócios, diversifica sua carteira de ativos com participações em setores sem correlação em suas cotações, ou seja, valores de mercado com riscos diversos.
Na maioria das vezes fica com participações minoritárias em negócios bem-sucedidos em andamento, testados e aprovados. Não lhe interessa o controle majoritário para sua administração. Liquidez é importante para entrar e sair logo do negócio quando houver oportunidade lucrativa.
As recentes inovações financeiras e tecnológicas propiciaram uma “sopa de letrinhas” de siglas “iiispiertas”. Parecem placas: iti, Bitz, DinDin, PicPay, OLX, AAWZ, Mova, Creditas, Credisfera, Bcredi, Finpass, Caixa Tem, Conta Zap, Pix, QR Code etc. etc. Isto fora as siglas inspiradas nos nomes dos “novos banqueiros”: BTG e XP, contratantes de AAI (Agentes Autônomos de Investimentos). Ai, ai, ai…
Ao funcionar como um supermercado digital de investimentos, a XP conquistou clientes de instituições financeiras tradicionais em razão da oferta de um cardápio mais variado de aplicações. Entre essas, incluía opções de terceiros em diferentes bancos e fundos. Nos bancos, os clientes só adquiriam produtos lançados ou administrados pela própria instituição e, em geral, com retornos mais baixos ou menos especulativos/arriscados.
Serviços de pagamentos gratuitos e investimentos um pouco mais rentáveis, em proporção aos maiores riscos, para seus clientes, são apontados como os fatores mais relevantes na escolha de um banco digital. Esses fatores pecuniários estão à frente da marca, da conveniência e da experiência do usuário do mobile banking.
Conquistaram, dizem os CEOs das fintechs, “milhões de clientes”. Evidentemente, mentem, pois somam várias populações brasileiras. Além dessa dupla-contagem, seus jovens clientes, na onda digital, não abandonaram a segurança dos big-five bancos.
Eles se encontram na parcela da população não incluída entre os 10% mais ricos do Brasil. Se não estiverem desocupados, ganham renda abaixo de R$ 5 mil. A renda mensal média de seus clientes é R$ 3.000: 43% até R$ 2 mil e 31% entre esse valor e R$ 4 mil.
Um dos maiores desafios para os digitais será “rentabilizar” sua base de usuários, em sua maioria, de baixa renda. Algumas fintechs têm, em seus aplicativos, marketplaces de comércio eletrônico a investimentos, mas não oferecem a função básica de crédito.
As “banquetas” planejam disputar duas funções com os “bancões”, mas não têm a “terceira perna” deles: acreditar em clientes para lhes conceder crédito. Tampouco têm a “quarta perna”: a segurança, para os trabalhadores-investidores guardarem suas reservas financeiras para a aposentadoria, por serem “grandes demais para quebrar”. A Autoridade Monetária monitora isso com a finalidade de evitar o risco sistêmico.
Há espaço para “bancões” tradicionais manterem seus clientes com uma boa oferta multiprodutos, inclusive digitais. Podem tirar proveito, especialmente, de ampla “prateleira de crédito”. Esse é um dos pontos fracos dos concorrentes digitais, ao lado dos baixos limites em cartões de crédito, oferecidos por eles.
Todas as banquetas digitais, e mesmo as fintechs sem ousar ter “placa de banco”, almejam fazer, tal como fez a XP, o maior IPO (Oferta Pública Inicial de ações, na sigla em inglês) de uma companhia brasileira no exterior. A estreia em bolsa de valores, ao ser avaliada em bilhões de dólares, torna seus controladores (e descendentes) bilionários. Basta iludir os especuladores para atribuírem subjetivamente crescentes valores de mercado às propagandas enganosas com abuso de “palavrinhas-mágicas” muuudernas.
Esse “comportamento me engana, pois eu gosto” também faz parte da minha pesquisa em arquivos jornalísticos. Acesse o livro AQUI.
Crédito da foto da página inicial: Valter Campanato/Agência Brasil
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