Não quero desqualificar as manifestações que vêm ocorrendo contra o governo atual, principalmente tendo a atual presidente Dilma e o partido dos trabalhadores como alvo. A priori, o mais importante de tudo é que as pessoas podem ir às ruas – ou varandas – se manifestar livremente. Mas, como nada é absoluto, queria trazer alguns itens para reflexão.
Primeiro, focar a insatisfação num só partido não só é preguiça ideológica, mas, também, é não ter noção de como funciona o nosso sistema na teoria e muito menos na prática (federação, 3 (+1) poderes, lobby, mercado etc.).
Preguiça ideológica porque o ataque sistemático ao PT não tem fundamento nem coerência com as atitudes vistas: a maioria dos manifestantes se denomina apartidária, mas, na verdade, é capaz de assumir qualquer partido “só para tirar o PT do poder”.
É um claro desrespeito com a história e a ideologia de cada grupo político e dificulta ainda mais o entendimento de como nossa democracia funciona, dentro do nosso Estado de direito. Não é de se estranhar, por exemplo, que o processo eleitoral seja focado em ataques pessoais e não em propostas e ideias, uma vez que, sem a correta percepção dos pensamentos que estão em jogo, a disputa eleitoral se baseia em imagens superficiais dos candidatos.
Já a não compreensão verossímil do nosso sistema gera um fenômeno interessante, no mínimo: vivemos numa república federativa onde os cidadãos (pior, eleitores) pensam viver numa monarquia, i.e., pensam que ao Executivo cabem todos os deveres de Estado. Se a justiça não julga direito, foi porque o planalto não escolheu bem; se o Legislativo não cria leis adequadas, foi porque a coalização foi feita incorreta e o governo não controla “sua base”.
O grande problema desse pensamento é ignorar completamente que o equilíbrio entre os três poderes acontece, muitas vezes, por meio de um jogo perverso e sujo, em que o lobby, a chantagem e o suborno são as ferramentas mais utilizadas para a tão falada harmonia entre pares. Consequentemente, focar a insatisfação em um só segmento – no caso Executivo Federal – é o campo ideal para criar o bode expiatório ou o boi de piranha e isso atrapalha qualquer combate efetivo à sujeira impregnada em todas as relações políticas.
Segundo, combate à corrupção é um item válido de protestar. Todavia, sem uma proposta específica para tal, pode ser incorporada por qualquer ação, como, por exemplo, a volta da ditadura militar (com torturas e assassinatos) e demais propostas fascistas.
O linchamento moral de corruptos e corruptores hoje, que dá uma sensação boa de justiça, pode ser a perseguição política de amanhã, caso segmentos da democracia acumulem poderes demais e, principalmente, não sejam questionados por isso.
O mais surpreendente é que em termos de números e fatos, nunca se combateu a corrupção como é feito hoje. É de se estranhar, portanto, que o país que era conhecido pela alta impunidade, fique insatisfeito quando, justamente, esse estigma começa a ser fortemente confrontado.
Terceiro, a atuação da mídia não foi normal e isso não é sem motivo. A mídia hoje é um poder virtual e se beneficia muito disso: apesar de ter forte influência sobre a população, podendo formar opiniões e desconstruir pessoas, não tem a mesma cobrança de uma instituição política.
Portanto, ela pode assumir posturas descaradamente antiéticas (vide a capa da Veja/Abril nas vésperas das eleições) sem sofrer consequências de apelo popular, que frequentemente interferem muito nas investigações e julgamento de malfeitos (já escrevi sobre isso, aqui mesmo).
Saliento, assim, um mini estudo de caso para corroborar com esse argumento: todo mundo, da extrema direita à extrema esquerda, quer educação melhor. Agora, quantas vezes uma mídia – pode ser local – fez uma cobertura integral de movimentos de servidores da educação? Quantas greves já vimos e vivemos que foram completamente ignoradas pela imprensa? Se não souber a resposta, procure comparar o comportamento midiático na greve dos servidores de educação do Paraná e de São Paulo (esse ano) com a cobertura 24/7 das manifestações do dia 15 de março.
Agora, imaginem só: se todos querem (chuto aqui 99% do País) uma educação melhor, por que não se juntam nas ruas com professores por melhorias no ensino? Mais exemplos: professores de Contagem (MG) bloquearam uma estrada contra o fechamento de uma escola. “Cerca de 50 pessoas” o fizeram, sem cobertura ao vivo da mídia (agradeço aqui o cinegrafista amador que ajudou na notícia de 30 segundos da Globo), sem hino nacional ou camisas da CBF. Por que o interesse por isso é tão baixo?
Para finalizar e deixar claro: o texto é apenas uma reflexão, e de maneira nenhuma é uma repreensão pelo ocorrido. Manifestações são instrumentos primordiais da democracia, mesmo havendo discordância entre a população sobre o conteúdo, elas devem acontecer (dentro dos limites da lei, óbvio).
Bolsonaro e Paulinho da força (dois cânceres, na minha opinião) foram hostilizados no dia 15 de março, portanto se pode concluir que as ruas não foram tomadas apenas por boçais alienados, mas também por pessoas que querem avanços efetivos para o Brasil.
Só espero que os oportunistas não usem a insatisfação dessas pessoas, dispersa em pautas abstratas, para continuar atrasando o nosso País nas ações que a grande maioria da população quer. Afinal, quem tem a perder com a decadência de um sistema corrupto e injusto é justamente quem quer continuar os privilégios derivados da sujeira praticada desde sempre no País.
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