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Aonde vai o partido militar?

Em 4 de maio, o ministro da Defesa, general da reserva Fernando Azevedo e Silva, disse o seguinte: “Marinha, Exército e Força Aérea são organismos de Estado, que consideram a independência e a harmonia entre os Poderes imprescindíveis para a governabilidade do país”. No dia 5, o ministro Celso de Mello, do STF, autorizou o depoimento, entre outros, de três ministros militares do governo Bolsonaro no inquérito aberto pela PGR para investigar as informações e alegações que o ex-ministro Sergio Moro trouxe a público quando pediu demissão do cargo na pasta da Justiça e Segurança Pública. Em seu despacho, Celso de Mello disse que todos os convocados a depor estão sujeitos, na forma da lei, à condução coercitiva. Os ministros militares convocados são os generais Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e Walter Braga Netto (Casa Civil).

No dia 7, o Clube Militar publica uma Nota de Repúdio, pela qual “repudia enfaticamente o despacho exarado ontem pelo Ministro Celso de Mello, do STF, no inquérito que apura denúncias do Ex-Ministro da Justiça e Segurança Pública contra o Presidente da República. […] A Democracia se caracteriza pela independência e harmonia entre os três poderes e o grande fiscal desse sistema é a população. Assim, quando vemos manifestações, cada vez com maior frequência, contestando a atuação de qualquer um dos poderes da República, não se pode dizer que esses movimentos são antidemocráticos. Podemos, sim, afirmar que existem engrenagens do sistema que estão atuando fora do contexto democrático”.

Antes de avaliar esses fatos recentes, cabe resgatar a conhecida delimitação que a Constituição de 1988 estabelece, no Art. 142, sobre o papel das Forças Armadas. Elas são “organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”. Mas qual é o limite da função garantidora dos poderes constitucionais e da lei e da ordem? Pensar que ele pode extrapolar a espinha dorsal do Estado Democrático de Direito seria um malabarismo intelectual, retórico e casuístico, enfim, seria inaceitável, ilegítimo e ilegal.

O posicionamento do ministro da Defesa veio após Bolsonaro, em 3 de maio, novamente participar de uma manifestação em Brasília repleta de faixas e cartazes defendendo o fechamento do Congresso e do STF e a volta do AI-5. Manifestação semelhante já havia ocorrido, com a presença de Bolsonaro, em 19 de abril, Dia do Exército, propositadamente realizada na porta do quartel-general dos verdes. Os cidadãos atentos à política conhecem a ideologia autoritária de Bolsonaro, que ele nunca escondeu, pelo contrário, sempre fez questão de explicitá-la. Pelo segundo ano consecutivo, por exemplo, o governo tem incentivado a comemoração do aniversário do golpe militar de 1964. Nos governos anteriores, de Fernando Henrique a Temer, passando por Lula e Dilma, não aconteceu de o ministro da Defesa precisar reafirmar o caráter imprescindível da independência e harmonia entre os poderes.

No processo político recente, desde a deposição de Dilma Rousseff, vários elementos de autoritarismo institucional e social vêm sendo observados. Destaco aqui, além dos eventos supramencionados, a emergência de um eleitorado de extrema-direita mobilizado nas ruas, que prega contra as instituições democráticas. A relevância desse fenômeno aumentou desde as eleições de 2018, sob o guarda-chuva da candidatura de Bolsonaro. Note-se que, em fevereiro do referido ano, tomou posse como titular do ministério da Defesa, pela primeira vez desde sua criação em 1999, um general da reserva, Joaquim Silva e Luna.

Ainda no final de setembro de 2018, 15 dias após assumir a presidência do STF, o ministro Dias Toffolli nomeou Fernando Azevedo e Silva como seu assessor. Três meses depois, ele se tornaria titular da pasta da Defesa do novo governo, posto que ainda ocupa. Até agosto daquele ano, Azevedo e Silva exercia sua última tarefa na ativa, como Chefe do Estado-Maior do Exército. Esses fatos são relevantes. Os militares vêm retomando sua presença na política com substantiva consistência. Segundo a imprensa, há quase três mil militares ocupando cargos em diversas agências do governo federal nos estados da federação, além de inúmeros ministérios.

Mas a declaração do ministério da Defesa não se harmoniza com a forma e com o conteúdo do posicionamento do Clube Militar. Se a harmonia entre os poderes é fundamental para a governabilidade, por que uma nota de repúdio, um tom tão hostil? Poder controla poder, para evitar concentração de poder. Se há respeito à separação dos poderes, por que repreender publicamente o posicionamento formal do ministro da Corte Suprema no exercício de sua função? Além disso, é inautêntico o Clube Militar propor-se a ensinar o que é Democracia (com letra maiúscula) e, nesse sentido, argumentar que “o grande fiscal desse sistema é a população” e que as manifestações populares expressam problemas na engrenagem do sistema democrático.

Os militares estão defendendo uma via direta de exercício da democracia, mas para combatê-la? Populistas? Justo eles, que foram contra o massivo movimento das Diretas Já!? Justo a corporação que, por exemplo, um mês após a promulgação da Constituição de 1988, reprimiu a greve dos operários da CSN, em Volta Redonda, resultando em três mortos? Se os militares prezam tanto a hierarquia e a disciplina, por que não fazê-lo em relação ao STF? Por que não exercer o direito de reclamação em um tom mais cordial? Afinal, não foi o STF que salvou os militares da revisão da lei da anistia? Por que o Clube Militar não repudia as manifestações que falam em fechamento do Congresso e do STF, ao invés de, erroneamente, considerá-las democráticas?

Por que não questionar o general Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional, por dizer que o Congresso faz chantagem? Sobretudo, se o Clube Militar preza a democracia, por que não repudiou os vídeos em que Bolsonaro atacou o Congresso e o STF, ao mesmo tempo em que conclamou a população a dar um basta ao que considera intolerável? Por que ele não repreendeu Bolsonaro pelos ataques recentes ao ministro Alexandre de Moraes? Por que ele não repudiou os frequentes ataques de Bolsonaro à imprensa? Resposta: os militares são o principal partido da atual Presidência da República, cujo mandatário nem partido formal tem. O “partido militar” tem propensão autoritária, nível elevado de hierarquização e disciplina, além de coesão, embora não seja monolítico.

O “presidencialismo de coalizão” original do “mito” é com duas forças da sociedade civil, por um lado, os agentes do mercado, por outro, os extremistas das ruas. Essas são as bases do “partido militar”, que vem praticando um populismo autoritário cada vez mais ameaçador. Mas também, devido à crise política permanente criada pelo presidente e ao desgaste de seu governo, para evitar a queda – por atentar contra a saúde pública, contra a democracia e/ou pelo inquérito em curso na PGR – esse partido informal se aproximou do Centrão, cuja principal força é o DEM de Rodrigo Maia, líder pouco palatável ao Planalto.

Os fatos sugerem que o subtexto do comportamento dos militares é o seguinte: por um lado, por meio de Bolsonaro e Mourão, eles estão priorizando o Executivo e a relação direta e populista-autoritária-mobilizadora do “mito” com os eleitores; por outro lado, desqualificam o Legislativo e o Judiciário, lançando-os à vala comum da velha política, da corrupção, do favorzinho entre amigos, dos privilégios, da falta de pulso institucional e assim por diante. Transbordam aos olhos do observador o incômodo, a pouca familiaridade e a má vontade do governo militarizado de Bolsonaro – eleito sob condições um tanto quanto polêmicas, devido às Fake News e ao ambiente de intimidação e violência política – com a democracia dos partidos e parlamentares, com a burocracia togada, com o devido processo legal, com os direitos civis e políticos.

Uma hipótese interessante é a da tutela militar, que estaria configurada desde quando o então comandante das Forças Armadas, general Villas Bôas, em abril de 2018, na véspera do julgamento do Habeas Corpus de Lula no STF, assim se manifestou em sua conta no Twitter: “Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do país e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais?” Em entrevista posterior, em novembro daquele ano, esse general praticamente deu a entender que pretendia “intervir” em caso de decisão desfavorável.

Sendo assim e cabendo às Forças Armadas garantir os poderes constitucionais e, se chamadas, a lei e a ordem, estariam elas aguardando, a depender da evolução da conjuntura crítica (pandemia crescente, recessão, inquérito criminal envolvendo Bolsonaro, pedidos de impeachment), que o presidente Bonaparte as convoque, respaldado nos extremistas antidemocráticos das ruas, nas PMs e nas milícias, para a ação ditatorial direta, ou elas se “limitarão” a prosseguir exercendo, por assim dizer, o poder moderador, pela tutela intimidadora prolongada sobre os poderes do Estado, sobre a competição política e sobre a sociedade e, nessa condição, tolerariam uma eventual deposição do ex-capitão e o consequente enfraquecimento do populismo militarista, já que possuem a alternativa Mourão, também castrense?

Uma terceira via é permanecerem com Bolsonaro até 2022, mas sabe-se lá em que condições e a qual preço.

Crédito da foto da página inicial: Fernando Frazão/Agência Brasil

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