Artigo em parceria com a Plataforma Política Social e Centro de Altos Estudos Brasil Século XXI, publicado na Revista Política Social e Desenvolvimento #23
A crise financeira internacional iniciada em 2008 e políticas adotadas por diferentes países para enfrentar seus efeitos acabaram por lançar luzes sobre mecanismos e instituições utilizados para este fim e, dentre essas, bancos públicos, em especial, mas não unicamente, bancos de desenvolvimento.
Estas instituições estão presentes em grande número de países, tendo sido criados, em sua grande maioria, nas décadas de 1950 e 1960, como parte de esforços de industrialização ou de reconstrução, a partir do diagnóstico da centralidade da industrialização para o desenvolvimento econômico.
Tal diagnóstico era amplamente amparado nas teorias de desenvolvimento dominantes e destacava a necessidade de mecanismos de financiamento do desenvolvimento industrial, especialmente para financiar o investimento. Portanto, parece possível associar a criação de bancos de desenvolvimento com a percepção da necessidade de enfrentar situações de economias subdesenvolvidas e/ou sistemas financeiros subdesenvolvidos.
Segundo Torres (2007), bancos de desenvolvimento significam formas de direcionar crédito para fins específicos e resultam de mecanismos criados após a Segunda Guerra Mundial para reconstruir grandes economias destruídas, incluindo os países europeus e o Japão, bem como para promover a industrialização e desenvolvimento, especialmente na América Latina e na Ásia.
Esse parece ter sido o contexto mais geral, histórico e conceitual, que motivou a criação do brasileiro Banco de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e do chileno Banco de Estado (BancoEstado), respectivamente em 1952 e 1953.
Tendo em vista a motivação da criação dessas instituições e aceitando a centralidade do investimento para o processo de crescimento e desenvolvimento econômicos, entende-se importante discutir o papel assumido por instituições públicas de financiamento, preocupando-se, sobretudo, em entender suas atuações no enfrentamento dos efeitos da crise internacional sobre as economias em questão.
Acredita-se que essas instituições tiveram um papel ativo, configurando-se como elemento central das então implementadas políticas de estabilidade financeira. Cabe já de início ressaltar que em um dos casos em análise, o brasileiro, o sistema público de financiamento é mais amplo do que o BNDES e a Caixa Econômica Federal, entendida aqui como banco de desenvolvimento.
Uma análise comparativa de dados e indicadores bancários de Brasil e Chile, assim como da participação das instituições analisadas no sistema, contribui para que se compreendam tais sistemas.
Primeiro, a centralidade dos bancos no sistema financeiro brasileiro, que pode ser depreendida dos indicadores de ativos, crédito e depósitos. No Chile, além dos bancos, destaca-se também o papel de outras instituições financeiras. Ademais, nesse último, as instituições financeiras – bancárias e não bancárias – são mais atuantes no financiamento da economia, o que se percebe por meio de indicadores que relacionam o crédito ao produto da economia. (Tabela 1).
Como não poderia deixar de ser, o sistema brasileiro é muito maior em termos de volumes e conta com um sistema público de financiamento mais robusto que o chileno.
Chama a atenção, no caso do Brasil, a maior vocação da Caixa para emprestar, expressa na participação de empréstimos em sua carteira de ativos. No Chile, destaca-se a importância do BancoEstado, e se explicita a pequena participação sistêmica da Corfo (Tabela 2).
Uma análise da atuação de instituições financeiras públicas no Chile e Brasil, sobretudo, mas não unicamente no que tange ao papel por elas assumido no enfrentamento dos efeitos da crise internacional sobre as economias em que atuam, aponta algumas questões.
Em ambos os países, observou-se a criação de instituições públicas que tinham como intuito estimular o estabelecimento de setores produtivos entendidos como fundamentais para o desenvolvimento econômico.
Neste sentido, BancoEstado e BNDES foram criados nos anos de 1950, período no qual a maioria dos bancos de desenvolvimento foram estabelecidos.Vale notar que a Corfo também foi criada com este intuito. Estas instituições ocuparam um papel importante no processo de industrialização das economias em questão, até os anos 1970.
Com a introdução dos regimes não democráticos nos dois países, observou-se uma mudança da importância das instituições: enquanto no Brasil o sistema público de financiamento não só se manteve, como se alargou, no Chile, marcado por regime político duro e regime econômico liberal, as instituições públicas de financiamento viram seu papel diminuído.
Os dois sistemas passaram por intenso processo de liberalização econômica e, neste bojo, financeira, sobretudo nos anos de 1980 e 1990. No Brasil, observaram-se mudanças importantes, como um movimento de fusões e aquisições dentro do setor privado e a privatização de parcela importante dos bancos públicos estatais.
No entanto, nos dois sistemas, a presença e importância – mesmo que a partir de regras distintas –, apesar de crescentemente marcadas pela lógica da eficiência e rentabilidade, as instituições públicas foram mantidas.
No Chile, o BancoEstado e a Corfo. No Brasil, alguns bancos estaduais, sem protagonismo, mas, sobretudo, os federais. Vale ressaltar: a despeito do processo de liberalização vivenciado, em ambos os países um sistema de financiamento público permaneceu – mesmo que no Chile não se tenha a presença de um banco de desenvolvimento, com papel no financiamento de longo prazo.
Isto posto, o Chile fez fortes mudanças no seu sistema de aposentadorias, migrando para fundos de pensões privados obrigatórios, o que acabou por contribuir de forma importante para a estruturação de um mercado de capitais atuante, que assumiu protagonismo no financiamento de longo prazo.
No Brasil, o mercado de capitais, apesar de diferentes iniciativas dos policy makers, não assumiu relevância no financiamento de longo prazo, papel que tem sido assumido em sua quase totalidade pelo BNDES.
O sistema público de financiamento brasileiro é muito mais amplo e complexo do que o chileno, marcado não só por uma diversidade de bancos, que assumem papéis distintos, mas também por mecanismos de funding que possibilitam atuação em segmentos específicos, como o caso do papel do FAT no financiamento de longo prazo e do FGTS no financiamento da habitação de baixa renda.
Vale notar que a atuação da Caixa e, sobretudo, do Banco do Brasil, não se limita aos mecanismos especiais de funding. No caso do Chile, com exceção da Corfo que opera basicamente com recursos próprios e sem relevância sistêmica, o BancoEstado conta somente com funding de mercado.
No que concerne à atuação dessas instituições na concessão de crédito nas duas últimas décadas, é possível detectar algumas peculiaridades, que confirmam a lógica geral vigente em cada um dos sistemas.
Nos anos imediatamente anteriores à crise financeira internacional, os bancos públicos no Brasil e Chile atuaram de forma pró-cíclica, mesmo que, em alguns momentos, em ritmo menos intenso do que o setor privado. Quando do espraiamento da crise, a atuação anticíclica foi notória: no Brasil já em 2008, mas de forma mais importante em 2009, e no Chile neste último ano, a atuação dos bancos públicos no crédito foi fundamental para evitar uma paralisação do mercado e suas consequências deletérias sobre suas respectivas economias.
Destaque-se que, no Brasil, a crise ocorreu em meio a um ciclo de crédito inédito, em que os agentes econômicos estavam mais alavancados, o que exacerbaria os efeitos sobre a economia, não fosse a atuação das instituições públicas. No após crise, o comportamento das instituições nos dois sistemas diferencia-se: enquanto no Chile o BancoEstado diminui a intensidade de atuação no crédito, os bancos públicos no Brasil continuam a emprestar em ritmo mais intenso do que os bancos privados.
Título original: “Bancos de desenvolvimento e políticas anticíclicas: um estudo de experiências no Brasil e Chile”
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