A discussão econômica atual no Brasil centra-se na necessidade do ajuste fiscal para a manutenção da estabilidade macroeconômica e a retomada do crescimento. Taxa de inflação próxima ao teto da meta e contas governamentais desbalanceadas ganharam papel de destaque no debate como forma de clamar por um nítido compromisso governamental com o denominado tripé macroeconômico, a saber, o regime de metas de inflação, superávit primário e câmbio flutuante, que vigora desde 1999.
É fato que a eficácia e a credibilidade das políticas econômicas governamentais adotadas nos últimos anos têm sido, em algum grau, questionadas.
Por alguns, devido a um suposto distanciamento em relação às políticas do tripé e consequente deterioração dos fundamentos macroeconômicos, sob alegações, por exemplo, de utilização de contabilidade criativa e outros dispositivos para flexibilizar as contas do governo.
Por outros, em razão de uma relativa inconstância de objetivos claros e de mecanismos para alcançá-los, implementando, por vezes, políticas macroeconômicas e industriais divergentes e/ou excessivamente focadas no curto prazo que, ao buscarem conciliar interesses diversos, produzem resultados aquém dos esperados.
Destravar o crescimento econômico é o principal desafio do Brasil há décadas, e também do novo governo. É fundamental para esse processo o conjunto de expectativas em relação ao futuro da economia, no que se incluem a orientação e a credibilidade das políticas econômicas governamentais.
A fim de garantir a solidez dos fundamentos macroeconômicos, entendida como precondição ao crescimento, a nova equipe econômica já se mostrou empenhada na realização do ajuste mediante políticas fiscal e monetária contracionistas, reiterando os compromissos governamentais para com investidores financeiros nacionais e estrangeiros.
Tal orientação, no entanto, baseia-se na hipótese de que a consolidação fiscal para conter o endividamento do governo seja capaz de aumentar a confiança do setor privado no futuro e, assim, estimular novas decisões de gasto, seja de consumo, seja de investimento. Trata-se da ideia da contração fiscal expansionista ou, de modo mais amplo, austeridade expansionista, uma vez que engloba no Brasil não apenas o ajuste fiscal, mas também uma política monetária restritiva focada na inflação.
Retomar a confiança na política econômica não implica necessariamente adotar essa orientação de política. Tampouco significa displicência quanto às contas governamentais e inflação, variáveis importantes na determinação da dinâmica econômica.
No caso da inflação, por exemplo, cabe debruçar-se sobre suas causas, que podem ser as mais variadas, como mudanças estruturais na economia brasileira, deterioração dos termos de troca, sazonalidade, alterações no cenário internacional e choques externos, pressões internas de custo ou de demanda, entre outras.
Desse modo, podem-se adotar formas críveis de combate ao processo inflacionário que não apresente apenas o mecanismo de juros como solução única. Os efeitos deletérios desse remédio sobre o restante do sistema econômico são amplamente conhecidos, inclusive sobre a trajetória da dívida pública e a política fiscal, a qual se torna refém desse movimento.
É necessário, também, o entendimento do ciclo econômico e das condições internacionais. Conforme os ensinamentos keynesianos, a política fiscal deveria atuar, sobretudo, de maneira anticíclica, a fim de atenuar as flutuações econômicas. Logo, caberia ao governo, primeiro, separar nitidamente orçamento de capital destinado à sua capacidade de investimentos e, portanto, de acelerador do crescimento, de seu orçamento corrente voltado às despesas ordinárias de consumo. E, segundo, manter o orçamento corrente equilibrado e o orçamento de capital planejado, de modo a permitir déficit fiscal em momentos de desaceleração e superávit fiscal em períodos de boom. Isso contribuiria para regular a demanda agregada e a inflação.
Como não parece ser o caso de o País e o mundo como um todo vivenciarem um período de aceleração econômica, não há indícios de que adotar medidas de austeridade resulte em promover crescimento econômico.
Este não foi o caso europeu, por exemplo, cujas autoridades hoje passam a reconhecer que medidas de austeridade adotadas diante da crise tiveram efeitos adversos à antes esperada retomada econômica. E isto em caso de diversas economias com grau de endividamento público muito superior ao brasileiro e diante de graves problemas de solvência. O debate atual deveria inclinar-se para outras alternativas, que não a da contração fiscal expansionista.
É pouco crível que ao realizar um ajuste austero a confiança empresarial retorne para deslanchar gastos com investimento hoje postergados. Isso porque o cenário de austeridade tende justamente a retrair a demanda doméstica e, portanto, dizimar expectativas empresariais futuras de um mercado em expansão que gere retorno a seus investimentos, quando, ademais, alimentam-se outras oportunidades altamente rentáveis de aplicação financeira mediante a elevação da taxa de juros.
Tempos mais difíceis aguardam o Brasil, particularmente diante do contexto internacional desfavorável que se apresenta para as economias emergentes. Para o país avançar muito além de suas agruras de curto prazo, faz-se necessário incorporar dentre seus objetivos primordiais não apenas metas claras para inflação e contas governamentais, mas também para crescimento econômico, nível de emprego e desigualdade social.
Estas variáveis-chave não podem ser relegadas ao segundo plano ou tornarem-se meramente instrumentos de ajuste no processo de desenvolvimento econômico.
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