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As jogadas com os mísseis globais

Do site Southfront, em 03 de maio de 2016

Publicado originalmente em Strogosecretno, traduzido do russo para o inglês por Borislav

Traduzido do inglês para o português pelo colaborador do Brasil Debate

O show da assim chamada “segurança nuclear” em Washington não aconteceu.

O Pentágono havia decidido encenar um encontro de cúpula sobre “segurança nuclear”, previamente ao qual autoridades americanas espalhariam declarações e ameaças contra a Rússia – o “vilão nuclear mundial”. Desse ataque deveria fazer parte o presidente da Ucrânia Poroshenko, que protestaria contra o possível posicionamento de armas nucleares táticas russas na Crimeia. De acordo com os planos da Casa Branca, quem mais receberia críticas nesse encontro seria, é claro, o presidente da Rússia, Vladimir Putin.

Putin, no entanto, não compareceu ao teatro nuclear, uma vez que o auge dessa cúpula em Washington era para ter sido a alegação de que a Rússia teria rompido com o tratado de eliminação de mísseis de média e curta distância (INF). Os Estados Unidos se escudariam em algum segredo de inteligência como um pretexto para acusar a Rússia, e ameaçá-la com novas sanções.

Mas o que o Pentágono busca é uma desculpa para ele próprio deixar de seguir o dito tratado (1). A assim chamada não-conformidade, por parte da Rússia, com o tratado de eliminação de mísseis de média e curta distância, atiça o Pentágono cada vez mais. A Rússia, como é sabido, não se prepara para atacar a Europa. Ao contrário, uma ocupação americana da Europa se encontra em curso, disfarçada de proteção contra imigrantes, contra os terroristas do Estado Islâmico e, claro, contra a Rússia.

O propósito é evitar um desfecho desfavorável para o Pentágono, uma vez que se tenciona transferir de modo legal as principais armas de ataque nuclear dos Estados Unidos para a OTAN, e escondê-las pela Europa.  Esse arsenal nuclear antiquado, que hoje se encontra em território americano, teria de qualquer modo que ser desativado no futuro, uma vez que já não será mais relevante militarmente. Por que, então, não usá-lo para enfraquecer o maior rival, a Rússia?

É nesse contexto que se insere a reclamação americana de que a Rússia não estaria seguindo o tratado INF.

A Rússia, por seu lado, alega que são os Estados Unidos que rompem com o tratado e expressa sua preocupação, porque os americanos empregam mísseis PRO target, que seriam similares aos mísseis de alcance intermediário. O mesmo se aplicaria aos drones americanos armados, que escapariam à definição do tratado quanto a mísseis baseados em terra. O mesmo se aplicaria ainda aos lançadores Mk-41 que os Estados Unidos poderão instalar na Polônia e na Romênia e que podem ser usados para lançar mísseis de cruzeiro a distâncias intermediárias. O seu aparecimento no solo é uma violação do tratado INF.

Essa controvérsia não tem nada de novo, porém o encontro em Washington era para dar-lhe um novo impulso. A parte russa, contudo, não deu as caras em Washington nos dias 1 e 2 de abril.

Há mais coisas. Para esta cúpula, os americanos alteraram a conceituação das discussões em si, bem como o correspondente programa. Desta vez os organizadores propuseram o desenvolvimento de diretrizes para a Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA), as Nações Unidas, a Interpol, e a Parceria Global.

Todas as organizações atômicas são instituições internacionais com procedimentos democráticos. Mas agora os Estados Unidos quiseram se impor a essas organizações, a despeito dos protocolos delas. Foi nesse sentido que a Casa Branca pretendeu usar Poroshenko, com seu novo conceito de segurança para a Ucrânia e suas alegações de ocupação russa da Crimeia.

Moscou, no entanto, esquivou-se, dizendo que a segurança nuclear exige esforços em conjunto ao longo de um trabalho preliminar. E devido à ausência de interação na fase preliminar, Moscou declarou que não via razões para enviar uma delegação a Washington.

Assim, o projeto dos americanos de interferir nas operações das instituições internacionais atômicas foi perdido. O show fracassou antes mesmo de começar.

O plano de Washington de modernizar bombas nucleares na Europa é uma violação do Tratado de Não-Proliferação disfarçada de “modernização de rotina”.

Washington planeja atualizar 180 bombas nucleares estratégicas B-61, localizadas em bases aéreas europeias, para a versão modernizada V-61-12. A bomba B-61 foi criada nos anos 1960 contra a ameaça soviética e está desde estão em bases da Força Aérea na Alemanha, Bélgica, Itália, Turquia e Holanda. Esse programa de modernização deverá ser completado em meados de 2020.

O Tratado de Não-Proliferação entrou em vigor em 1970. De acordo com ele, somente cinco países, os membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, têm o direito de possuir armas nucleares. Ele foi assinado por 191 países, e seu propósito era o de evitar a disseminação das armas nucleares bem como promover o uso pacífico da energia atômica.

Na verdade, as alegações da Casa Branca de que Moscou não segue o tratado de eliminação dos mísseis de médio e curto alcance é para camuflar as suas intenções de exportar a guerra nuclear para a Europa ao instalar nela novas armas nucleares.

A situação no continente é extremamente grave. Muito mais grave do que na notória crise dos anos 1980, quando os Estados Unidos decidiram instalar mísseis Pershing-2 naquela que era então a Alemanha Ocidental.

Esse possível reposicionamento significa que os Estados Unidos estão preparando a Europa como um potencial teatro de guerra nuclear, de modo a redirecionar parte do potencial nuclear de um ataque russo para a Europa, ao invés dos Estados Unidos.

Nesse sentido, o evento mais importante foi a mudança na estratégia nuclear dos Estados Unidos, com a declaração do Pentágono quanto à possibilidade de abandonar o tratado INF. Uma chance formal para isso era para ter sido a informação de que a Rússia teria claramente violado esse tratado, ao introduzir mísseis balísticos de alcance intermediário bem como mísseis de cruzeiro baseados em solo também de alcance intermediário.

Os Estados Unidos afirmam que o novo míssil russo RS-26 “Rubzeh” é um míssil de alcance intermediário. Ele é um míssil móvel complexo, composto de seis módulos. Seu peso total, de acordo com os dados, fica entre 32 e 45 toneladas, sendo que somente o peso do foguete propulsor é de 32 toneladas. A distância mínima de disparo é de 2.000 km enquanto que a máxima foi anunciada como sendo acima de 6.000 km chegando até 10.000 km com uma ogiva monobloco, o que, de acordo com o citado tratado INF, o define como um míssil intercontinental.

Ademais, os mísseis intercontinentais existentes, tanto russos quanto americanos, têm uma distância de disparo mínima que fica entre 2.000 e 3.000 km, o que permite que sejam usados em distâncias inferiores a 5.000 km, ou seja, como mísseis de alcance intermediário. Mesmo assim ninguém jamais imaginou chamá-los de mísseis intermediários, e eles permanecem intercontinentais.

Mas os Estados Unidos continuam a iludir. Após terem perdido na terminologia técnica dos seus mísseis antimísseis na Europa, eles agora estão prontos a sacrificar a Europa de um outro modo – transformando-a em um teatro da guerra nuclear.

Além do mais, as declarações oficiais da liderança russa enfatizam que os novos mísseis intercontinentais “Rubzeh” vão substituir os modelos antigos “Topol” e, possivelmente, “Molodets”. Afinal, quem iria substituir mísseis intercontinentais por um modelo intermediário, se o maior adversário da Rússia, os Estados Unidos, estão situados em um outro continente? Assim, as tentativas americanas de alegar que o “Rubzeh” seria um míssil intermediário não possuem base legal nem factual.

Algo similar vem acontecendo contra o P-500, integrante do complexo “Iskander”. De acordo com alguns dados, o P-500 tem um alcance máximo de 480 km, ou seja, menos de 500 km, e assim ele não é incluído no denominador de um alcance intermediário. Trata-se de um clássico míssil operacional-tático, criado para superar os sistemas do inimigo: um míssil de defesa aérea, para destruir alvos na profundidade operacional ou operacional-estratégica dos grupos oponentes.

O “Iskander” não requer nenhum armamento com distância de disparo de míssil superior a 500 quilômetros. A liderança americana procura obviamente insinuar que a partir desses complexos possam ser montados mísseis com maior distância de disparo, dado que com as mesmas dimensões do P-500 existem mísseis russos e americanos similares, com alcances de disparo de uma ogiva nuclear entre 2.500 e 3.000 km.

Por outro lado, existem todas as razões para supor que a versão terrestre dos lançadores americanos Mk-41 na Europa Oriental possa ser usada para os mísseis de cruzeiro Tomahawk, tanto com ogivas nucleares como convencionais. Navios da Marinha dos Estados Unidos já portam lançadores similares. Assim, a Rússia poderia legitimamente afirmar que os Estados Unidos estão violando o tratado INF, uma vez que os americanos vêm de fato criando uma área para o posicionamento de mísseis de cruzeiro baseados em solo de alcance intermediário, o que é uma flagrante violação do tratado.

Mas, se a Rússia não quebrou o tratado quanto a distâncias intermediárias, a questão do porquê de todo esse rebuliço sobressai. A resposta é simples: os americanos necessitam justificar o “direito” dos Estados Unidos de abandonar o tratado. Isso lhes permitiria instalar na Europa um grupamento de mísseis nucleares de alcance intermediário, possibilitando-lhes infligir à Rússia o assim chamado ataque de decapitação, com a destruição dos principais centros nos lugares com mísseis intercontinentais, foguetes e demais aeroportos estratégicos para a aviação.

O tempo de voo dos mísseis Pershing-2 até os objetivos é de apenas seis a dez minutos, o que, considerando a sua alta precisão, não vai deixar tempo para a liderança russa adotar as contramedidas adequadas. Podem ainda ser também introduzidos mísseis balísticos mais sofisticados.

Deve-se reconhecer que um importante veículo para as armas nucleares táticas russas é a aviação. Dadas as poderosas defesas aéreas da OTAN no teatro europeu, as chances de uma aeronave chegar até os seus alvos não são grandes.

Devido a isso, o advento de complexos como o “Iskander-M” e o “Iskander-K” eleva a dissuasão das armas nucleares táticas russas, já que o posicionamento de mísseis balísticos e de mísseis de cruzeiro de médio alcance no teatro europeu, com armamento tanto nuclear quanto não-nuclear, cria condições favoráveis para neutralizar as armas nucleares táticas russas.

Deve ser levada em conta a possibilidade de posicionamento de uma grande quantidade de mísseis de cruzeiro, baseados em solo, acrescidos àqueles disparados a partir de aviões ou de navios, com emprego de foguetes poderosos capazes de infligir danos inaceitáveis, mesmo com cargas não-nucleares.

Pode-se assim afirmar que a algazarra americana quanto a violações pela Rússia do tratado tem como objetivo reviver a confrontação nuclear na Europa.

Uma confirmação disso pode ser a decisão dos Estados Unidos de aumentar o potencial de armas nucleares táticas por meio da aviação. O armamento de F-16s e de “Tornados” com bombas nucleares V61-12 está previsto para países que atualmente são não-nucleares: Bélgica, Holanda, Turquia, Alemanha e Itália. Esses planos deverão estar implementados até 2018.

O que concluir de tudo isto?

Em primeiro lugar, aumentará significativamente a possibilidade de eliminação da retaliação nuclear pela Rússia contra os Estados Unidos.

Em segundo lugar, o maior número de armas nucleares táticas na Europa permitirá à OTAN obter superioridade sobre a Rússia nestas armas. Então a OTAN poderá atacar a Rússia com força total. O exército russo não terá como resistir a tal ataque.

Em terceiro lugar, no caso de serem usadas armas nucleares, o alvo da guerra nuclear será principalmente a Europa e não os Estados Unidos, o que reduzirá o possível emprego de mísseis russos contra o território americano.

Já teve início um processo de reposicionamento da estrutura militar da OTAN e mesmo de unidades individuais para as fronteiras com a Rússia, bem como de tropas americanas na Alemanha para a Europa Oriental, inclusive a Bulgária.

Existe uma preparação sistemática para a guerra nuclear contra a Rússia. Uma saída dos Estados Unidos do tratado INF será apenas um elemento a mais dessa preparação.

De quanto tempo os Estados Unidos precisarão para alocar mísseis de cruzeiro e mísseis balísticos baseados em solo de alcance intermediário em número suficiente para ameaçar seriamente a Rússia?

Uma mobilização em solo dos mísseis de cruzeiro Tomahawk e dos lançadores Mk-41 será determinada pela velocidade da sua produção em massa e pelo ritmo da criação de infraestrutura. Com base nos dados, pode-se supor que a perspectiva de posicionamento de um grupo de 2.000 a 3.000 desses mísseis seja de cinco a seis anos a partir do momento de uma saída formal dos Estados Unidos do tratado de mísseis intermediários.

O posicionamento de tal grupo de mísseis balísticos na Europa Oriental e no Báltico será suficiente para assegurar uma rápida destruição da totalidade do sistema de comando estratégico da Rússia, e a destruição da maior parte das suas forças nucleares estacionadas na sua porção europeia.

Levando mais uma vez em conta as capacidades de produção atuais e a arquitetura necessária a constituir um grupamento de 400 a 500 mísseis balísticos, que destruirão todas as principais bases das forças nucleares estratégicas e táticas dentro da porção europeia da Rússia, levará de cinco a seis anos. É esse o período de tempo após a possível denúncia do tratado em que uma ameaça real à Rússia se estabelecerá.

Como a Rússia responderá a essa ameaça? As suas capacidades atuais de produção de mísseis de cruzeiro e do complexo “Iskander-K” para constituir uma força de dissuasão suficiente levaria de dez a doze anos, sob as condições mais favoráveis. O resultado é uma lacuna de seis a sete anos, durante a qual o seu provável oponente, ou seja, os Estados Unidos, contarão com uma superioridade absoluta em mísseis com alcance intermediário.

Então, a possibilidade de aplicar-se um golpe de decapitação num intervalo de seis a dez minutos persistirá como uma fonte de ameaça permanente à Rússia. Mais ainda, os Estados Unidos vão sacrificar a Europa sem qualquer remorso, ao torná-la o teatro da guerra nuclear unicamente para derrotar a Rússia.

Para evitar a ameaça dos mísseis americanos na Europa, a Rússia necessitará de uma força de mísseis nucleares táticos suficiente; ainda assim, o maior potencial terá que ser direcionado contra os Estados Unidos.

Numa fase inicial, a Rússia focará no posicionamento dos complexos “Iskander-M” e “Iskander-K”, com cerca de 400 a 500 mísseis com ogivas nucleares. Essas forças serão suficientes para bater os sistemas aéreo e de mísseis da OTAN, bem como a aviação tática na área do front.

Simultaneamente, a Rússia utilizará o seu direito de posicionar mísseis de cruzeiro baseados em terra que não estejam sujeitos às restrições do tratado, e criará uma ameaça adicional aos Estados Unidos com os mísseis de cruzeiro X-101 e X-102 cujo alcance é de 8.000 a 10.000 quilômetros.

Esses mísseis podem ser posicionados em veículos móveis rodoviários ou ferroviários uma vez que eles pesam apenas cerca de duas toneladas, estabelecendo uma ameaça garantida contra os Estados Unidos. Como não há limitações de tratado contra esse tipo de míssil, poderão ser introduzidas de 600 a 800 unidades, o que é suficiente para dissuadir os Estados Unidos.

A Rússia possivelmente está para iniciar os preparativos de criação de uma força de mísseis de cruzeiro estratégicos “Iskander”, com produção em massa de não menos de 300 unidades por ano, em não mais do que um ou dois anos após os Estados Unidos abandonarem o tratado INF. Isso permitirá à Rússia criar um perigo para os Estados Unidos na Europa bem como uma ameaça adicional para o próprio território americano, dentro de cerca de cinco a seis anos.

Além disso, a Rússia está tomando providências para aperfeiçoar o gerenciamento de suas forças nucleares. É o sistema “Perímetro” ou, como é chamado nos Estados Unidos, “Dead Hand”(2).

O que se comunica aos Estados Unidos é que não haverá nenhuma guerra nuclear limitada à Europa. Qualquer utilização de mísseis na Europa pelos americanos significará o uso de armas nucleares estratégicas pela Rússia contra os Estados Unidos.

Assim, dentro de cinco a seis anos, a Rússia estará em condições de constituir uma resposta assimétrica à ameaça nuclear de alcance intermediário americana.

Mas é preciso assumir que os Estados Unidos darão o seu jeito de neutralizar isso, e que a Rússia terá que desenvolver o seu potencial de dissuasão pela criação de uma arma de 100 a 120 megatons que, sozinha, seja capaz de infligir uma destruição geofísica tamanha que os Estados Unidos e a União Europeia sejam colocados no limiar da liquidação física e do desaparecimento da face da Terra. Igualmente a ser buscada será a criação de um míssil balístico com alcance global de 35 a 40 mil quilômetros, o que permitirá a neutralização completa do sistema de defesa antimísseis dos Estados Unidos.

Existem outras medidas que a Europa deveria considerar, sobre se ela deseja ser transformada em um teatro para atividades nucleares, em prol da necessidade dos Estados Unidos de dominação global sobre o mundo.

Notas do tradutor:

(1)O tratado INF, ou tratado de eliminação de mísseis de curto e médio alcance, firmado entre Estados Unidos e Rússia, e também conhecido como “tratado dos mísseis intermediários”, proíbe mísseis baseados em solo cujo alcance seja maior do que 500 quilômetros e menor do que 5.500 quilômetros, alcance este que define um míssil como de natureza tática; considera-se que os mísseis de alcance menor que 500 quilômetros como mísseis operacionais, e mísseis com alcance maior que 5.500 quilômetros como mísseis estratégicos (estes também são chamados de mísseis intercontinentais).

(2)O sistema “Dead Hand” (mão morta) é uma espécie de “piloto automático” que aciona a retaliação nuclear russa contra os Estados Unidos para o caso de todos os acionadores humanos (a liderança russa) já terem sido mortos em consequência de um ataque de decapitação americano – por isso a metáfora da mão que aciona o botão mesmo já estando “morta”.

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