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Alguns elementos para compreensão das ações e omissões do STF

Como professor da área de Teoria do Direito, sinto-me em condição segura para analisar alguns elementos da posição que o Supremo Tribunal Federal (STF) tem assumido. A partir dos estudos da Sociologia Jurídica, podemos identificar a vinculação do direito, por meio de seus organismos públicos e o Judiciário, a determinados grupos de poder na sociedade. Nesse sentido, a população brasileira tem acompanhado nos últimos anos fatos que evidenciam tal influência, sobretudo, de interesses econômicos e políticos no processo de aprovação das leis.

A partir de reflexões da Hermenêutica Jurídica, pode-se afirmar que os operadores do direito não somente não são neutros, mas a própria imparcialidade do juiz é um problema. Esses operadores trazem uma história, valores e formas de compreensão do mundo que vão influenciar não só seus processos de formação, mas também suas atuações e interpretações do direito. Afirma-se, como uma das bases do direito, a imparcialidade do juiz, uma ficção que indica a condicionalidade para a validade e legitimidade de uma decisão jurídica, mesmo que ela não ocorra de fato.

Portanto, a não neutralidade e a parcialidade podem ser elementos muito presentes no direito, sobretudo quando se lida com conflitos marcadamente econômicos, sociais e políticos. Nos últimos anos, a clara articulação entre as ações de órgãos e pessoas vinculados à Operação Lava-Jato e a grande mídia, em especial a Rede Globo, com suas vinculações políticas e econômicas, permite-nos uma ilustração do problema.

Considerando a seletividade do acesso à educação de qualidade no Brasil, as decisões de segundo grau, como a que manteve a condenação do ex-presidente Lula pelo TRF-4ª Região, mesmo sendo colegiadas, podem muito bem representar posições políticas e econômicas muito próximas. Isto é, não é difícil termos três julgadores de uma turma recursal com bases liberais, o que sem dúvida levaria a uma determinada tendência na forma de interpretar e dizer o direito.

Isso ressalta a importância das decisões das mais altas cortes jurídicas do país (STJ e STF), sobretudo em casos de maior relevância para os rumos da sociedade. Nesse sentido, a confirmação ou a omissão sobre decisões manifestamente inconstitucionais, ilegais ou políticas, por um conjunto de operadores ou órgãos do Judiciário somente evidencia essa maior vinculação do direito e do Judiciário a interpretações que favorecem determinados setores da sociedade.

A partir da Filosofia do Direito, é possível considerar como justa e equânime uma decisão que pode se fazer cumprir, por omissão da Justiça? Certo, nos casos de prisão após condenação em 2ª instância até agora verificados, não houve maiores manifestações da população, talvez por haver dúvidas sobre a correção da decisão, mas também por não terem a mesma representação social que tem o ex-presidente Lula. Neste caso, sua condenação é percebida por 56% da população como tendo motivação política, conforme pesquisa CUT/Vox Populi de fevereiro último, e uma possível prisão, vinculada à percepção de ser uma decisão injusta, ilegítima e sem equidade, sobretudo se viabilizada por uma omissão do STF, levará certamente a grandes mobilizações e manifestações na sociedade por sua libertação e por sua participação no processo eleitoral.

A criação em muitas universidades públicas brasileiras de uma disciplina sobre o golpe de 2016, mesmo com a tentativa de sua criminalização por parte dos que dele se beneficiaram, levará a aprofundamentos e publicações que ajudarão a desvelar as articulações nesse processo entre setores das classes política e econômica (internos e externos), a mídia e o Judiciário.

As ações e omissões do STF, dentre elas a omissão em analisar se houve ou não crime de responsabilidade por parte da ex-presidente Dilma, certamente serão objeto de análise, visto que poderia ter revertido decisões políticas e jurídicas marcadamente inconstitucionais.

A questão que se coloca hoje é até que ponto o Judiciário, que tem tomado rumos e decisões contraditórias, em diferentes órgãos, sobre os mesmos fatos ou muito próximos, continuará a se omitir? Parece inacreditável que uma ministra que se vangloriava de defender a Constituição, de sempre ter consigo a Constituição, deixe de pautar uma discussão que divide o país e o próprio STF, sobre a constitucionalidade ou não de uma decisão estabelecida em outro contexto político e jurídico, e que, portanto, pode não retratar o direito e o justo na atualidade. O princípio da imparcialidade não exigiria que ela o fizesse?

Se pesquisas apontam que a maioria da população percebe as decisões judiciais contra o ex-presidente como políticas, qual será a legitimidade de tais decisões? Qual será o rumo do Judiciário, representado pelo STF? Manter o processo de ilegitimidade a partir do golpe, ou tentar resgatar a possibilidade de um processo democrático com maior legitimidade? Qual será a reação dos mais de 50 milhões de cidadãos que manifestam seu apoio a Lula?

Esperamos que a ministra que diz defender a Constituição não se omita em responder àqueles que ainda acreditam e ensinam sobre a Justiça e os preceitos do justo, diante deste caso emblemático e que será objeto de estudo pelo menos nas próximas décadas, sobretudo se tivermos como resultado uma condenação que se assemelharia àquela de Sócrates. Porém, diante da provável manutenção do Judiciário do lado dos poderes hegemônicos, distanciando-se de uma Justiça digna deste nome, que as forças do bem se preparem para mais um período de resistências, individuais e coletivas.

Crédito da foto da página inicial: Fernando Frazão/Agência Brasil

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